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quarta-feira, 2 de maio de 2012

Artigos: Dores Crônicas




Cabe inicialmente, uma conceituação relativa ao tema. A Sociedade Internacional para o Estudo da Dor (IASP), com sede permanente em Seattle, no estado de Washington, conceitua dor como “uma experiência sensitiva e emocional desagradável, associada a uma lesão, ou descrita como a ela relacionada”. As dores crônicas, tem mecanismos e abordagens diferentes das dores agudas. Uma confusão nesses conceitos implica em prejuízo para o entendimento e terapêuticas desses pacientes, pois os tratamentos e os resultados esperados são diferentes.
As dores agudas são de absoluta importância para sobrevivência dos seres vivos, indicando que algo vai errado, necessitando de diagnóstico causal, tratamento rápido e o mais eficiente possível. Freqüentemente é o que acontece, estando todos habituados a rápidas soluções. Já nas dores crônicas não existe qualquer finalidade biológica, sendo a dor, o sofrimento e os comportamentos relacionados às mesmas, totalmente desnecessários e danosos para a sobrevivência.
Modificações ocorridas na matriz do sistema nervoso, em função da persistência de informações aberrantes que aí aportam, levam a expressões de genes, que conferem um perfil funcional anormal, cuja expressão é a dor. Conseqüente a tais modificações estruturais e funcionais é que ocorre uma demanda de tempo para que as intervenções terapêuticas sejam percebidas. As intervenções necessitam de alguma forma controlar ou desfazer essa sinalização anômala, para que sejam percebidos resultados de melhora pelo paciente, familiares e pelo sistema de saúde, desavisados dessas características.
As dores crônicas podem ser entendidas como as que se mantêm após a cura da lesão inicial, ou que persistem além de semanas ou meses. Assim, mais do que um sintoma (dores agudas) são consideradas hoje mundialmente como uma doença.
Como visto no conceito da IASP, a dimensão emocional implica em variáveis individuais, somáticas, psicológicas e culturais, conferindo um grau de complexidade, que determina a utilização de um modelo bio psico social. Este modelo de entendimento é mais adequado que o modelo habitual e em desuso, conhecido como modelo bio médico, onde são levados em conta, lesão definida (causa) que determina conseqüências; tratando a causa e suas conseqüências, os efeitos desaparecem. As implicações psicossociais são ignoradas. Seguindo esses princípios é que foi proposta uma abordagem multi e interdisciplinar para seu tratamento, com envolvimento de diferentes especialidades médicas e de vários profissionais não médicos.
Na fisiopatologia das dores crônicas ocorrem mecanismos especiais, fazendo com que as drogas utilizadas, tenham efeitos analgésicos de maneira não convencional. Essas ações têm como objetivo, corrigir mecanismos e neurotransmissores diretamente envolvidos nas descargas neuronais anormais, buscando uma estabilização das mesmas. São usadas drogas que potenciam a noradrenalina e serotonina no sistema nervoso central, estabilizem iônicamente as membranas, como agonistas do ácido gamaminobutírico (Gaba), bloqueadores de canais de sódio, cálcio, como os antidepressivos e antiepilépticos. Várias outras drogas, que possam também interferir em outros mecanismos são usadas ou estão em estudo. Os pacientes devem ter explicações quanto à indicação das drogas chamadas analgésicas adjuvantes, pois freqüentemente ficam confusos quando das suas indicações. Em situações especiais e bem selecionadas, os analgésicos convencionais, como antiinflamatórios não hormonais e opióides (morfina e seus derivados), podem ter indicação. Atualmente bloqueios neurolíticos e cirurgias, são indicados em somente 10 a 5% de casos específicos. Como fizemos referência na abordagem multidisciplinar, técnicas não farmacológicas ou cirúrgicas são freqüentemente empregadas, mostrando a importância dessa abordagem.
Levantamentos epidemiológicos realizados nos Estados Unidos da América do Norte (EUA) mostram, uma prevalência de aproximadamente 30% de dores crônicas na população em geral. Este fato, além da perda de qualidade de vida dos seus portadores, representa um prejuízo anual de 130 bilhões de dólares, quando são considerados custos diretos com medicamentos, internações e indiretos com aposentadorias precoces, diminuição da capacidade laborativa e envolvimentos judiciais. O conhecimento desses fatos levou a instituição pelo congresso norte americano, de que a presente década, fosse considerada como a década da dor, onde os esforços com pesquisas, cuidados e políticas de saúde estarão, voltados para o enfrentamento das dores crônicas, considerados como um problema de segurança nacional.
Infelizmente não temos no Brasil, uma política de saúde para dores crônicas (com exceção das dores oncológicas, com desempenho questionável, e de incidência bem menor que as dores crônicas não oncológicas). O mais sério é que não conhecemos nem os números epidemiológicos da prevalência e incidência das dores em geral no nosso país, o que torna qualquer tentativa de implementação de uma política de saúde para esse setor, claramente sem possibilidades de uma real eficácia, com desperdício de recursos, tempo e de trabalho. Alguns ensaios foram desenvolvidos, com amostragens institucionais e outros, com interesse comercial das indústrias farmacêuticas, representando uma amostragem viciada (hospitalar) ou tendenciosidades movidas por outros interesses, que não o conhecimento da nossa realidade, faltando os subsídios elementares para a instituição de medidas preventivas e curativas.
Admite-se que as dores crônicas ocorreriam com incidência semelhante em outros países, como nos números mostrados para os EUA. Seria de maior prevalência que outras doenças, como Aids, epilepsia, doença de Alzheimer, câncer entre outras, onde muitas vezes aparece também como parceira, e sem uma realidade conhecida e nem uma política de prevenção e assistência definidas.
Entre as mulheres com dores crônicas, 75% têm algum tipo de disfunção sexual. Essa é a conclusão de um levantamento feito pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. O estudo mostra que, no caso dessas mulheres, a velha queixa de dor de cabeça não é apenas uma desculpa para evitar o companheiro, mas uma situação real em que a dor fala mais alto do que o desejo e a satisfação que fazem parte de uma vida sexual saudável.
A ginecologista Telma Zakka, do Centro Interdisciplinar de Dor do Hospital das Clínicas, já percebia que as dores crônicas transformavam a vida de suas pacientes, mas a partir do levantamento percebeu o impacto das dores na sexualidade. “O que mais me chamou atenção foi que elas diziam que evitavam ter relações, não por falta de vontade, mas porque sabiam que a dor aumentaria.”
Para a pesquisa, foram aplicados testes em 64 mulheres, das quais 29 não sentiam dor alguma e 35 sofriam de enxaqueca, fibromialgia, dores nas costas e na região pélvica. Em todos os aspectos avaliados – desejo, estimulação, lubrificação, orgasmo, satisfação e dor – o grupo com dor crônica mostrou resultados piores do que o grupo saudável. Das 35 mulheres com dor, 26 foram diagnosticadas com algum tipo de disfunção sexual.
Especialista em dor pélvica crônica, Telma alerta para a importância de o profissional de saúde abordar o assunto da sexualidade com essas pacientes. “Em uma consulta dificilmente se menciona a sexualidade. O médico fica constrangido de perguntar e a paciente também evita o assunto.”
Uma das mulheres envolvidas no levantamento, que preferiu não ser identificada, confirma que ninguém gosta de tocar no assunto da sexualidade. Durante quatro anos, ela sofreu de uma dor pélvica quase insuportável que nenhum médico conseguia diagnosticar ou tratar. “Quando não se consegue identificar o motivo da dor, dá pavor, medo, desespero”, conta. “A autoestima fica lá embaixo. Antes de uma relação, sempre me perguntava se ia doer.” Depois de um longo tratamento e livre das dores que a atormentavam, hoje ela avalia que deixou de se envolver em relacionamentos mais profundos por esse motivo.
A enfermeira Karine Azevedo São Leão Ferreira, diretora da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor, observa que é comum que as disfunções sexuais que acompanham a dor crônica da mulher contribuam para o fim dos relacionamentos. “Essas mulheres não conseguem ter uma vida sexual ativa e seus companheiros, quando não entendem a situação, se separam e destroem a família”, diz.
Segundo ela, a abordagem clínica da dor crônica deve ser multiprofissional. “A sociedade não pode negligenciar o assunto, colocar barreiras e não falar sobre a sexualidade, extremamente importante para a qualidade de vida.”