FOTOGRAFIAS

AS FOTOS DOS EVENTOS PODERÃO SER APRECIADAS NO FACEBOOCK DA REVISTA.
FACEBOOK: CULTURAE.CIDADANIA.1

UMA REVISTA DE DIVULGAÇÃO CULTURAL E CIENTÍFICA SEM FINS LUCRATIVOS
(TODAS AS INFORMAÇÕES CONTIDAS NAS PUBLICAÇÕES SÃO DE RESPONSABILIDADE DE QUEM NOS ENVIA GENTILMENTE PARA DIVULGAÇÃO).

sábado, 12 de maio de 2012

Artigos: Estudos sobre o Modernismo 1



O termo Modernismo – e tudo aquilo que ele significa – não pode ser abordado numa perspectiva exclusivamente nacional. Devemos então considerá-lo sob dois ângulos:


Nas três primeiras décadas do século XX, as principais nações européias vivem uma impressionante revolução artística, atingindo todos os setores criativos, e que - a grosso modo - recebe o nome de Arte Moderna ou Modernismo. Esta revolução se expande rapidamente e alcança um incontável número de países extra-europeus, entre os quais o Brasil. O crítico Otto Maria Carpeaux delimita a cronologia dessas transformações

Aquilo que entendemos por "arte moderna" já se presentificara na primeira década do século XX, mas sua expansão e vitalidade deu-se na segunda década, quando a guerra, as crises sociais e existenciais, a Revolução na Rússia, o fim do grande ciclo burguês, favoreceram o desenvolvimento de uma arte polêmica e destruidora. Por romper com uma série de cânones, essa arte recebeu o nome de vanguarda, a que está a frente de seu tempo. 
Podemos especular que as vanguardas teriam acontecido de qualquer maneira, independentemente das circunstâncias históricas, mas os vertiginosos acontecimentos da Primeira Guerra Mundial e da Revolução Soviética aceleram, com certeza, a ruptura e a radicalização, tanto ideológica quanto estética, de uma série de movimentos inovadores.
 

Características da Literatura Modernista
  • liberdade nos temas e da linguagem
  • valorização do cotidiano
  • liberdade de expressão
  • ambigüidade
  • destruição dos nexos
  • verso livre  

 
A importância maior das vanguardas residiu no triunfo de uma concepção inteiramente libertária da criação artística. O pintor, o escritor ou o músico não precisam se guiar por outras leis que não as de sua própria interioridade e de seu próprio arbítrio. Picasso não pintará mais o real e sim a sua interpretação do real. Compositores como Schönberg e Stravinski levarão a música a novos limites, questionando a tonalidade usual.



Uma das maiores conquistas do modernismo, a valorização da vida cotidiana traz para a arte uma abertura temática sem precedentes, pois, até então, apenas assuntos "sublimes" tinham direito indiscutível ao mundo literário. Agora, o prosaico, o diário, o grosseiro, o vulgar, o resíduo e o lixo tornam-se os motivos centrais da nova estética. À grandiosidade da paisagem, Manuel Bandeira sobrepõe a humildade do beco:

Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte?
- O que eu vejo é o beco.


Este anticonvencionalismo temático, esta dessacralização dos conteúdos encontra correspondência na linguagem. Além das inovações técnicas, a linguagem torna-se coloquial, espontânea, mesclando expressões da língua culta com termos populares, o estilo elevado com o estilo vulgar. Há uma forte aproximação com a fala, isto é, com a oralidade.

A língua sem arcaísmos. Sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros.
Também Manuel Bandeira admite a contribuição da linguagem popular:
A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil (...)

O rompimento com os padrões culturais do século XIX implicaria no aparecimento de novas técnicas, tanto no domínio da poesia, quanto no da ficção. As principais conquistas foram:


O verso já não está sujeito ao rigor métrico e às formas fixas de versificação, como o soneto, por exemplo. Também a rima se torna desnecessária. Vejamos um trecho de Consideração do poema, de Carlos Drummond de Andrade:
Não rimarei a palavra sono
com a incorrespondente palavra outono.
Rimarei com a palavra carne
Ou qualquer outra, todas me convêm.


Os chamados nexos sintáticos, preposições, conjunções, etc., são eliminados da poesia moderna, que se torna mais solta, mais descontínua e fragmentária e, fundamentalmente, mais sintética. Veja-se um exemplo radical no poema Coca cola, do concretista Décio Pignatari:

beba coca cola
babe cola
beba coca
babe cola caco
caco 
cola
cloaca.


O discurso literário perde o sentido fechado que geralmente possuía no século passado. Ou seja, ele oferecia ao leitor apenas um sentido, uma interpretação. Agora, ele tem um caráter variado e polissêmico. Uma rede de significações, que permite múltiplos níveis de leitura. É a chamada obra aberta, obra que não apresenta univocidade, ou seja, que não se esgota numa única interpretação
Estrela da manhã, de Manuel Bandeira, por exemplo, é um poema representativo do polissenso da literatura contemporânea. No final da leitura, não sabemos com absoluta convicção o que essa estrela simboliza. Uma mulher experiente que o poeta deseja? Uma prostituta? A própria vida a que Bandeira pela doença foi obrigado a abdicar?
Eu quero a estrela da manhã
Onde está a estrela da manhã ?
Meus amigos meus inimigos
Procurem a estrela da manhã
Ela desapareceu ia nua
Desapareceu com quem?
Procurem por toda a parte (…)

Manuel Bandeira (1886-1968) 

Nasceu no Recife, filho de uma família oligárquica. Começou a fazer o curso de engenharia, em São Paulo, mas a tuberculose o impediu de concluir a faculdade. Buscando a cura, esteve um ano na Suíça, onde efetivamente eliminou a doença. Voltando para o Brasil, tornou-se inspetor de ensino e, depois, professor de Literatura na Universidade do Brasil. 



Cinza das horas (1917); Carnaval (1919); Ritmo dissoluto (1924); Libertinagem (1930); Estrela da manhã (1936); Lira dos cinquent'anos (1948); Estrela da tarde (1963) 

A poesia de Manuel Bandeira - eliminados os resíduos simbolistas e parnasianos de Cinza das horas e Carnaval - enquadrando-se na vertente mais clássica do espírito modernista, aquela em que se processa uma fusão entre a confissão pessoal e a vida cotidiana. Em Bandeira predomina com algumas insistência o lirismo do EU, mas o cotidiano jamais desaparece dos textos, numa síntese feliz entre subjetividade e objetividade. Isto se dá porque uma relação dialética estabelece-se entre ambos. Assim: 
Poesia = cotidiano mais o eu-lírico.
Nada em sua poesia é mera visão interior. Tampouco lhe apraz a simples fotografia realista do mundo. Mesmo assim, praticou eventualmente uma lírica sem a presença da interioridade. É o caso do Poema tirado de uma notícia de jornal:
João Gostoso era carregador de feira-livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem número.

Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro

Bebeu
Cantou
Dançou

Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.

Ou, ainda, deste O bicho, infiltrado por grande indignação moral:
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.

O poeta debruça-se sobre o mundo concreto, porém na sua fala sobre o real pode-se pressentir o traço biográfico, como no já antológico Irene:
Irene preta
Irene boa
Irene sempre de bom humor

Imagino Irene entrando no céu:

- Com licença, meu branco.
   E São Pedro, bonachão:
- Entra, Irene. Você não precisa pedir licença