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quarta-feira, 6 de junho de 2012

Artigos: O Funcionamento Mental



  Como todo organismo vivo, o ser humano tem uma forte propensão a manter constante sua tensão interior: é o principio de constância, análogo ao princípio de homeostesia da fisiologia.

       As condutas e os mecanismos psíquicos, no sentido de evitar toda tensão nova ou sua redução (sedução), caso a tensão no possa ser evitada, serão preferencialmente pesquisados: é o principio de prazer que se encontra então a serviço do precedente. Mas se inicialmente a criança busca a descarga imediata, ela aprendera progressivamente a distingui-la para que ela não seja perigosa para sua sobrevida mas, ao contrario, fonte de uma satisfação maior. Essa será a aquisição do principio de realidade, para o qual o meio desempenhara um papel considerável, e o qual vemos que a somente uma forma organizada, para as necessidades e a qualidade da sobrevida, do principio do prazer e não seu oposto.

       A criança aprendera igualmente que um aumento da tensão pode ser fonte de prazer se ela constitui preliminarmente um prazer maior, permitindo a antecipação da descarga posterior, como será o caso do coito e dos prazeres sexuais preliminares.


       A REPETIÇÃO
       Mas ao lado desse principio de constância-prazer, a observação nos leva a fazer intervir uma outra constante do funcionamento humano: é a compulsão de repetição. Não se trata da simples tendência em repetir os hábitos adquiridos pela aprendizagem, mas da opressão interna que impele os seres humanos a repetir indefinidamente as mesmas situações traumáticas que os fazem sofrer, mas que eles não podem ser impedidos a provocar de novo. Freud pode descrever assim "essas neuroses de destino" que parecem marcadas por uma fatalidade trágica que às vezes se repete em varias gerações.

       A esse efeito de repetição vindo do próprio paciente se acrescentam as reações do meio social que geralmente o reforçam.

       E assim, por exemplo, que uma personalidade perseguida induzira, pelo seu comportamento, espanto, desconfiança, escárnios e certamente uma verdadeira hostilidade de seu meio social, confirmando a posteriori o fundamento de seus medos iniciais. Freud também ligou a essa compulsão de repetição as neuroses traumáticas, em que o interessado revive indefinidamente o traumatismo originário sem poder se livrar disso, assim como as reações terapêuticas negativas, que fazem com que mais ou menos inconscientemente o paciente gere o fracasso de todas as medidas terapêuticas passíveis de ajudá-lo como se ele estivesse sendo forcado em manter condutas consideradas insatisfat6rias. Ele vê nisso um efeito da pulsão de morte.

       Mas, mesmo se recusamos recorrer a essa última noção, somos obrigados a constatar os efeitos da repetição. E certo que tudo o que foi fonte de traumatismo, no sentido psíquico do termo, deixa traços em nós que tem tendência a ressurgir de maneira repetitiva.

       Vimos no Cap. 1 a definição de traumatismo. Seus efeitos não são sempre perceptíveis imediatamente e se desenvolvem suas potencialidades patogênicas num segundo momento, às vezes muito distante. E o "efeito a posteriori", característica do funcionamento mental. Isso parece ser devido em particular ao desenvolvimento em várias épocas da sexualidade humana que se atingira seu ápice na puberdade. Muitos traumatismos da criança só se revelarão assim na puberdade quando eles serão "reativados", absorvendo então todo seu sentido, pelo instinto sexual da puberdade.

       Podemos ver na descarga emocional (ou catarse ) uma possibilidade de evitar o efeito patogênico dos traumatismos. E a origem de todos os métodos ditos catárticos (a "catarse" dos gregos designava os efeitos liberadores da descarga emocional aos quais eles atribuíram o papel benéfico da tragédia). Freud tinha inicialmente pesquisado esse efeito catártico especialmente pela hipnose, para abandoná-la em seguida. Parece de fato que os efeitos são muito passageiros. A única medida eficaz contra a repetição e a rememoração dos traumatismos, associada ao trabalho de compreensão e elaboração psíquica.

       D. Lagache reprova essa tendência do psiquismo interno à repetição do efeito Zeigarnik (1928) que é o fato de que em certas condições experimentais, as tarefas acabadas são melhor retidas do que as inacabadas. Os traumatismos psíquicos, como as tarefas inacabadas, representam tantas "feridas" abertas e dolorosas que o paciente tentaria fechá-las repetindo-as, na esperança mais ou menos mágica de anular o fracasso precedente, ou, no caso do traumatismo, de controlar, repetindo ativamente o que ele sofrera passivamente. Infelizmente, é geralmente um novo fracasso que ele repete, crescendo na mesma proporção a compulsão de repetição.


       AS MODALIDADES DO FUNCIONAMENTO MENTAL
Elas não são unívocas e a psiquê apresenta vários níveis e tipos de funcionamento que vamos rapidamente esquematizar.


       A CAPACIDADE DE ESPERA E A SIMBOLIZAÇÃO
       Trata-se of de duas qualidades de funcionamento psíquico que são características do pensamento mais elaborado. Elas só são adquiridas progressivamente e não são unicamente ligadas à maturação do sistema nervoso central, mas são inteiramente dependentes da organização afetiva da crianca e da natureza e da qualidade de suas relações.

       O pensamento começa por ser concreto e por exercer ação sobre o mundo (H. Wallon). É somente progressivamente que ele se desembaraça e que a criança pode parar de ter necessidade da coisa ela mesma para se interessar pelos símbolos que a representam. Ela se tornara capaz de estabelecer elos entre esses símbolos, seguindo não mais a inclinação de sua afetividade, mas as leis da linguagem e da lógica, chegando ao pensamento abstrato.
A simbolização é assim a capacidade de representar uma coisa por uma outra. Capacidade rica de promessas, já que ela abre caminho à possibilidade da representação de uma coisa por signos cada vez mais simples e abstratos, permitindo uma economia de meios e então uma complexificação crescente que levará à linguagem humana.

       
Mas, para isso, a criança devera assumir uma distância com relação aos objetos investidos que ela tratara de simbolizar e cujo modelo perpetua sempre os personagens importantes de seu meio social. Ela deverá então poder:

       - diferir a satisfação imediata de seus desejos para deixar ao pensamento o tempo de se desenvolver; desenvolvimento que só pode se operar se a carga emocional que o subentende não for excessivamente importante.

       - ser capaz de esperar e então de suportar a ausência e a solidão, qualidades que são indispensáveis para instaurar uma relação suficientemente segura com o meio ambiente.

       Somos levados assim a caracterizar, no funcionamento mental, o mundo das representações e o dos afetos.

       As representações designam os conteúdos do pensamento: idéias, imagens mentais, cujo modelo poderia ser a reprodução mental pela lembrança de uma percepção anterior.

       Os afetos designam a tonalidade afetiva, emocional, forte ou branda, agradável ou desagradável, que acompanha os acontecimentos exteriores ou representações internas.

       Podemos distinguir dois grandes tipos de funcionamento mental:


       O FUNCIONAMENTO EM PROCESSOS PRIMÁRIOS

     E aquele do inconsciente, mas pode invadir a vida consciente, especialmente na psicopatologia. Ele se caracteriza pela submissão aos afetos e seu único objetivo será a satisfação imediata do desejo que o originou.

     Essa pulsão na direção da satisfação mais imediata e mais completa leva a utilizar representações não segundo os elos lógicos, mas por meios como:

    - o deslocamento, através do qual uma representara freqüentemente de aparência insignificante pode ser alvo de todo o valor psíquico, a significação, a intensidade originalmente atribuída a uma outra.

    - a condenação pela qual pode confluir uma representação única de todas as significações trazidas pelas cadeias associativas que vem se cruzar.

     Há então falta ou, no caso de uma regressão a esse tipo de funcionamento, perda da capacidade de simbolização: o pensamento "se concretiza" e as palavras são apreendidas para as coisas que se supunha representarem. Eles não adquiriram ainda ou perderam sua capacidade de abstração e entendem no sentido literal, que lhe confere um valor mágico e perigoso: por exemplo, a leitura ou a audição da palavra "morte" poderá realmente significar uma ameaça de morte imediata.

     Este modo de funcionamento será o do lactente e o da criança, enquanto esta última não tiver à sua disposição uma manipulação suficiente da língua. Ele cederá progressivamente o lugar ao funcionamento em processos secundários (confira adiante) mas permanecerá sempre latente e ressurgira em algumas circunstancias: sonho, manifestações patológicas (delírios, alucinações) a cada vez que o indivíduo desencadear suas emoções ou for excessivamente impelido numa conduta afetiva.

     A tarefa do aparelho psíquico sendo a de encontrar os meios de manter a homeostasia interna, só existem nesse funcionamento em processo primário duas vias de descarga possível:

     - a descarga na vida motriz, ou vegetativa, e temos of uma das condições possíveis para a aparição de perturbações psicomotoras (tiques, estereotipias, dispraxias), psicossomáticas, e de condutas de auto-estimulação, tais como, por exemplo, a que descrevemos entre as crianças desnutridas (hospitalismo). Estas últimas condutas tornam-se freqüentemente auto-eróticas por investimento de lembranças de experiências de satisfação ligadas à motricidade.

     - a descarga pelo superinvestimento no mundo fantasioso em busca de uma identidade de percepção de natureza alucinatória, com representações rememoradas de antigas satisfações, como se elas fizessem parte da realidade externa: "que isso seja e isso é", procedimento mágico operando de modo claro no sonho, mas encontrado no nível de todas as experiências de satisfação a margem da realidade que já evocamos: devaneios e o bem compreendido delírio.

     A via motora é inicialmente barrada pela ação da imaturidade do lactente e vimos que podemos considerar que essa era uma das condições que favorecem o desenvolvimento excepcional do mundo psíquico no homem. Essa será então a via vegetativa que constituirá, no lactente, o meio privilegiado de assegurar sua homeostasia psíquica. Isso explica a freqüência das perturbações psicossomáticas do lactente afetando sua vida vegetativa e suas funções fisiológicas: apetite, sono...

     A tarefa da educação será ajudar a criança a suportar uma certa tensão interna e a diferir a descarga graças ao desenvolvimento de seu mundo psíquico. Isso ocorre graças a boa qualidade da relação com seu meio ambiente, que ela poderá conquistar, e vimos que o aparelho psíquico da mãe devia assegurar esse papel organizador e suprir a imaturidade da criança, lhe concedendo uma autonomia cada vez mais maior. É em particular graças a segurança e às satisfações que a educação suscita que a espera se torna possível e que a criança pode organizar o que chamamos de processos secundários, que se opõem ponto por ponto aos processos primários.


     O FUNCIONAMENTO EM PROCESSOS SECUNDÁRIOS

     Ele caracteriza, ao contrario, o mundo consciente e racional. O afeto esta aqui ligado as representações de modo estável e são os processos do pensamento lógico que devem articular os elos e associações entre as representações, e não mais a intensidade afetiva da qual elas são investidas. O princípio de realidade acaba por corrigir o princípio de prazer e a espera toma-se possível e alterna a descarga imediata a todo preço.

     O processo secundário constitui então uma modificação do processo primário e acaba por preencher uma função reguladora tornada possível pela constituição do Ego, do qual um dos principais papéis será inibir os processos primários ligando-os as representações, organizando-os e tornando-os compatíveis com a realidade externa, que eles terão por tarefa modificar, a fim de encontrar ali as satisfações necessárias. Sublinhemos mais uma vez o papel essencial representado nesse trabalho pela qualidade das relações com o meio ambiente e sua interiorização (relações objetais).


     OS MECANISMOS DE DEFESA
     Designamos sob essa denominação diferentes tipos de operações psíquicas que tem como fim a redução de tensões psíquicas internas. É, essencialmente, o método psicanalítico e a pratica das psicoterapias, especialmente nas crianças, que tornaram possível individualize-los, mostrar a gênese, apurar o valor para a economia psíquica, seguir aí as transformações e eventualmente a dissolução se eles se tornam supérfluos.

     Se eles são geralmente úteis para proteger a coesão do aparelho psíquico, eles não tem todos o mesmo valor. Geralmente inconscientes, eles estão facilmente sob o domínio dos processos primários, tomando a rigidez das compulsões de repetição. Eles tornam-se então patogênicos e entravam o funcionamento mental.

     Vamos rapidamente passar em revista os principais dentre eles:
     O recalque é sem dúvida um dos mecanismos de defesa essenciais, particularmente porque ele é constitutivo do inconsciente.

     Entendemos por recalque a operação através da qual o paciente busca recalcar ou manter no inconsciente representações ligadas a uma pulsão. O recalque se produz nos casos onde a satisfação de uma pulsão, que pode gerar ela mesma o prazer, corre o risco de provocar desprazer, com relação a outras instancias (Laplanche e Pontalis. Vocabulaire de la psychanalyse - P.U.F.). Instâncias que são freqüentemente mais próximas da consciência e que tem por finalidade proteger a relação do paciente com seus objetos de amor reprimindo tudo o que iria ao encontro de suas exigências ou de seus sentimentos de amor e de respeito que o paciente pensa que devem lhe trazer.
     A regressão. - Ela designa de um modo geral um retorno às formas anteriores do desenvolvimento do pensamento e do estilo de relações do paciente com seu meio ambiente. Desde Freud, distinguimos classicamente três tipos de regressão, que são de fato geralmente associados:

     - a regressão tópica do consciente ao inconsciente;

    - a regressão formal, em que são retomados modos de expressão ou de figuração do pensamento mais primitivos, com a passagem de um funcionamento em processo secundário a um funcionamento em processo primário.

     - a regressão temporal, em que o paciente encontra modalidades relacionais colocadas sob o primado das zonas erógenas mais arcaicas: anais e orais.

     A regressão nunca é um retorno puro e simples ao estado anterior porque não podemos jamais obscurecer a evolução intermediária. Um adulto regredido não será jamais a criança que ele foi. E preciso de preferência entendê-lo como a reatualização de um modo de funcionamento antigo que vai induzir, no interessado, a prevenção de uma linguagem, de um comportamento, de interesses que terão a tonalidade e a coloração características de um determinado estágio.
     A reversão através do oposto representa o processo pelo qual o objetivo de uma pulsão se transforma em seu contrário na passagem da atividade a passividade. Ela esta em geral estreitamente ligada ao retorno sobre si em que a pulsão substitui um objeto pela própria pessoa. É o caso particularmente nos casais de opostos que andam vestidos iguais: sadismo e masoquismo, voyeurismo e exibicionismo. O retorno do sadismo através do masoquismo implica ao mesmo tempo a passagem da atividade a passividade e uma inversão dos papéis entre aquele que administra e aquele que experimenta os sofrimentos.

     Os conjuntos de condutas opostas coexistem no inconsciente e sua transformação de uma em outra só pode ser compreendida se fizermos intervir a disposição fantástica onde o paciente, na sua fantasia (que ele age e trabalha no seu comportamento externo), ocupa alternadamente todas as posições.
     O deslocamento consiste no fato de que o reforço, o interesse e a intensidade de uma representação podem se destacar dela para passar as outras representações originalmente pouco intensas, ligadas a primeira por uma cadeia associativa.
     O isolamento é o procedimento que consiste em isolar um pensamento ou um comportamento de tal modo que as conexões com seu contexto afetivo, com outros pensamentos ou com o resto da existência do indivíduo se encontram rompidas.

     Ele dá meios de fazer a economia do recalque, contanto que a representação seja totalmente privada da carga afetiva que ela tinha primitivamente, o afeto, quanto a ele, devendo encontrar uma outra saída: por exemplo, deslocamento sobre uma outra representação.
     A anulação retroativa é o mecanismo psíquico através do qual o indivíduo se esforça em agir de modo que pensamentos, palavras, gestos, atos passados não sejam adivinhados. Ele utiliza para isso um pensamento ou um comportamento que tenha uma significação oposta. Sua característica mágica reflete bem seu elo com o inconsciente.
     A formação reacional é uma atitude psíquica de sentido oposto a um desejo reprimido e constituída em reação contra ele. Em termos econômicos, a formação reacional é um contra-investimento de um elemento consciente, de forca igual e de direção oposta ao investimento inconsciente. Podemos tratar de atividades muito generalizadas, constituindo tragos de caráter mais ou menos integrados ao conjunto da personalidade; mas, às vezes, elas assumem um valor sintomático no que oferecem de rígido, de forçado e compulsivo. Enquanto traço de caráter, um gosto excessivo pela limpeza camuflara uma tendência à sujeira, ou uma compaixão invasora será uma formação reacional contra desejos agressivos. Enquanto sintoma, o ódio a sujeira fará com que o paciente só pense em sujeira e centrara de fato sua existência e seus interesses sobre ela, pelo viéis de sua preocupação com a limpeza; ou a exigência de compaixão se fazendo tirânica se tornará uma oportunidade de agredir todo o seu meio. Percebe-se nestes últimos exemplos o retorno do recalque.
     A negação possibilita igualmente fazer a economia do recalque, o indivíduo podendo tomar a liberdade de formular um pensamento, um desejo, um sentimento anteriormente reprimido, com a condição de negar o que eles significam: "não creia que eu pense desse modo" ou "que eu tenha tal desejo". Ela favorece o desenvolvimento do pensamento, que um excesso de repressão paralisa de maneira oposta, diminuindo a potencialidade conflitual. Em excesso, ela empobrece a personalidade que esta ainda condenada a não reconhecer o que lhe pertence, sobre o plano afetivo em particular. A racionalização se apóia freqüentemente sobre a negação e o isolamento para encontrar sempre boas razoes para explicar o comportamento cujas motivações profundas são de fato julgadas inaceitáveis.
     A sublimação: um instinto é dito sublimado na medida em que ele é derivado na direção de um novo objetivo não-sexual e que ele visa objetos socialmente valorizados. Trata-se de um processo postulado por Freud para observar atividades artísticas e intelectuais aparentemente sem relação com a sexualidade, mas que encontrariam energia na força do instinto sexual. A ressexualização dessas atividades provocaria fenômenos patológicos e dificuldades na sua realização: inibição, por exemplo.

     Citemos também a reparação que descrevemos no Cap. 2 a propósito do desenvolvimento da criança e do acesso a ambivalência.

     Ao lado desses mecanismos de defesa relativamente comuns, devemos confrontar outros, cuja persistência testemunha por ela mesma um registro patol6gico (psicose).
     A clivagem, mecanismo muito primitivo, considerado como a defesa mais arcaica contra a angústia, onde o objeto, visado pelos instintos libidinais e agressivos, é cindido num "bom" ou num "mau" objeto que terão destinos relativamente independentes no jogo das introjeções e das projeções (veja o Cap. 2). Ele é acompanhado de uma clivagem correlata do Ego.
     A idealização: ela é o resultado de urna clivagem prévia mas onde, para proteger o bom objeto dos instintos destruidores, ela vê suas qualidades e seu valor nitidamente exagerados.
A nega¢ao da realidade, em que o paciente nega totalmente uma parte mais ou menos importante da realidade externa.

     Nós só citaremos dois mecanismos: a introjeção e a projeção. Eles têm com efeito um papel essencial na individuação e na formação da personalidade e essa é a razão pela qual nós os estudamos.


     A IDENTIFICAÇÃO

     Ela é o processo psíquico através do qual o paciente assimila um aspecto, uma propriedade, um atributo do outro e se transforma total ou parcialmente sobre o modelo deste último.

     Nós lhe reservamos um lugar particular em conseqüência de sua importância enquanto:

     - processo formador da personalidade;

     - mecanismo de defesa essencial contra a perda e o luto;

     - origem de múltiplas condutas patológicas;

     - fator essencial na formação e no funcionamento dos grupos.
     Existem vários tipos de identificação, que podem eventualmente se combinar.
     A Identificação com o objeto perdido. - Ela a um meio privilegiado de suprir a ausência do objeto amado perdido. O processo de base é a incorporação oral, tal como a descrevemos a propósito da primeira relação mãe-filho. Neste caso, o objeto é fantasticamente incorporado, enquanto o paciente adota as características do objeto. O investimento pulsional do objeto pode ser abandonado e transferido sobre os traços incorporados. Haveria ali um processo essencial de formação do Ego e de aquisição de sua autonomia com relação ao objeto. Encontramos freqüentemente este processo na origem das queixas somáticas subseqüentes a uma perda real de uma pessoa amada. Essa perda pode ser real puramente fantasiosa e ligada, por exemplo, a um conflito, a um afastamento temporário ou a uma nova ligação. A queixa vem tomar o lugar do objeto perdido reproduzindo uma perturbação análoga da pessoa amada (famílias de "hepatopatas", de "enxaquecosos") ou superinvestindo em uma zona corporal ligada de um modo ou de outro a essa pessoa: queixa-se da perturbação, frustrante como foi o objeto perdido, mas ela não constitui menos uma presença à qual se está inconscientemente ligado.
     A Identificação amorosa deriva da antecedente, da qual ela representa uma forma mais elaborada, menos ambivalente, visto que não é necessário que o objeto desapareça ou esteja perdido para que ela tenha lugar. Amar é desejar possuir o objeto e, como isso não pode jamais acontecer completamente, uma solução pode ser procurar tornar-se como ele, carrega-lo dentro de si, ser ele. É indispensável no começo da vida, para que o indivíduo possa substituir progressivamente os pais, seu prolongamento subseqüente pode ser patogênico.

     Vemos freqüentemente essa solução aparecer como tentativa de resolução do complexo de Édipo. Por exemplo, a menina não podendo ter para ela sozinha seu pai e ser amada por ele como ela o desejaria, se identifica com esse pai, por um ou vários de seus traços: ela não tem então mais que estar na expectativa de seu amor, já que ela o consente nela; o que tem também a vantagem de fazer cessar sua culpabilidade com relação a sua mãe, a qual ela renuncia, pelo próprio fato de tomar o seu lugar. Resolução do conflito então, mas cerceia a menina na aquisição de sua identidade feminina e dificuldades posteriores prováveis nas suas relações amorosas que virão ocasionar sua identificação masculina. Esse movimento de identificação com o pai poderá ser a seu modo perturbado, no caso, por exemplo, de um conflito oral anterior excessivamente importante, fonte de fantasias agressivas que a levarão a experimentar a identificação como uma
incorporação oral destruidora do pai, da qual ela tentara se proteger, por exemplo, fugindo do seu pai (aparente indiferença ou medo) para se refugiar regressivamente junto a uma mãe que ela não ousará mais abandonar. Vemos assim as reações em cadeia possíveis e sua complexidade.
     Identificação com o terceiro e formação do grupo. - Na ausência de todo investimento libidinal no objeto, pode haver entretanto identificação por intermédio de um elemento em comum que pode ser uma terceira pessoa. Ressaltam deste mecanismo os casos ditos de imitação ou de contagio mental. E igualmente o mecanismo que Freud descreveu na "analise do ego e psicologia coletiva" (em Essais de psychanalyse) como estando na base da constituição do grupo. O elemento comum, servindo de motor a identificação entre os membros do grupo, é neste caso o líder ou o dogma do grupo, representando o ideal de Ego de cada um dos membros. Trata-se de uma forma de identificação onde o componente narcísio é dominante. Seu objetivo não é tanto ser recíproco ao outro (ao objeto amado na forma precedente) mas pesquisar sua identidade encontrando no outro o que ele tem de comum consigo.

      A Identificação com o agressor já foi considerada a propósito do jogo na criança e da formação de seu Ego.
     Imitação e aprendizagem. - Não devemos então confundir o processo complexo da identificação com a imitação ou com a aprendizagem. A imitação é somente um revestimento superficial, que interessa apenas a personalidade do indivíduo, a qual ela permanece estranha. Ela não tem valor estruturante, amadurecedor, e cone o risco de arruinar-se ao menor conflito. Ela dá origem às personalidades frágeis, que chamamos de personalidades de "falso eu" ou personalidades "como se".

     A aprendizagem tem um aspecto parcelado e designa toda modificação relativamente estável de uma função e de um comportamento sob o efeito da experiência adquirida. Ela é a resultante objetivável, comportamental, de um processo ocasionando mais ou menos, segundo o caso, a personalidade. Pode-se dizer que ela pode ser facilitada ou inibida pelos conflitos de identificação.


     OS MECANISMOS DE DESEMPENHO

     Ao lado desses mecanismos de defesa alguns autores, como D. Lagache individualizaram mecanismos de desempenho. Eles se diferenciam dos primeiros pelo fato de que não são sofridos pelo Ego, forçado a recorrer automaticamente a uma defesa imediata e incontrolada para diminuir sua tensão; mas eles têm, ao contrário, por efeito, libertar o Ego dessa opressão, lhe dando meios de objetivar o perigo interiorizando-o e relativizando-o. É assim que, no exemplo anterior da queixa pela identificação com o objeto perdido, o paciente pode, no lugar dessa identificação relativamente custosa, se livrar desses investimentos sobre o objeto e torná-los disponíveis para outros investimentos. Mas isso supõe um difícil trabalho de conscientização e de luto operando nesses mecanismos de desempenho. Um real depressivo é praticamente inevitável. Pode ser tornado suportável graças ao trabalho de elaboração evocando a linguagem e a necessidade de apoio momentâneo de uma relação psicoterapêutica.
     O MODELO PSICODINÂMICO DA PERSONALIDADE
     A personalidade se construirá então segundo um longo processo de trocas entre o de dentro e o de fora constitutivo da oposição realidade interna/externa. A barreira entre esses dois mundos deverá ser suficientemente leve para permitir essas trocas durante toda sua vida, uma rigidez excessiva revelando o temor subjacente de ruptura. Essa barreira se forma progressivamente e necessita durante a infância de uma substituição reservada geralmente aos pais que conservam o papel de "Ego auxiliar" e que Freud chamou de "paraexcitação", protegendo a criança dos traumatismos e das excitações excessivas graças ao seu trabalho de filtragem e de ligação, dando sentido e coerência ao que a criança vive. A partir das primeiras experiências de incorporação, a criança guardando nela o bom e rejeitando o mau, se opera uma interiorização progressiva de suas experiências com o mundo exterior, liberando-a progressivamente deste último. As identificações com suas variantes e as relações de objeto com suas diversas modalidades já consideradas vão assim organizar o mundo interno. As experiências relacionais e as condutas externas vão então ter seu semelhante interno sob a forma de condutas interiorizadas.
A interiorização, cuja identificação acabamos de ver que representa uma das formas mais elaboradas, é um mecanismo psíquico que pode metaforicamente ser comparado a digestão. Vimos (Caps. 1 e 2) a influencia do modelo fantasmático oral sobre todas as modalidades relacionais posteriores. Para que uma conduta, uma relação, sejam interiorizadas, é preciso que, como um alimento, elas tenham sofrido uma metabolização, de onde a personalidade será alimentada, mas que reaparecerá sob uma forma que pode ser afastada da forma original. Essa digestão exige, para se produzir, uma manipulação possível da agressividade (morder e devorar) com uma destruição fantasiosa do objeto com o qual se estima a relação. Essa deverá ser então, como vimos na segunda pane, suficientemente estável e segura para tornar tolerável essa relação fantasiosa de devoração.



     AS INSTÂNCIAS DA PERSONALIDADE

     Elas são a resultante desse processo. Designamos sob essa denominação modelos teóricos fictícios destinados a observar, organizando e esquematizando, a realidade complexa da personalidade. As distinguimos classicamente assim:
     Old, que representa o pólo instintivo, impulsivo, inteiramente inconsciente, funcionando segundo o processo primário e só buscando a satisfação imediata das necessidades e a tranqüilizarão das tensões.
     O Ego, que nasce do Id por diferenciação progressiva ao contato da realidade a qual ele deve se adaptar para sobreviver. Ele se forma graças às introjeções e identificações. Ele é a sede de mecanismos de defesa e representa a instância rupulsora encarregada de assegurar o equilíbrio psíquico conservando as tensões em um nível constante. Ele funciona segundo as leis do processo secundário, mas permanece parcialmente inconsciente, especialmente no ato de colocar em ação mecanismos de defesa.
     O Superego, que designa a função crItica do aparelho psíquico, portadora das ordens morais a respeito do Ego. Seu funcionamento é em grande parte inconsciente. Ele resulta da interiorização das proibições parentais mas, como vimos, profundamente transformadas devido ao seu investimento pelos instintos saídos do Id. É assim que cada vez mais a avidez do indivíduo será grande, cada vez mais ele a experimentará como destruidora e mais ele interiorizara as proibições fundamentando essa voracidade sob uma forma severa, imagem no espelho da violência de seu desejo.
     O Ideal de Ego

     Podemos distinguir duas categorias de exigências:

     - umas redutoras: "Você não deve fazer isso";

    - outras optativas, certamente imperativas: "Você deveria ser assim" ou "você deve ser assim".

     As primeiras representariam o Superego propriamente dito, as segundas o Ideal de Ego, modelo ao qual o Ego deve se adequar. Vemos que o Ideal de Ego tem como alvo o próprio ser do indivíduo ao qual ele propõe uma imagem perfeita dele mesmo. Ele esta então intimamente ligado ao narcisismo e depende da imagem que os pais têm de sua criança, ou pelo menos daquilo que esta percebeu. A base será a interiorização do olhar da mãe sobre seu filho, com todas as eventualidades já consideradas ligadas ao processo de interiorização. O Ideal de Ego a então o depositário do narcisismo infantil do indivíduo e do de seus pais, a criança procurando inconscientemente se colocar no lugar do objeto ideal que acabaria por satisfazer os pais. Ele se segue ao período em que a criança tem a ilusão de ser todo-poderosa: “ o que ele (o homem) projeta diante de si como seu ideal é o substituto do narcisismo perdido de sua infância; nessa época, ele era para ele mesmo seu próprio ideal" Freud: "Para introduzir o narcisismo - 1914 - em La vie sexuelle - P.U.F.).

     É este Ideal de Ego, depositário do narcisismo infantil parcialmente perdido, que torna possível observar as manifestações tão variadas que a fascinação amorosa, a dependência com relação ao hipnotizador e a submissão ao líder, que representam tantos casos onde uma pessoa estranha é colocada pelo indivíduo no lugar de seu ideal de Ego. Um processo semelhante está na base da constituição do grupo humano. O ideal coletivo extrai com efeito sua eficácia de uma convergência dos "Ideais de Ego" individuais: "...um certo número de indivíduos colocou um único e mesmo objeto no lugar de seu ideal do Ego, e em seguida eles identificaram um ao outro no seu Ego" (Freud, Psicologia coletiva e análise do Ego, em Essais de psychanalyse). Daí o caráter passional, e mesmo vital, dos ideais e opções ideológicas, que estão diretamente ligados ao narcisismo, quer dizer, ao amor próprio e a representação ideal de si mesmo, apoio do sentimento de nossa continuidade e de nossa integridade.

     Quanto mais o narcisismo falta, mais a imagem de si será incerta e desvalorizada e mais o indivíduo ficará constrangido em transferir seus investimentos sobre ele mesmo para restabelecer um equilíbrio e uma unidade sem interromper a ameaça. Isso o conduzira a um egocentrismo e a atitudes de apresentação destinados a compensar a ameaça que faz pesar nele sua carência narcísica. Esse é um dos paradoxos do narcisismo porque dir-se-á sobre essas personalidades que elas são narcísicas enquanto que, de fato, elas sofrem uma carência narcísica. Podemos entender esse aparente paradoxo compreendendo que o defeito narcísico é primário, resultante de uma perturbação relacional precoce, enquanto a atitude narcísica compensatória é secundária. As doenças e as deficiências diversas constituem tantas feridas narcísicas que podem igualmente ocasionar atitudes compensatórias.

     Isso nos parece tão importante de que o médico, como veremos na terceira parte, é freqüentemente levado a representar um apoio narcísico para o doente, imagem de todo poder, não desprovido de ambivalência, que o restaurara na sua integridade. Vem então freqüentemente tomar o lugar do Ideal de Ego do paciente.

     A linguagem, através da construção gramatical, exprime bem essa capacidade reflexiva, específica do ser humano, que lhe torna possível ver, se imaginar e se comparar a imagem ideal que ele tem dele mesmo. O "Eu me..." de frases como "eu me considero culpado...," "eu me arrependo..." mostra claramente que o indivíduo não é nada além de uma composição e que ele adquiriu essa faculdade de olhar sobre ele mesmo, cujo desaparecimento no momento de algumas perturbações psicopatológicas revela toda a sua importância na construção da personalidade.
     A DINÂMICA DA PERSONALIDADE - O RETORNO DO RECALQUE
     A personalidade não é uma construção estática estabelecida de uma só vez mas, como o próprio organismo, ela esta submetida a mudanças permanentes e pode ser concebida como a resultante mais ou menos estável de pressões múltiplas e contraditórias.

     Vimos que tudo o que era inconsciente e os processos primários constituíam um tipo de instinto permanente de apetência em busca de satisfação imediata. O Ego e seu funcionamento em processo secundário está aí para conter, organizar e dar meios de diferir a satisfação, assegurando o contato com a realidade pela tarefa de se adaptar a ela e modificá-la.

     Mas a pressão do inconsciente permanecendo sempre, o que a reprimido tenderá a ser restituído, ameaçando o equilíbrio do Ego. Este tem a sua disposição, para administrar a situação, além dos mecanismos considerados duas ordens de medidas:
     Os contra-investimentos. - Designamos contra-investimento o processo que consiste no investimento pelo Ego de representações, sistemas de representações, atitudes... que possam impedir o acesso das representações e desejos inconscientes à consciência e à motilidade. Vimos uma ilustração com as formações reacionais: por exemplo, uma preocupação com a limpeza acabando por lutar contra o desejo de sujeira ligado as pulsões anais.

     Nos momentos e situações de forte solicitação pulsional podemos observar, quase experimentalmente, a modificação, a acentuação e certamente a aparição de contra-investimentos. E o caso da puberdade, onde a forte pulsão sexual pode provocar contra-investimentos no nível do trabalho intelectual e da adoção de condutas ascéticas.

     Esses contra-investimentos têm um impacto particularmente importante na relação entre pais e filhos. Quando excessivamente importantes entre os pais, eles podem desempenhar o papel de um excitante da pulsão correspondente na criança, tornando conflituosa sua organização. O contra-investimento pode representar, com efeito, um papel de mensagem paradoxal designando à criança a pulsão acusada como sendo fonte de interesse e de excitação para seus pais. No exemplo escolhido anteriormente, a limpeza excessiva como proteção contra a sujeira e a agressividade que esta ligada a ela, o interesse excessivo do pai pela limpeza o levara de fato a observar tão especialmente o que poderá ser sujo na criança, estimulando nesta ultima, o instinto correspondente nele, proibindo-a de satisfaze-lo. A criança terá sorte se apresentar um sintoma que a leve a consulta. Compreendemos facilmente que seria inoportuno prescrever atendimento destinado unicamente a criança.

     Na permanência dos desejos inconscientes, os contra-investimentos opõem-se a constância e à rigidez de suas defesas e entram na formação dos tragos de caráter. Eles são assim uma fonte permanente de dispêndio energético para o indivíduo, sua acentuação temporária e durável é a fonte freqüente de fadigas inexplicáveis.
     O retorno do recalque. - Ele constitui uma outra solução para manter o equilíbrio do aparelho psíquico, desempenhando de qualquer modo o papel de válvula de escape.

     Um certo número de fatores pode facilitar esse retorno das representações recalcadas, tais como: um enfraquecimento dos contra-investimentos ou um ímpeto pulsional, como por exemplo a puberdade ou o surgimento de acontecimentos atuais lembrando por um ponto qualquer (uma simples sinonímia de nome pode bastar) o material recalcado com o qual eles entram em ressonância.

     Mas esse retorno do recalque não poderá se formar diretamente e sem perdas. Ele deverá passar pela constituição de formações de compromisso que serão a resultante do ímpeto pulsional por um lado, e da ação do Superego pelo outro. Serão as rejeições do inconsciente, "formações de compromisso entre as representações recalcadas e recalcadoras". Na mesma formação se satisfazem, assim, em um mesmo compromisso, ao mesmo tempo o desejo inconsciente e as exigências proibidoras da censura. Todas essas formações tem em comum a exigência, para serem compreendidas, de uma interpretação, quer dizer, o desencadeamento do sentido latente escondido atrás do conteúdo manifesto.

     As principais formas de compromissos, expressão do retorno do recalque, vão ser:

     a) A psicopatologia da vida quotidiana. - Reagruparemos sob essa designação, que retoma o título do livro de Freud, o conjunto das manifestações relevantes de nosso compromisso verbal ou motor, banais aos olhos do profano, ornando a vida de cada um e que tem em comum serem involuntárias: lapsos, atos falhos, esquecimentos... Esse caráter involuntário, e mesmo freqüentemente o oposto do que queria conscientemente dizer ou fazer, explica que recusamos em geral Ihes dar importância. É preciso ver nessa recusa um efeito do recalque que se limita em fechar cada vez mais rápido a porta involuntariamente entreaberta. É com efeito esse caráter totalmente involuntário e estranho a todo desejo consciente que lhe confere seu valor de retorno do recalque. Todas essas manifestações são bem conhecidas e foram, entre os dados da psicanálise, as mais vulgarizadas.

     Podemos reaproximar a palavra do espírito que implica uma participação da consciência maior, a proibição estando voltada para o meio do humor, que permite um distanciamento do afeto; é assim com o devaneio livre e com as fantasias formadas por meio da associação livre, quer dizer, surpreendendo ao máximo a vigilância da censura.

     b) A transferência, que, como vimos, designa em psicanálise o processo pelo qual os desejos inconscientes se atualizam sobre alguns objetos no quadro da relação analítica. Trata-se de uma repetição de protótipos infantis vivida com um sentimento de atualidade marcado, quer dizer, desconhecendo seu valor de repetição (Laplanche e Pontalis - Vocabulaire de la psychanalyse - P.U.F.).

     c) 0 sonho. - "Via real na direção do inconsciente." Não há falta de sentido, como o desejaria o senso comum e a lógica, mas o enfraquecimento do sentido que pede que pesquisemos o sentido latente escondido atrás do conteúdo manifesto. O sonho evoca então uma interpretação, e é mesmo durante a descoberta do papel do sonho que Freud mostrou a importância da função interpretativa que devia ser a base da técnica analítica. O sonho obedece com efeito ao princípio do prazer e tem como função proteger o sono do indivíduo. Ele aparece quando o sono corre o risco de ser perturbado por uma excitação pulsional nascente e ele tem por objetivo causar uma satisfação alucinatória à pulsão. O sonho sempre exprime então um desejo. Mas, mesmo que seja a queda da vigilância, acompanhando o sono, que facilita a emergência desse desejo, a consciência nunca é abolida completamente e não permite uma expressão direta do desejo: este último deve sofrer deformações, tornando-se compatível com as exigências mínimas do Superego que permanecem. Se isso não acontece, parece que a angústia desperta o dorminhoco, o sonho transformando-se em pesadelo.

     Um processo característico do sonho é a necessidade de figuração à qual estão submetidas os pensamentos do sonho: estes sofrem, com efeito, uma seleção e uma transformação que lhes tornam capazes diretamente de serem representados em imagens, sobretudo visuais, a maneira de uma adivinhação.

     Mas a interpretação psicanalítica dos sonhos não é uma "chave dos sonhos". Mesmo se existem expressões simbólicas preferenciais, comuns a uma dada cultura, que serão mais freqüentemente escolhidas para figurar um ou outro tipo de desejo, elas só tomarão seu sentido no quadro estrito da história pessoal de cada um e, em particular, na cura, ligadas ao desejo que une o sonhador aquele a quem ele vai contar seu sonho.

     Os estudos neurofisiológicos destes últimos decênios trouxeram uma massa de descobertas sobre os mecanismos do sonho e do sono. O sonho parece sobrevir a fase paradoxal do sono. Ela é chamada assim porque corresponde a fase em que o sono é mais profundo, enquanto a atividade cerebral registrada no eletroencefalograma esta próxima da atividade ao despertar. Além disso, esta fase é acompanhada de movimentos oculares rápidos, como se a pessoa que dorme seguisse uma cena com os olhos, enquanto a via motriz piramidal do movimento voluntário é inibida com paralisia motora total. Se despertarmos a pessoa durante essa fase ela é capaz, na maioria dos casos, de contar um sonho, contrariamente às outras fases do sono (adormecimento, sono leve, sono profundo lento).

     Os estudos experimentais mostraram que a privação eletiva de fases paradoxais, respeitando as outras fases do sono, provocava perturbações importantes durante o despertar: comportamento alucinatório no animal, perturbações da personalidade, mudanças de caráter e queda da eficiência no homem. Além disso, constatamos que a fase paradoxal era necessária para a boa qualidade e a rapidez das aprendizagens no animal. Atualmente muitos autores também pensam que o sonho desempenharia um papel na confrontação das experiências do dia-a-dia com os modelos de comportamento arcaicos e inatos, constituindo de qualquer modo uma reprogramação no vazio e sem perigo por causa da paralisia motora temporária. A maior freqüência das fases paradoxais no rec6m-nascido e seu decréscimo progressivo, ainda que na mulher grávida elas voltem a crescer, defenderiam igualmente uma causa nesse sentido.

     Fato interessante, o terror noturno na criança (pavor nocturnus) durante o qual ela desperta gritando, arrebatada por um temor que não pode controlar, como se continuasse a viver uma cena da qual não poderia se libertar, corresponderia a uma fase do sono profundo, e não a fase paradoxal. Tudo se passa como se a tensão interna excessivamente forte não pudesse esperar a elaboração da fase paradoxal e do sonho para se exprimir e se metabolizar, mas devesse se descarregar brutalmente, gerando uma ruptura violenta do aparelho psíquico e provocando o despertar. O sonho não teria podido desempenhar seu papel protetor. É a mãe, informada pelos gritos, que devera, através de sua ação apaziguadora e tranqüilizadora, fechar a fenda assim aberta e possibilitar que a criança adormeça novamente. Se a criança não chega a ser tranqüilizada, podemos ver, nas semanas que se seguem, sua vida psíquica consciente invadida pelo medo e os tragos deixados pelo pesadelo que vão ter por efeito constranger seu funcionamento mental e entravar seu desenvolvimento.

     Os resultados dos métodos de estudo psicanalítico e neurofisiológico de uma mesma realidade - o sonho -, não saberiam sem abuso ser assimilados uns pelos outros. Entretanto, parece bem se desencadear um consenso sobre o importante papel representado pelo sonho na vida psíquica:

     - papel de controle e de elaboração das tensões internas;

     - papel de assimilação das experiências novas e sua integração as experiência e modelos de comportamentos antigos.

     Nisso, vemos que o sonho é inteiramente comparável a função do aparelho psíquico e da vida mental em seu conjunto. E realmente o que confirma a experiência psicoterapêutica, que mostra que a capacidade de sonhar e de exprimir seus sonhos segue o curso da evolução da relação psicoterapêutica e reflete a capacidade do Ego em se libertar dos conflitos, em se abrir na relação e em utilizar as possibilidades que oferece o acesso ao mundo fantasioso e as suas modalidades.

     Alguns autores (A. Branconnier) compararam os efeitos nocivos sobre a criança da ruptura de seu aparelho psíquico pelo terror noturno, a alguns efeitos das drogas psicodélicas. Tanto quanto o Ego ainda imaturo da criança pode ser extravasado e não pode mais reprimir durante a vida consciente os efeitos traumáticos da experiência angustiante, o Ego frágil do drogado pode ser submergido pelos efeitos desorganizadores da "bad trip". Podemos então observar, nos meses seguintes, o ressurgimento dos medos, das angústias e das alucinações que acompanharam a ingestão da droga e que progressivamente parasitam a vida consciente do paciente, independente de toda nova ingestão da droga.

     d) A formação do sintoma pode ser uma das modalidades do retorno do recalque.


     SIGNIFICAÇÃO DO SINTOMA EM PSICOPATOLOGIA

     Definiçao

     Como em toda semiologia (ciência dos signos) o sintoma, para tornar-se signo aos olhos do observador, deve passar por uma interpretação. E essa atividade interpretativa que tornara possível ao sintoma adquirir sentido, lhe remetendo a uma realidade inteligível constituída por um conjunto de signos e seus elos de associação ou de exclusão recíprocos.
     A atividade semiológica se desenvolve então em dois momentos: a observação dos sintomas e sua ligação a uma realidade que poderíamos dizer secundária na medida em que ela não é manifesta imediatamente, e que é a da semiologia. Há, de fato, interpenetração entre os dois momentos, porque na medida em que conhecemos a semiologia é que observamos sintomas, que sem isso passariam despercebidos. Do mesmo modo que a presença de alguns sintomas, o fato de sua associação habitual a outros signos na semiologia conduzira o observador a pesquisar ativamente outros sintomas, atualmente despercebidos, mas que ele imagina encontrar.

     Será do mesmo modo para os sintomas psicopatológicos que, além de sua manifestação aparente, necessitam de sua ligação com um conjunto de condutas comportamentais ou fantasiosas que lhe conferirão seu sentido e sua carência no centro da personalidade.

     Vimos que o sintoma era uma das vias possíveis de retorno do recalque, expressão mais ou menos dissimulada e deformada do inconsciente. Como todas as manifestações exprimindo um retorno do recalque, o sintoma representa com efeito uma formação de compromisso entre a satisfação do desejo inconsciente e as proibições e conflitos que se opõem à sua expressão livre. Assim como o sonho, o desejo só poderia aí figurar dissimulando e tendo sofrido deformações que o tornam mais ou menos irreconhecível.

     O sintoma levará a marca da cisão conflitual entre as forças contrárias que esta na origem de seu nascimento. Ele refletirá, nas suas modalidades de expressão, o peso das forças inconscientes buscando se exprimir e atravessar os obstáculos que ali se opõem. Encontraremos em seu nível as características habituais das manifestações do inconsciente:

     - a irracionalidade,

     - a repetição.

O que definirá o sintoma psicopatológico será então seu caráter forcado, imposto ao eu, incoercível, repetitivo, estereotipado, provocando um sofrimento mais ou menos grande do paciente. Este se achara então dividido entre uma pane dele que sofre e queria se desembaraçar do sintoma e a outra parte que se exprime através do sintoma.

     
O sintoma psicopatológico com efeito só se desencadeia e se mantém considerando a satisfação que ele proporciona ao paciente. Sua existência se dá conforme o princípio de prazer e tende a obter um benefício econômico por uma diminuição da tensão. Este beneficio é demonstrado pela resistência do paciente a cura, que leva ao fracasso o desejo consciente de curar-se. Trata-se do beneficio primário da doença que testemunha:

     - da satisfação da pulsão inconsciente que permite o sintoma;

     - da conservação do elo com os primeiros objetos aos quais a pulsão inconsciente estava primitivamente ligado. O sintoma é a garantia e a testemunha do inconsciente, em virtude de esses primeiros objetos permanecerem sempre vivos e ele não os perder;

     - do prazer causado pela descarga tensional e pelo atenuamento do conflito autorizado pelo sintoma.

     A este benefício primário se acrescenta um benefício secundário ligado aos ganhos diversos que o indivíduo pode extrair secundariamente da exploração de sua doença.

     Também o sintoma corre o risco rapidamente de ser investido narcisicamente pelo paciente, de fazer parte dele e de se tornar seu modo de comunicação com o meio, substituto daquele que crê não poder encontrar na realidade exterior. Compreendemos, nessas condições, que atingir brutalmente o sintoma pode provocar um afluxo de angústia.

     Se não agirmos suficientemente rápido, o indivíduo se instala na doença e "...o ego se comporta como se fosse guiado por essa idéia de que o sintoma esta lá de hoje em diante, e não saberia ser eliminado: s6 deve funcionar sob esta circunstância e extrair a maior vantagem possível." (FREUD, "Inhibition, symptôme et angoisse").

     O sintoma e, mais ainda, as perturbações do comportamento e a patologia do agir são com efeito uma forma de autoterapia e uma modalidade de defesa e de proteção de que o paciente se arma face ao que ele viveu como uma agressão e um traumatismo transbordando as capacidades habituais de organização de seu aparelho psíquico. Eles se tornam sua "coisa", sua criação, que lhe possibilitam ao mesmo tempo se afinar e se diferenciar face à sua angústia e sua expectativa com relação aos outros e de manter um elo com as mágoas do passado que criaram as condições de sua emergência. Os sintomas que se impõem igualmente ao meio social e o conduzem ao fracasso lhe dão uma possibilidade de marcar sua diferença conservando elos de dependência e de reivindicação com os objetos insatisfatórios do passado. Abandona-los é freqüentemente difícil porque é se encontrar desapossado, se a angústia subjacente não se atenuou, e é renunciar aos pedidos de observação que dizem respeito ao passado.
Pelo seu caráter de compromisso, o sintoma, quaisquer que sejam as queixas do paciente, representa então uma certa solução as suas dificuldades, que geralmente o leva a um impasse e o aliena, mas que evita a conscientização de um conflito.

     Momentos e condições de aparecimento do sintoma


     As perturbações psicopatológicas têm suas raízes na formação da personalidade e, então, na infância do paciente. Entretanto, mais freqüentemente, elas só se manifestam francamente no momento do final da adolescência ou um pouco além. Por que essa ruptura?

     Podemos compreendê-la se admitirmos a necessidade em provocar uma perturbação psicopatológica da conjunção de uma história, de uma estrutura da personalidade tal como ela se organizou e paralisou durante a história e de fatores conjunturais vindos da realidade exterior. A variação da importância respectiva desses fatores é infinita. É certamente com efeito que podemos ver todos os intermediários entre as perturbações que aparecem desde a primeira infância e aquelas que necessitam, para se revelar, do surgimento de traumatismos internos cada vez mais importantes. No limite, todo indivíduo colocado em condições suficientemente traumatizantes é capaz de manifestar sintomas psicopatológicos, por exemplo, sob o efeito do medo, da tortura, de drogas, de privações sensoriais por isolamento prolongado... Na maior pane dos casos serão algumas situações privilegiadas, em conseqüência de suas significações afetivas e simbólicas, o ponto do aparecimento de perturbações:

     - adolescência, em razão da necessidade de assumir uma identidade sexuada e de acabar o processo de individuação e de separação do meio familiar;

     - casamentos, ou o estabelecimento de relações amorosas, paternidade ou maternidade;

     - perda de pessoas amadas ou de ideais, fracassos.
     Saúde psíquica e organização psicopatológica

     Todos esses fatores de ruptura do equilíbrio de um paciente vão levar este último as organizações internas para tentar constituir um novo equilíbrio utilizando, em particular, os mecanismos de defesa que ele terá, elaborado durante o seu desenvolvimento, aos quais virão acrescentar-se os sintomas e as perturbações das condutas. E a medida onde o novo sistema defensivo se caracterizará por sua rigidez, seu caráter repetitivo, sua estabilidade que poderemos caracterizar como organização psicopatológica. Ele se diferenciara do nível de organização anterior por uma menor flexibilidade, pelo estreitamento do campo de interesses, pela queda das capacidades de aquisição e pelo retorno a essas posições mais regressivas. O psicanalista e etnólogo Georges Devereux qualifica assim de "diferenciação por empobrecimento" o processo conduzindo às organizações patológicas.

     Por oposição a esse caráter forçado, rígido, repetitivo das condutas patológicas, a saúde psíquica se caracteriza pelo seu dinamismo e pela possibilidade de:

     - trocas entre o indivíduo e os outros, o mundo exterior em geral;

     - trocas entre o real presente do indivíduo e seu passado: possibilidade de se lembrar;

     - trocas entre os diferentes componentes de seu aparelho psíquico: entre o inconsciente e o consciente, o Ego e o Id, o Superego e o Ego, utilização alternativa e provisória de diferentes mecanismos de defesa.

     Este bom funcionamento se refletirá na capacidade de associação do paciente, quer dizer, de estabelecer vínculos e, então, de dar um sentido ao que ele vive em ligação com o que ele é de fato.