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segunda-feira, 9 de abril de 2012

Artigos: Deuses e Mitos Gregos


Para muitos povos, a religião, através dos valores transmitidos por suas crenças e das práticas que realizam em seus rituais, organiza a vida da sociedade. E assim era entre os gregos.
Na nossa sociedade, uma mesma religião muitas vezes não atinge um povo inteiro, mas somente parte dele. Assim, num mesmo país é possível haver várias comunidades religiosas distintas, cada uma com seu sistema de crenças e ritos. Na cidade de São Paulo, por exemplo, podemos encontrar católicos, protestantes de orientações diversas, testemunhas-de-jeová, umbandistas, espíritas, etc. Todas essas comunidades freqüentemente fazem parte de uma rede maior, muitas vezes com uma sede central em algum lugar específico. Por exemplo, os católicos romanos de todas as cidades onde eles existem constituem uma comunidade mundial com sede em Roma.
Na Grécia Antiga, as várias cidades-estados eram parte de uma mesma comunidade religiosa: tinham as mesmas crenças e rituais, tanto que se faziam representar num santuário comum, Delfos, e se uniam para rituais, como, por exemplo, os que aconteciam nas festas pan-helênicas, como as Olimpíadas.
A religião, em todos os seus aspectos, diz respeito ao universo sagrado, ou seja, aquele que ultrapassa os poderes e as virtudes humanas, que as transcende e que contém verdades absolutas. O conteúdo desse universo sagrado são as divindades e seus poderes, os mitos e lendas. Para que o universo profano (não sagrado) entre em contato com o sagrado é preciso realizar uma série de ações significativas, os rituais, praticados segundo o conhecimento da tradição religiosa, transmitido por pessoas que tiveram a incumbência de guardá-lo e ensiná-lo às gerações seguintes.
Entre os gregos, a tradição religiosa era transmitida oralmente por poetas como Homero e Hesíodo, que viveram entre os séculos IX a.C. e VIII a.C., inspirados por divindades ligadas à música e à poesia, as Musas. Seus relatos foram retomados por dramaturgos dos séculos V a.C. e IV a.C.
As divindades
A religião cristã crê em um único deus, sendo considerada monoteísta, mas apesar disso mantém um conjunto de cultos independentes e ao mesmo tempo interligados, que dão conta dos vários aspectos da vida humana, através das devoções e rituais ligados aos muitos santos.
Entre os gregos, a religião era politeísta, ou seja, eram vários os deuses em que acreditavam e que davam origem a diversas crenças, cultos e práticas religiosas.
Os fenômenos da natureza, entre os gregos, às vezes eram divindades, como a Noite, outras vezes estavam estreitamente ligados aos deuses. O relâmpago, por exemplo, era resultado da ação de Zeus, e por isso os lugares atingidos pelos raios eram considerados sagrados, diferenciados dos outros lugares em que não havia manifestação dos deuses, os lugares comuns, ou profanos. Os gregos acreditavam que a água causava os tremores de terra e, como tudo o que se relacionava à água era relativo a Posêidon, então o deus do mar era chamado sacudidos de terra.
As almas dos antepassados também eram cultuadas pelas famílias, através de uma série de rituais que ficavam a cargo das mulheres.
Havia ainda os seres imortais, com poderes extraordinários e considerados deuses; alguns eram originários de tradições de outros povos. Deméter, por exemplo, deusa da terra, se assemelhava às antigas deusas da fertilidade, comuns no período Neolítico; Afrodite, deusa do amor, seria uma deusa da tradição mesopotâmica, Astarté; Dioniso e Hefesto teriam vindo do Oriente, da Índia.
Acreditava-se que esses deuses habitavam o monte Olimpo, na Tessália, embora algumas versões localizassem sua morada no céu. São doze os principais: Zeus, deus do trovão, o mais poderoso dos deuses, o que voa; Hera, sua esposa; Posêidon, deus dos mares, o que treme a terra; Deméter, deusa da fertilidade da terra; Apolo, deus da música; Atena, deusa da sabedoria; Afrodite, deusa do amor; Hefesto, deus do fogo e da metalurgia; Ares, deus da guerra; Hermes, o deus mensageiro; Ártemis, deusa caçadora; Héstia, deusa dos lares. Havia outros deuses tão importantes quanto esses, e que às vezes figuravam entre os doze deuses do Olimpo: Plutão ou Hades, senhor do reino dos mortos, e Dioniso, deus do vinho, da euforia, ou ainda Hebe, deusa da juventude.
Os mitos
Atualmente, a compreensão do valor dos deuses gregos é possível através dos relatos contidos nos mitos, que são narrações de verdades essenciais para a compreensão da natureza, do universo, do ser humano e da sociedade. Ao conjunto de mitos dá-se o nome de mitologia, que constitui a memória de uma soma de valores e de uma espécie de conhecimento.
O mito da origem do mundo
A narrativa da origem do mundo, segundo os gregos, a partir da versão de Hesíodo, no poema Teogonia (isto é, "nascimento dos deuses"), é o texto que transcrevemos.
Primeiro nasceu Caos, a existência indistinta; depois nasceram a Terra (Gaia) e Eros. [...] Caos gerou a Noite, que gerou o Dia. A Terra gerou o Céu (Urano), as Montanhas e o Mar; uniu-se ao Céu (Urano) e gerou os Titãs, Réia, Têmis, Memória, os Ciclopes, fabricantes do raio, os Gigantes, de cinqüenta cabeças e cem braços, e Cronos, o tempo.
[...] Guiados por Eros, os deuses se reproduzem: há os filhos da Noite, entre os quais estão a Morte, o Sono, os Sonhos e as Parcas, divindades do destino, de cujos desígnios nem os deuses escapavam, que eram três: Fiandeira, Distribuidora e Inflexível; e a linhagem do Mar. Nereu e as várias Nereidas, suas filhas, Espanto, Ceto, entre vários outros.[...]
O Céu (Urano) detestava os filhos, e escondia-os na Terra; até que ela, atulhada, criou uma foice e deu-a a seus filhos, para que castrassem o pai. Todos ficaram com medo, mas Cronos aceitou a missão, e, ao entardecer, quando o Céu se deitava junto com a Terra, a cumpriu. [...] A partir daí começa o domínio da segunda geração de deuses, encabeçados por Cronos. Cronos sabia que ia ter um destino semelhante ao do seu pai, ser destronado por um de seus filhos; então os engolia à medida que iam nascendo do ventre de Réia. Foi assim com Hera, Deméter, Héstia, Hades e Posêidon; quando Zeus nasceu, Réia deu uma pedra para Cronos engolir e escondeu o filho, que cresceu e cumpriu o destino de destronar o pai. Como ele fez isso não é dito, mas fez Cronos vomitar seus irmãos. Depois disso, aliado aos outros deuses e aos Gigantes, derrotou os Titãs numa guerra terrível, na qual os deuses se aliaram aos Gigantes, filhos da Terra.
O domínio de Zeus marca a terceira geração de deuses. Ele repartiu o mundo com seus irmãos. Posêidon ficou com os mares, Hades com o mundo subterrâneo, e a ele próprio coube o céu. Essa geração também teve muitos filhos. De Zeus e Deméter nasceu Perséfone: de sua união com Memória nasceram as Musas; com Leto, Apolo e Ártemis; com Hera, Ares, Hebe e Ílitia; com Maia, Hermes; com Sêmele, Dioniso. Mas a primeira esposa de Zeus, Métis, a astúcia, foi engolida por ele, porque estava destinada a dar à luz dois filhos: um era Atena, e o outro seria aquele que destronaria seu pai. Zeus engoliu Métis e ficou astucioso, e gerou Palas Atena, que nasceu de sua cabeça.
(Hesíodo, Teogonia)
Assim como a do mundo, a origem do homem é relatada por inúmeros mitos que falam de seus antepassados: em algumas regiões eram considerados filhos da Terra, em outras eram formigas transformadas, ou seres feitos a partir do barro ou da areia.
Num fragmento atribuído a Hesíodo, encontra-se uma história sobre a origem dos habitantes da ilha de Egina, segundo a qual a deusa Egina teve um filho com Zeus, Éaco, que ficou inteiramente só na ilha. Ao tornar-se adulto, a solidão o aborrecia. Para acabar com essa solidão, Zeus converteu as formigas da ilha em homens e mulheres, concedendo a Éaco um povo chamado urirmidões.
Havia também mitos sobre relações entre pais e filhos. Um exemplo é o mito de Édipo, que foi tratado pelo dramaturgo Sófocles na tragédia Édipo-Rei.
É dipo era filho do rei de Tebas, Laio, e sem saber matou seu próprio pai, casando-se com sua mãe, Jocasta, que ele não conhecia. Tudo isso aconteceu porque quando Édipo nasceu seus pais foram informados de uma profecia que relatava seu destino. Para evitá-lo, ordenaram a um criado que matasse o menino. Porém, penalizado com a sorte de Édipo, ele o entregou a um casal de camponeses que morava longe de Tebas para que o criassem. Édipo soube da profecia quando se tornou adulto. Saiu então da casa de seus pais adotivos para evitar a tragédia, ignorando que aqueles não eram seus legítimos genitores. Eis que, perambulando pelos caminhos da Grécia, encontrou-se com Laio e seu séquito, que, insolentemente, ordenou que saísse da estrada. Édipo reagiu e matou os integrantes do grupo, sem saber que estava matando seu verdadeiro pai.
Continuou a viagem até chegar a Tebas, dominada por uma Esfinge, que devorava as pessoas que não decifrassem seu enigma: “Qual o animal que anda com quatro patas ao amanhecer, duas ao meio dia e três ao entardecer?”. Édipo decifrou o enigma, respondendo: o homem. A Esfinge morreu, Édipo tornou-se herói de Tebas e casou-se com a rainha, Jocasta, a mãe que desconhecia.
Esse mito grego foi relido pelo psicanalista austríaco Freud, que nele encontrou pistas para elaborar suas idéias acerca da relação dos filhos com o genitor do sexo oposto.
Assim como são vários os mitos sobre a relação entre os homens, também são muitos os que dizem respeito à relação entre os deuses e os homens. Um deles, por exemplo, é o de Prometeu, outro é o de Pandora.
Prometeu era um titã, portanto, descendente de Urano, como Cronos, e derrotado por Zeus, conforme a história de Hesíodo. Titãs, segundo o mesmo Hesíodo, seriam “aqueles que por presunção teriam tentado realizar uma grande obra porém foram punidos”. Essa grande obra foi partilhar a audácia do plano divino com os homens. O que aconteceu da seguinte maneira:
O titã Jápeto, irmão de Cronos, tinha dois filhos que se tornaram o elo entre os deuses e os humanos: Prometeu (que quer dizer “o astuto”) e Epimeteu (que quer dizer “o que só aprende depois do erro”). Segundo Platão, depois que os deuses fizeram as criaturas com uma mistura de terra e fogo, deram aos irmãos Prometeu e Epimeteu a incumbência de dar a cada uma delas a capacidade que lhe fosse mais adequada. Para essa tarefa eles tinham um certo prazo, ao fim do qual as criaturas sairiam das trevas do centro da terra para a luz. Eles combinaram que Epimeteu faria o serviço e Prometeu o verificaria. E assim foi feito. Epimeteu distribuiu força, alimentos, velocidade, proteção a todos, de tal forma que as criaturas pudessem sobreviver; no entanto, deixou o homem nu, sem nenhum atributo que o protegesse. Quando Prometeu foi verificar o trabalho de seu irmão, percebeu perplexo a situação do homem. Resolveu roubar as artes de Hefesto e Atena - a metalurgia e a tecelagem - e o fogo, que deram ao homem a sabedoria e as condições para enfrentar os problemas da vida cotidiana. Por isso os homens têm uma maior proximidade com os deuses do que as outras criaturas. Mas também por isso Prometeu foi castigado.
Ficou acorrentado por trinta mil anos no pico mais alto do Cáucaso, tendo o fígado picado por um pássaro, até que Hércules, o semideus filho de Zeus, o libertou. Segundo alguns, sua libertação deveu-se ao fato de Zeus querer tornar seu filho famoso, porém outros interpretam-na como recompensa por Prometeu ter guardado o segredo da deposição de Zeus.
Segundo as várias versões da história de Prometeu, sua libertação exigiu que ele deixasse um outro imortal sofrendo em seu lugar. Quem tomou para si o sofrimento de Prometeu foi o centauro Quíron, que fora ferido acidentalmente por Hércules. Quíron passou a ser identificado com a invenção da arte de curar.
O mito da criação da mulher
A primeira mulher surgiu como uma represália de Zeus contra o roubo do fogo por Prometeu, segundo o relato de Hesíodo:
Filho de Jápeto, sobre todos hábil em tuas tramas,/apraz-te furtar o fogo fraudando-me as entranhas;/grande praga para ti e para os homens vindouros!/Para esses em lugar do fogo eu darei um mal e/todos se alegrarão no ânimo, mimando muito este mal.
Disse assim e gargalhou o pai dos homens e dos deuses;/ ordenou então ao ínclito Hefesto muito velozmente/terra à água misturar e aí pôr humana voz e/força, e assemelhar de rosto às deusas imortais/esta bela e deleitável forma de virgem; e a Atena/ensinar os trabalhos [...]/ em seu peito, Hermes Mensageiro[...]/mentiras, sedutoras palavras e dissimulada conduta/forjou, por desígnios de Zeus. [...] E a esta mulher chamou /Pandora porque todos os que têm olímpica morada/deram-lhe um dom, um mal aos homens que comem pão.
(Hesíodo, Os trabalhos e os dias.)
Essa mulher foi dada de presente ao irmão de Prometeu, Epimeteu (o que vê depois), e trouxe consigo, em uma caixa (em algumas versões, num jarro), todos os dons maléficos que os deuses lhe deram. Proibiu-lhe abri-Ia, mas ele, cada vez mais curioso, não agüentou e, vendo-se sozinho, abriu-a. De dentro saíram as doenças, as infelicidades, todos os males que os homens não conheciam até então. Desde esse dia os homens passaram a sofrer, e os longos e despreocupados festins que tinham com os deuses nunca mais aconteceram.
As mudanças da humanidade do ponto de crista da mitologia
As sociedades antigas imaginavam que ao longo do tempo as formas de vida da humanidade, sempre ligadas aos deuses, sofriam transformações. Dividiam, assim, o tempo em épocas que em geral demonstravam uma degradação nas condições de vida. E muito freqüente encontrarmos quatro épocas entre os gregos. Porém, segundo o que nos conta Hesíodo, até enquanto viveu, houve cinco épocas ou raças. A raça de ouro, a raça de prata, a raça de bronze, a raça dos heróis e a raça de ferro.
A raça de ouro não tinha nenhum problema característico da humanidade: dor, sofrimento, tristeza e penúria. Terminou porque não temia os deuses, e por isso foi destruída.
A raça de prata era uma raça inferior, que vivia na infância por longo tempo e quando chegava à adolescência sofria muito, por insensatez e por excesso. Nada a continha, nem o respeito aos deuses. Por isso, Zeus a escondeu sob a Terra para que não o desonrasse.
A raça de bronze era terrível e forte como o bronze, e matou-se a si mesma.
A raça dos heróis:
[...] raça divina de homens e heróis e são chamados semideuses, geração anterior à nossa na terra sem fim. A estes a guerra má e o grito temível da tribo a uns [...] fizeram perecer pelos rebanhos de Édipo combatendo, e a outros, embarcados para além do grande mar abissal, a Tróia lavaram por causa de Helena de belos cabelos, ali certamente remate de morte os envolveu todos e longe dos humanos, dando-lhes sustento e morada Zeus Cronida Pai nos confins da terra os confinou.[...]
A raça de ferro:
Antes não estivesse eu entre os homens da quinta raça, mais cedo tivesse morrido ou nascido depois. Pois agora é a raça de ferro e nunca durante o dia cessarão de labutar e penar e, nem à noite de se destruir; e árduas angústias os deuses lhes darão. Entretanto a esses males bens estarão misturados. Também esta raça de homens mortais Zeus destruirá, no momento em que nascerem com têmporas encanecidas. [...] vão desonrar os pais tão logo estes envelheçam e vão censurá-los, com palavras duras insultando-os; cruéis; sem conhecer o olhar dos deuses e sem poder retribuir aos velhos pais os alimentos; [...] a todos os homens miseráveis a inveja acompanhará, ela, malsonante, malevolente, maliciosa ao olhar. Então, ao Olimpo, da terra de amplos caminhos, com os belos corpos envoltos em alvos véus, à tribo dos imortais irão, abandonando os homens, Respeito e Retribuição; e tristes pesares vão deixar aos homens mortais. Contra o mal força não haverá!
(Hesíodo, Os trabalhos e os dias.)
Quanto à vida depois da morte, os gregos acreditavam que a morada dos mortos era o Hades, domínio do irmão de Zeus, Plutão. Localizava-se nos subterrâneos, rodeado de rios, que só poderiam ser atravessados pelos mortos. Os mortos conservavam a forma humana, mas não tinham corpo, não se podia tocá-los. O Hades tinha uma espécie de cão de guarda, o terrível Cérbero de três cabeças. Os mortos vagavam pelo Hades, mas também apareciam no local do sepultamento. Havia rituais cuidadosos nos enterros, e os mortos eram cultuados, principalmente pelas famílias em suas casas.
Também havia a ilha dos bem-aventurados, um local de eterno prazer, reservado aos heróis, que eram criaturas especiais, às vezes humanos consagrados por atos de extrema bravura; outras vezes semideuses, filhos de deuses e humanos, que também tinham realizado grandes feitos.
Cultos ou rituais
As divindades gregas, como as de todas as religiões, são consideradas seres dotados de consciência como o homem, porém com poderes superiores aos humanos. Uma vez que as divindades são seres conscientes, os homens pretendem relacionar-se com tal poder superior atingindo suas consciências da mesma forma como fazem entre si: através de laços afetivos e de trocas, que se realizam por sacrifícios, preces, oferendas e por sistemas de consultas, - os oráculos -, que muitas vezes são realizadas nos templos.
Os sacrifícios
Os sacrifícios eram uma forma de repetir os banquetes dos deuses com os homens, quando ambos partilhavam da vítima do sacrifício, seguindo um ritual no qual um animal doméstico era conduzido em procissão, ao som de flautas, até o altar exterior do templo; os participantes e o animal eram ornados com coroas de flores. A solenidade acontecia no exterior do templo, e poucos podiam nele entrar, pois era a casa do deus. Acreditavam que o deus efetivamente morava ali, senão sempre, pelo menos de vez em quando.
No altar, o animal era morto, depois aberto para que os sacerdotes lessem nas suas entranhas, especialmente no fígado, uma mensagem que mostrasse a disposição dos deuses. Se ela fosse favorável, os ossos do animal, envoltos em gordura, eram postos no fogo, junto com ervas aromáticas, e a fumaça subia aos deuses. Certas carnes eram assadas no mesmo fogo do altar e comidas pelos participantes; o restante da carne do animal era cozido e dividido em partes iguais para ser consumido dentro ou fora do templo, por alguns ou por todos os participantes da cerimônia. Alguns pedaços eram reservados ao sacerdote que presidia a cerimônia. Qualquer cidadão podia exercer essa função.
O ritual em geral era esse que foi descrito, mas havia variações. Em algumas ocasiões eram oferecidos frutos e cereais, sem que houvesse carne ou sangue na cerimônia. Outros sacrifícios exigiam a queima total da vítima; eram chamados holocaustos, e geralmente serviam para aplacar a cólera de divindades terríveis, como Deméter ou Hades. Essas variações no rito aconteciam conforme o tempo e o lugar.
Os oráculos
Entre os gregos havia templos dedicados aos vários deuses, e em alguns deles existiam oráculos, sistemas de interpretação da sabedoria dos deuses, que se comunicavam com os homens que vinham pedir conselhos ou saber do futuro. Muitas vezes a consulta não era pessoal, envolvia uma cidade inteira, sobretudo em épocas de guerra ou de peste.
As maneiras de os deuses responderem às perguntas variavam. Por exemplo, em Delfos, no oráculo de Apolo, o deus respondia pela boca de uma sacerdotisa, a Pítia ou Pitonisa, que entrava em transe e incorporava o deus, mais ou menos como os filhos-de-santo nos terreiros de umbanda e candomblé. Em outros templos, o homem podia ocupar a função de intermediário entre os homens e os deuses. Um exemplo disso era o que ocorria no oráculo de Zeus, em Dodona, onde sacerdotes interpretavam o balançar das folhas dos carvalhos sagrados como a fala do deus.
A consulta ao oráculo era uma ocasião solene, como uma visita ao próprio deus, e exigia vários rituais, como podemos ler neste relato de Pausânias, que descreveu, em suas viagens pela Grécia, como era o oráculo de Trofônio, uma divindade local absorvida por Zeus.
O que acontece no oráculo é o seguinte: quando uma pessoa está decidida a descer ao oráculo de Trofônio, deve se alojar num certo lugar por alguns dias. Nesse tempo, entre outras regras para a purificação, se abstém de banhos quentes, banhando-se apenas no rio Hercyna. Deve sacrificar a Trofônio, a Apolo, a Cronos, a Zeus rei, a Hera do carro e a Deméter Europa. Nos sacrifícios um adivinho está presente, e olha nas entranhas da vítima para ver se Trofônio vai receber a pessoa que desce. A melhor vítima para revelar a disposição de Trofônio é uma ovelha, sacrificada por aquele que procura o oráculo na noite em que desce, invocando Agamedes, parceiro de Trofônio. Se as entranhas da ovelha indicarem, ele pode ir.
Primeiro ele é levado ao rio Hercyna por dois meninos de treze anos, que o banham. Depois é levado por sacerdotes até algumas fontes, das quais ele deve beber a água do esquecimento e da memória, para se livrar de seus pensamentos e para se lembrar do que acontecer durante sua descida ao oráculo. Há uma imagem que só é mostrada aos que vão visitar o deus, que é então reverenciada. Daí se pode entrar no oráculo, que fica numa caverna na montanha, na qual se entra por uma escada. Lá dentro, o suplicante encontra um buraco, no qual deve entrar passando primeiro os pés. Depois que seus joelhos passam ele é puxado como que por um fio. Lá dentro fica sabendo do futuro, ouvindo ou vendo, conforme o caso. Quando volta, é levado pela mão dos sacerdotes até a cadeira da memória, onde conta tudo aquilo que soube pelo oráculo. Depois é levado ao alojamento, paralisado pelo terror. Gradualmente vai melhorando, e recupera a faculdade de rir. [...] O que eu conto não é de ouvir dizer; eu mesmo consultei o oráculo de Trofônio.
(Pausânias.)
Além dos oráculos, os gregos acreditavam em presságios, sinais significativos que eram interpretados como um aviso dos deuses, como o vôo das aves, que em certas ocasiões eram identificados como bons ou maus. Na Guerra de Tróia, por exemplo, os troianos foram intimidados por uma águia que voava com uma serpente nas suas garras, ensangüentada, ainda viva, que picou a ave perto do pescoço, e eles acreditaram que era um presságio de Zeus.
Os mistérios
Os mistérios eram celebrações secretas e tinham o objetivo de proporcionar ao iniciado uma vida melhor, após a morte. Os mais famosos eram realizados em Elêusis, perto de Atenas, e eram consagrados a Deméter, mas também havia mistérios consagrados a Mitra e a Ísis (divindades estrangeiras) e a Dioniso. Como era proibido ao iniciado revelar suas experiências nesses rituais, muito se imagina sobre eles, mas pouco se sabe, pois as descrições só fazem alusões e não descrevem exatamente como eram os rituais.
Pausânias narra um culto de mistério:
[...] À direita, saindo do templo, há um espelho na parede. Quem olha nele não se vê, ou vê uma imagem muito pequena, enquanto que os deuses (as estátuas do templo) podem ser vistos claramente. Mais à frente é o lugar onde os arcádicos celebram os mistérios, e sacrificam à Amante muitas vítimas. Mas eles não cortam a garganta das vítimas, como nos outros sacrifícios; cada um corta um membro da vítima, ao acaso. A essa Amante os arcádios cultuam mais do que a qualquer outro deus, e dizem que é filha de Deméter e Posêidon. Amante é o seu apelido, assim como Virgem é apelido da filha de Deméter e Zeus. Mas, enquanto se sabe que o nome da Virgem é Perséfone, o nome da Amante eu temo revelar para os não iniciados. Mais além, há o santuário da Amante, cercado por um muro de pedra; dentro crescem, de uma só raiz, um carvalho e uma oliveira sempre verdes. Há também um altar a Posêidon cavalo, e aos outros deuses também. No último deles há uma inscrição que diz que aquele é um altar comum a todos os deuses. (Pausânias)
O convívio de deuses e homens na vida da cidade
As festas
As festas eram sempre ocasiões de relação com os deuses. As Panatenéias, festas em homenagem a Atena, realizadas todos os anos, começavam com uma procissão que partia do bairro dos ceramistas (o Cerâmico) e atravessava o centro de Atenas para levar solenemente à Acrópole o peplo (manto), bordado todos os anos por jovens previamente escolhidas. Ele se destinava a vestir a estátua do culto de Atena. Os sacerdotes e todos os grupos sociais da cidade, incluindo os representantes dos metecos, formavam um longo cortejo cuidadosamente ordenado e acompanhado por efebos a cavalo. Chegando à Acrópole, sacrificavam quatro bois e quatro carneiros, diante do velho templo de Atena; depois, tantas vacas quantas fossem necessárias para alimentar toda a gente da cidade.
Havia, ainda, festas em honra de Apolo, as Pianépsias, ou festas das sementeiras, quando se ofereciam ao deus um prato de favas e vários outros legumes, misturados com farinha de trigo. Depois levavam em procissão um ramo de oliveira envolvido em lã e carregado de frutos da primeira safra, o que consideravam um talismã de fertilidade.
Nessas festas de significado estritamente religioso, havia concursos que possibilitavam o exercício da excelência, o que os gregos chamavam de areté, em várias atividades: atlética, lírica, musical, dramática (tragédia ou comédia). Até a beleza física era motivo de competição nos concursos de beleza, tanto entre mulheres como entre homens. Os prêmios eram simbólicos, do ponto de vista material: a grande recompensa do vitorioso era receber honras de herói. Nas Panatenéias, por exemplo, o prêmio do atleta vencedor da corrida com archotes era o azeite das oliveiras sagradas de Atena, em ânforas chamadas panatenaicas, cuja decoração incluía: de um lado, Atena Promacos (a que combate na primeira fila) de pé, entre duas colunas; e, de outro, a representação do concurso pelo qual o prêmio foi concedido.
Um concurso que só ocorria em festivais era o de teatro, sempre presidido por um sacerdote do culto a Dioniso. Os festivais eram as únicas ocasiões em que havia representações dramáticas, que tinham sempre o intuito de mostrar a conduta humana e refletir sobre ela. Havia três gêneros de espetáculos teatrais: as tragédias, as sátiras e as comédias.
As tragédias apontavam as conseqüências terríveis de um comportamento desmedido, ao qual davam o nome de hybris. As sátiras e as comédias também tinham função educativa, apontando o ridículo da condição humana através de personagens estereotipados e ridículos. Podemos encontrar um exemplo nos personagens de Aristófanes, em As Nuvens, e ainda os dramas satíricos. As tragédias se diferenciavam das comédias e das sátiras não só pelo sentido do texto, mas pelas máscaras e roupas específicas usadas pelos atores, bem como pela linguagem utilizada - enquanto a tragédia exigia uma linguagem elevada, a comédia permitia o uso de palavrões.
Intrigas e paixões dos deuses entre si e pelos homens
Apesar de os deuses terem poderes incríveis - voar pela Grécia, dominar as forças da natureza, a imortalidade -, eles eram muito parecidos com os humanos nas suas emoções: raiva, ciúme, tristeza, amor, desejo, alegria, eram sentimentos compartilhados com os homens. Constantemente se apresentavam aos mortais sob forma humana, por eles se apaixonavam e com eles tinham filhos, gerando os semideuses.
Os deuses, como os homens, eram ambiciosos e intrigantes: muitos templos eram construídos em cada cidade, porém apenas um deus poderia ter o encargo de ser seu patrono. Os deuses podiam ter várias cidades sob sua proteção, o que era motivo de disputa entre eles.
Uma outra ocasião em que exercitavam suas raivas era nas guerras entre os homens, nas quais tomavam partido. Na Guerra de Tróia, por exemplo, quando os gregos chefiados por Agamêmnon foram resgatar Helena, raptada por Páris num ato de traição, alguns deuses apoiaram os gregos e outros apoiaram os troianos.
Todos os deuses estavam reunidos; brindavam com as taças de ouro enquanto contemplavam a cidade dos troianos.
Zeus disse: - Duas deusas protegem Menelau, Hera e Atena. Ao adversário de Menelau (Enéas), Afrodite ajuda; ainda hoje o livrou da morte. Todavia, a vitória cabe a Menelau, amado de Ares. Deliberemos sobre o desfecho desse caso: incitaremos a guerra terrível ou lançaremos a paz sobre os dois povos? Hera, furiosa, disse: - Queres então anular os meus esforços? Faz como entenderdes, mas nem todos nós, os outros deuses, te aprovaremos. [...] Foi então que Palas Atena deu um ardor e audácia ao filho de Tideu, Diomedes [...], e empurrou-o para o meio, para o ponto mais cerrado do tumulto. [...]
Ora, Diomedes perseguia Cípris (Afrodite) com o bronze impiedoso. Sabia que ela era uma deusa sem bravura [...]. Quando a alcançou, feriu-a na mão. Correu então o sangue divino da deusa [...] e ela soltou um grande grito [...].
Diomedes gritou-lhe: - Filha de Zeus, abandona a guerra e o morticínio. Não basta que seduzas mulheres sem valor? Se voltares à guerra, penso que a guerra te fará arrepiar, mesmo que te limites a assistir. [...]
Atena disse: - Filho de Tideu, Diomedes, não temas, nesta ocorrência, nem Ares nem qualquer outro imortal, tão grande é minha ajuda. [...] Quando Ares, flagelo dos humanos, viu Diomedes, foi direto a ele; tentou atingi-lo, mas Atena desviou o golpe; Diomedes tirou sua lança, e Atena reforçou o golpe, atingiu o deus. Ares então gritou como dez mil homens, e subiu para os céus para se lamentar com Zeus, que respondeu: - Não venhas te lamentar. Tenho-te como o mais odioso dos deuses, pois só te comprazes na discórdia.
(Homero, Ilíada.)
Além dos amores e emoções, os deuses tinham outras qualidades humanas; o espaço da mulher, na sociedade da pólis, por exemplo, era o mesmo que o da deusa Héstia, e o dos homens correspondia ao do deus Hermes, como foi visto no capítulo anterior. Da mesma forma, todos os artesãos eram identificados a Hefesto (o deus ferreiro), os navegantes a Posêidon, os guerreiros a Ares, os reis a Zeus, e assim por diante.
Os deuses também tinham uma vida política semelhante à dos homens: as decisões de Zeus eram comunicadas e discutidas em assembléia.
Segundo um relato de Homero, Zeus convocou uma assembléia para comunicar sua decisão sobre a Guerra de Tróia.
Zeus, do alto do Olimpo, ordenou a Têmis que chamasse os deuses à Assembléia. [...] Não faltou sequer um dos rios, sequer uma das ninfas que habitam as florestas e as nascentes dos rios; Aquele que sacode a terra também veio, e perguntou: Por que, ó Fulminante, chamas de novo os deuses à Assembléia? Será por causa dos troianos e dos aqueus? Zeus respondeu: Sim, foi por isso; preocupo-me com esses homens. Vou ficar sentado no Olimpo, e assistir à batalha como a um espetáculo; vão vocês, os outros deuses, ajudar um dos dois partidos, cada um conforme sua idéia [...].
(Homero, Ilíada)

Bibliografia:
" Grécia - A vida cotidiana na cidade-Estado", Teresa Van Acker, Ed. Atual
" As Instituições Gregas", Claude Mossé, Ed. 70, Lisboa
" História", Heródoto, Ed. UNB
Jean-Pierre Vernant - Mito e religião na Grécia Antiga. Ed. Papirus