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sábado, 26 de maio de 2012

Artigos: Correntes Demográficas



A existência de um problema demográfico é quase unanimidade nos dias de hoje. Mas as divergências sobre o sentido dos dados estatísticos, e, sobretudo sobre os caminhos para um equacionamento, são acentuadas. Há três grandes linhas de interpretação: uma, neomalthusiana; outra, que acredita na auto-regulação; e outra, de cunho católico, que conjuga auto-regulação e intervenção sábia do ser humano. Esta última corrente não só apresenta uma originalidade em sua gênese, como também na análise dos fatos e na proposta de soluções. Ao mesmo tempo em que apregoa a necessidade de um planejamento familiar e de uma política demográfica, ela o faz com pressupostos antropológicos e teológicos surpreendentes, conjugando o respeito absoluto à vida em todas as suas formas e a intervenção sábia do ser humano. Para esta última corrente só há solução do problema demográfico se economia e política trilharem outros caminhos, fundados na distribuição mais justa dos recursos da terra e na solidariedade.
 

De acordo com os números da ONU, a Terra já se aproxima dos 6 bilhões de habitantes, provavelmente este habitante de número 6 bilhões nascerá num país pobre, com altas taxas de natalidade. E em 2050 esse número poderá chegar a 9 bilhões e 400 milhões. Por volta do ano 8.000 a.C. (antes de Cristo), calcula-se, por meios estatísticos e científicos, que a população mundial girava em torno de 5 milhões de pessoas.

No ano de 1650 d.C. (depois de Cristo), a população mundial atingia a cifra de 500 milhões. Indicando que a população do planeta dobrava a cada 1500 anos. Passado mais 200 anos, isto é 1850, a população dobrou chegando a 1 bilhão de pessoas. Passaram mais 80 anos, dobrou novamente, em 1930, a população chegava aos 2 bilhões. Em 1975, isto é, 45 anos depois dobrava de novo, chegando a 4 bilhões de pessoas, chegando ao ano 2000 com 6 bilhões de pessoas. É o que se pode chamar de crescimento exponencial, ou explosão demográfica.
Este crescimento populacional dos últimos séculos colocou em evidência Thomas Robert Malthus (1766-1834), economista e sacerdote da igreja anglicana do século XVIII, que ganhou celebridade com a teoria (teoria malthusiana) exposta em "Um Ensaio Sobre o Princípio da População", onde faz uma análise profunda a respeito da explosão demográfica do Planeta, afirmando que jamais teríamos uma sociedade feliz devido à tendência (estatística) de que as populações sempre cresceriam mais que os meios de sua subsistência. Segundo Malthus, a produção de alimentos cresce em progressão aritmética e a população em progressão geométrica, gerando fome e miséria das grandes massas. A natureza corrige essa desproporção por meio das guerras e epidemias, que reduzem a população. Malthus recomenda ao governo antecipar-se à natureza negando assistência social às populações.
Resumo da teoria Malthusiana

Foi estabelecida por Thomas Robert Malthus (1766-1834); estabelece que: a população cresce geometricamente (2, 4, 8, 16, 32, 64, 128,…); a produção de alimentos cresce aritmeticamente (2, 4, 6, 8, 10,...);

Conseqüência: morte por fome;
Solução: só procriam os mais aptos (os mais abastados economicamente), que corresponde à teoria segregacionista (ponto de vista socioeconômico).
No final do século XIX, as teorias Malthusianas começaram a ser esquecidas. O desenvolvimento da tecnologia agrícola aumentou o índice de produção de alimentos, o avanço da medicina, as condições econômicas e sociais dos países foram melhorando e as taxas de natalidade foram caindo. Atualmente, todos os países desenvolvidos apresentam níveis baixos de crescimento vegetativo.
 


O que contribuiu para a explosão demográfica nos países subdesenvolvidos a partir da década de 50?

Até o fim da Segunda Guerra Mundial, os países subdesenvolvidos apresentavam uma dinâmica populacional equilibrada, similar a da Europa antes da Revolução Industrial (século XVIII). As taxas de natalidade eram elevadas (muitos nascimentos), mas as taxas de mortalidade também eram elevadas (muitas mortes), que resultava num crescimento vegetativo moderado (equilibrado). Contudo, a partir de 1950(após a Segunda Guerra Mundial), esses países subdesenvolvidos começaram a ser beneficiados, por novos produtos e procedimentos obtidos nos países desenvolvidos, com novos medicamentos, vacinas, programas de prevenção de doenças, controle de doenças epidêmicas, etc, fato este que colaborou para a redução das taxas de mortalidade, logo resultando no crescimento da população, que em 45 anos "pulou" de 2 bilhões para 4 bilhões.
Surgindo neste período a preocupação com o crescimento populacional, fez surgir uma nova teoria sobre o crescimento populacional. Essa nova teoria defendida principalmente pelos países desenvolvidos ficou conhecida como Teoria Neomalthusiana.
A Teoria Neomalthusiana defendia a implantação de políticas de controle de natalidade nos países subdesenvolvidos a partir da utilização dos diversos métodos anticoncepcionais. Para os neomalthusianos, o crescimento da população provocava o atraso do crescimento econômico.
Os Reformistas

Em oposição aos neomalthusianos surge a Teoria Reformista, que afirmam: não é o crescimento da população que provoca o atraso econômico, e sim o atraso econômico que provoca o crescimento populacional. A situação social precária, a miséria e a má distribuição de renda é que provocariam o atraso econômico.

A única possibilidade de controlar o crescimento populacional seria realizar reformas sociais e econômicas que possibilitassem uma melhor distribuição de recursos e a conseqüente elevação do nível de vida da população. Com melhor nível de vida as populações estariam mais instruídas para o controle da natalidade. Uma família deve, por si própria, decidir o número de filhos de acordo com seus desejos e suas possibilidades financeiras.
A favor da teoria dos reformistas está o fato de que na maioria dos países desenvolvidos não houve a aplicação de nenhuma lei para o controle de natalidade - as taxas diminuíram naturalmente à medida que o padrão econômico e social da população melhorou.
A política demográfica no Brasil

Desde a década de 30 até a década de 60, o governo brasileiro desenvolveu uma política demográfica nitidamente populacionista.

A Constituição de 1934 foi a primeira a explicitar essa política populacionista. Ela atribuía ao Estado a incumbência de socorrer as famílias de prole numerosa[1]. A Constituição de 1937 avançou ainda mais, ao afirmar que "às famílias numerosas serão atribuídas compensações na proporção de seus encargos".
Em 1941, no governo Getúlio Vargas, foi criado um decreto-lei que obrigava as pessoas solteiras ou viúvas, maiores de 25 anos, a pagar um adicional de 1% sobre o imposto de renda devido.
Na Constituição de 1946, o artigo 164 assegurava o amparo às famílias de prole numerosa. Os pais que tivessem mais de 6 filhos tinham direito a um abono especial.
A crescente necessidade de mão-de-obra (numerosa e barata), para sustentar o desenvolvimento industrial, e a preocupação do governo em povoar os vazios demográficos do interior do país (Centro-Oeste e Amazônia) serviram de estímulo permanente à política natalista ou populacionista. Nos anos 60, foram criados o auxílio-natalidade (1960) e o salário-família (1963)[2].
  • Auxílio-natalidade: pagamento de um salário mínimo, aos pais, quando do nascimento de um filho.
  • Salário-família: pagamento mensal de 5% do salário mínimo local, para cada filho, até os 14 anos de idade.
Foi essa política demográfica natalista que, somada à situação de pobreza e ignorância da população e ajudada pela redução das taxas de mortalidade, produziu a maior explosão demográfica do mundo.
Família de prole numerosa: que possui muitos filhos.
Esses dois benefícios continuam em vigor, porém com seus valores originais alterados. No caso, por exemplo, do salário-família: em 1995 quem ganhava até 249,80 reais por mês, recebia 6,66 reais de salário-família por filho; mas quem ganhava mais de 249,80 reais ficava com 83 centavos por filho.



A preocupação com o crescimento populacional não é de hoje. Está presente desde os primórdios da humanidade. Só que, enquanto num passado não muito distante ela se configurava no sentido de se obter uma aceleração, em períodos mais recentes ela aponta exatamente no sentido inverso. Quando Malthus, em 1789, publicou seu conhecido Essay on the Principles of Population já se podia detectar uma fundada inquietação, mas em setores relativamente pequenos da sociedade, e ainda assim menos dramática. A preocupação generalizada e mais aguda, contudo, só se faz presente nos últimos cinqüenta anos. Hoje, a ruptura do equilíbrio natural, conhecido em outras épocas, carrega consigo muitas e graves inquietações para todos. Assim mesmo, porém, esta consciência quase unânime sobre o fato esconde acentuadas divergências. Estas já despontam no próprio diagnóstico; acentuam-se na hora da interpretação; atingem seu ápice no momento em que pedem um equacionamento.


O reconhecimento da existência de um grave problema demográfico vem fundamentado por números e índices inquestionáveis: a população cresce aceleradamente, trazendo em seu bojo inúmeros problemas relacionados com a alimentação, habitação, educação, saúde, ecologia, qualidade de vida, etc. A questão se torna mais angustiante nas grandes concentrações urbanas, principalmente nas denominadas megalópoles, por sinal já bem numerosas: elas se encontram diante de impasses estruturais praticamente insolúveis, mesmo quando situadas em nações desenvolvidas. O problema se torna evidente em termos de regiões e camadas pobres: é nelas que a aceleração se torna inegável e os problemas são detectáveis a olho nu.
Entretanto, um olhar mais cuidadoso faz perceber que o problema não é regionalizado, mas sim que nos encontramos diante de um desafio planetário: vivemos cada vez mais num mundo sem fronteiras, caracterizado por grande mobilidade populacional e pela repercussão imediata sobre todos, mesmo no caso de desafios aparentemente regionais. A globalização é um fato em todos os sentidos, sobretudo no que se refere aos aspectos negativos: tudo hoje é gigantesco para todos.
Se é compreensível a sensibilidade de organismos internacionais, quase sempre originários e sediados no Primeiro Mundo, a assertiva de uma sensibilidade manifesta pelas religiões, mormente a Católica, pode parecer surpreendente. Com freqüência, a Igreja Católica e a concepção ética por ela veiculada parecem andar na contramão: elas pareceriam ignorar o problema demográfico e se oporiam, sistematicamente, a qualquer tipo de planejamento familiar e, mais ainda, a qualquer política demográfica. É o que teria ficado, uma vez mais, claro na recente Conferência Mundial sobre "População e Desenvolvimento", realizada no Cairo. Ao menos à primeira vista, estaríamos diante de uma falta de consciência da gravidade dos problemas demográficos e de uma recusa sistemática na busca de soluções.
Contudo, pelo menos a partir da década de 60, sucessivos documentos oficiais oriundos das mais altas instâncias hierárquicas da Igreja Católica, como a Mater et Magistra, Gaudium et Spes, Populorum Progressio, não deixam margem para dúvidas: por um lado, reconhecem claramente a existência de um problema; por outro, se negam a compartilhar tanto dos diagnósticos quanto dos caminhos de solução normalmente pleiteados. Assim se percebe que as verdadeiras questões éticas se localizam mais na interpretação de dados aparentemente objetivos e, conseqüentemente, nos caminhos tidos como naturais de equacionamento.

Nesta altura ninguém ousaria negar a qualidade científica da demografia. Como qualquer outra ciência, ela merece credibilidade. Contudo, paradoxalmente, os dados científicos geram uma série de questões que vão levar a diagnósticos e a buscas de equacionamento bem diferente.


A demografia é uma ciência humana, e não uma ciência exata. Se é verdade que nem mesmo as ciências denominadas de "exatas" conseguem escapar totalmente das coordenadas ideológicas, isto vale muito mais para as ciências humanas. Elas nunca são totalmente objetivas, seja por passarem, forçosamente, por um sujeito, individual ou social, seja pelo seu próprio objeto, que é o ser humano em suas diversificadas concretizações históricas e culturais. Reconhecidamente, até em países desenvolvidos, a coleta de dados tem sempre implícita uma certa precariedade: quem garante que os entrevistados estejam fornecendo respostas objetivas? A desconfiança de uma significativa parcela da população no que se refere a enquetes é bem conhecida já desde os recenseamentos do Império Romano.
Mas existem ao menos três outros ângulos a serem considerados e que relativizam a objetividade de dados demográficos: as inerentes projeções para o futuro, a diversidade de situações e a hermenêutica dos eventuais fatos. No que se refere a projeções, elas só podem contar com as constantes, enquanto a realidade humana se caracteriza por uma série de variáveis de ordem histórico-cultural que, de alguma forma, constituem algo de "imponderável". Para verificar esta assertiva basta pensar numa tendência, relativamente recente, de retardar o nascimento dos filhos. Enquanto num passado não muito distante ter logo filhos, e preferivelmente uma família numerosa, era motivo de orgulho, atualmente, em muitos setores isto é considerado como manifestação de irresponsabilidade. E, de qualquer forma, as estatísticas não podem apreender as "ondas" de cunho mais ou menos ideológico que emergem e desaparecem rapidamente, mas que influem decisivamente no comportamento humano: o que é moderno hoje torna-se facilmente antiquado amanhã. Acrescentem-se a isto conjunturas sócio-econômicas e políticas, que também mudam com freqüência, e se perceberá que fazer projeções demográficas, ainda que seja algo necessário, comporta sempre um risco.
Ao se falar genericamente de problema demográfico, pode-se oferecer a impressão de que ele se concretiza mais ou menos da mesma forma, em toda parte. Se é verdade que ele desponta em toda parte, não é menos verdade que ele aponta para realidades diferentes, e por vezes até opostas. Com efeito, no contexto do Terceiro Mundo e das regiões mais pobres, ele aponta tanto para o excesso de população quanto para o acelerado índice de crescimento; já no contexto do Primeiro Mundo ele aponta para o envelhecimento da população resultante do significativo aumento da média de vida e os reduzidos índices de nascimento. Por aí já se percebe que a verdadeira questão se localiza no nível hermenêutico.

Poderíamos dizer que existem ao menos três grandes correntes hermenêuticas que tentam interpretar os dados demográficos: as de cunho malthusiano e neomalthusiano; as que acentuam mecanismos auto-reguladores e as que conjugam auto-regulação e exigência de uma redefinição histórica no modo de se entender e de se estruturar as sociedades humanas.
Sabidamente, as hermenêuticas alarmistas, que só falam em termos de "explosão demográfica", não remontam ao próprio Malthus, mas aos neomalthusianos. Malthus foi um fervoroso pastor protestante, pai de prole numerosa e de concepção ética que hoje seria denominada como moralizante. Apesar de sua conhecida tese de progressão geométrica da população, contraposta à progressão aritmética da alimentação, nunca propugnou métodos que hoje se alinhariam entre os contraceptivos: suas teses apontam muito mais para o autocontrole das pessoas e do casal. Já os neomalthusianos, liderados por Margareth Sanger, desde o início se caracterizaram por diagnósticos alarmistas e por apregoar medidas restritivas drásticas, que pouco levam em consideração o prisma ético.
Os partidários da auto-regulação, entre os quais se destacou Josué de Castro, partem do desmentido histórico da tese de Malthus, bem como de uma concepção histórico-antropológica, para garantir diagnósticos menos dramáticos e equacionamentos menos drásticos. Para eles, com a demografia sucede algo parecido ao que ocorre em relação ao crescimento da pessoa humana: há momentos de aceleração, desaceleração e estabilização. Os fatores mais determinantes são os alimentares e os socioculturais. Esta intuição talvez pudesse ser hoje traduzida como "desenvolvimento integral". Este seria o melhor contraceptivo e o melhor caminho para o equacionamento do problema demográfico. Particularmente no que se refere à reprodução das populações pobres, é necessário tomar como ponto de partida outro postulado: os pobres não são pobres porque se multiplicam tanto e tão rapidamente, mas se multiplicam tanto e tão rapidamente porque são pobres.
Desta forma, a terceira corrente hermenêutica, sintonizada com a concepção ética da Igreja Católica, mostra certa semelhança com a anterior, mas opõe-se totalmente ao neomalthusianismo. Entretanto, esta terceira hermenêutica apresenta traços bem originais e um pouco mais complexos. Ela se funda em pressupostos ao mesmo tempo antropológicos e teológicos, pouco conhecidos do grande público. Daí a conveniência de se proceder a uma análise mais cuidadosa.

Não por acaso existem leituras e posturas diferentes de uma mesma realidade. Elas se originam de pressupostos antropológicos e éticos diferentes. É na linha dos pressupostos que se configura a originalidade intrigante da ética de cunho católico.


Três são os pressupostos que sustentam o posicionamento ético da Igreja Católica no que tange à transmissão da vida e, conseqüentemente, à questão demográfica: o da origem divina de todas as coisas; o do ser humano constituído à imagem e semelhança de Deus; e o da administração de todas as coisas, a ser sabiamente efetuada pelo ser humano, em consonância com planos divinos.
De uma forma ou outra, todas as correntes éticas acenam, mais ou menos explicitamente, para Alguém, ou algo, que transcende a razão humana na sua imediatez. Isto se evidencia desde as primeiras elaborações éticas, oriundas do mundo grego. O próprio termo ethos já se reveste de um sabor transcendente: é uma reverência que, embora escondida, sustenta toda normatividade, ao mesmo tempo que ultrapassa toda norma concreta. A crença numa origem divina aponta para uma sabedoria que norteia todas as coisas. Nada surgiu por acaso, nem sem destino. Por isso mesmo não cabe à ética criar o que não existe, mas desvelar o criado e as normas a ela subjacentes. Isto vale sobretudo quando se aborda a transmissão da vida humana e a construção da sociedade. Trata-se de tarefa difícil, uma vez que ninguém pode falar de Deus e de seus planos senão por meio de mediações humanas. Mas se estes existem, então é somente por meio do seu penoso desvelamento que poderemos trilhar um caminho verdadeiramente humano.
Da crença de que tudo revela uma face de Deus decorre o respeito à vida em todas as suas expressões e em todos os momentos. Para a ética cristã a capacidade de transmitir a vida humana é algo que se coloca na linha de um dom extraordinário. Daí a conseqüente e inegociável atitude de reverência diante do milagre da vida, em todas as suas múltiplas formas, que se renova constantemente.
A convicção de que cabe ao ser humano administrar sabiamente tudo o que existe nos distancia de concepções deterministas e providencialistas na construção do mundo e da história. O que se pressupõe é uma criatividade quase divina, na qual o ser humano é o primeiro protagonista. Só que para administrar sabiamente todo o criado pressupõe-se que este ser humano assuma sua condição criatural, não se considerando senhor ou senhora, mas irmão e irmã; não dono, mas exatamente apenas administrador. Está claro que a administração sábia não exclui, mas pressupõe as ciências e a tecnologia, pois é por meio delas que se consegue penetrar mais profundamente nos segredos da Criação e administrá-la com sabedoria.

Entretanto, os grandes desafios nesta tarefa não se encontram fora, e sim dentro do ser humano. Pois nele se concentram todas as potencialidades, como também todas as contradições encontradas no mundo circunstante. Conhecer-se a si mesmo, descobrir os segredos da existência, desentranhar os caminhos da realização pessoal e social é uma tarefa primeira, pois a administração sábia do universo está a ela intimamente vinculada. E aqui emerge mais claramente o porquê das preocupações éticas da Igreja com referência à transmissão da vida humana e à demografia: é neste nível que ocorre o teste mais decisivo de atitude de busca humilde para desvendar e administrar sabiamente os mistérios da vida, ou atitude de prepotência, que leva à desumanização.
Infelizmente, quando se trata de planejamento familiar, além de não se ter presente este amplo quadro de pressupostos antropológicos e éticos, em geral se tem uma compreensão empobrecida do posicionamento teológico católico. Sem mais rodeios, é preciso deixar claro que o que caracteriza este posicionamento não é o "não", mas o "sim": "sim" ao amor profundo e humanizante; "sim" à vida a dois assumida com senso de responsabilidade; "sim" à política demográfica; "sim" ao planejamento familiar. Os últimos dois "sim" podem parecer surpreendentes, mas nem por isso são menos claros e menos categóricos.
Entretanto, a bem da verdade, é preciso deixar claro que não é qualquer tipo de controle da natalidade em nível pessoal que merece o nome de planejamento familiar. Este não se coloca simplesmente em nível dos métodos, mas de posturas de vida. O centro das preocupações neste particular aponta muito mais para uma concepção de vida, de sexualidade, de relacionamento humano, de produção e distribuição dos recursos humanos. E é a partir de uma inegociável atitude de reverência diante do mistério da vida, particularmente da vida humana e do estreito vínculo entre amor e transmissão da vida, que se compreende este posicionamento aparentemente contraditório: "sim" ao planejamento familiar e "não" à contracepção. O ser "contra" é decorrência lógica de um ser "a favor" de uma atitude básica, sem a qual se esvai a dignidade humana e a nitidez de sua grandiosa tarefa. Uma coisa é planejar, por meio de um mais profundo conhecimento dos mecanismos da vida; outra é guiar-se por uma mentalidade contraceptiva, onde a transmissão da vida emerge como uma ameaça às pessoas e à sociedade.
Também não é qualquer tipo de controle populacional que merece o nome de política demográfica. Assim, não estamos diante de uma verdadeira política demográfica quando, por medidas arbitrariamente restritivas, se consagra o status quo de gritantes desigualdades em todos os níveis. Igualmente, não se trata de política demográfica quando as nações e as camadas mais privilegiadas impõem ideologicamente um controle sobre as multidões empobrecidas, controle que se constitui no carro-chefe da dominação nos níveis político, econômico e cultural. A verdadeira política demográfica consiste no que se denomina de promoção humana integral, com os conseqüentes desdobramentos nos níveis alimentar, habitacional e educacional, decorrentes de uma distribuição mais adequada de todos os recursos humanos. Assim, a política demográfica tem tudo a ver com a justiça, e muito a ver com o "holismo" apregoado para outros campos.


Neste contexto é necessário acentuar, com todas as letras, que nem a ética nem a Igreja Católica têm métodos de planejamento familiar. Estes são científicos. Como também não têm soluções mágicas para o problema demográfico. Mas, certamente, elas pressupõem mudanças de concepções de vida e outra rota para a construção de uma sociedade mais humana. A insistência sobre atitudes de vida é uma decorrência lógica do já anteriormente explicitado. Além disso, por mais estranho que este posicionamento possa parecer, o que mais surpreende é que grande parte da sociedade não perceba a contradição na qual ela mesma se envolve: adere, com entusiasmo, à nova consciência ecológica; adere, com o mesmo entusiasmo, à pró-biótica, à alimentação natural, à medicina alternativa, e ao mesmo tempo se nega a admitir sequer uma hipótese semelhante quando se trata da transmissão da vida. Afirmar que a natureza é detentora de recursos surpreendentes, que devem ser administrados, não contradiz em nada a seriedade científica. Pelo contrário, as ciências sempre avançaram na exata medida em que ousaram ultrapassar as evidências de uma época. Já bem diziam os gregos antigos que a identidade profunda dos seres se esconde por trás das aparências. E só atinge a sabedoria da vida quem é capaz de romper as barreiras das aparências e evidências, particularmente quando estas são trabalhadas ideologicamente.
Distanciada do providencialismo simplista, contudo, esta corrente vai acentuar a necessidade de uma intervenção humana, no sentido de uma reestruturação histórica da sociedade e de alguns de seus pressupostos correntes, seja em termos econômicos seja em termos políticos. Se é verdade que a terra é suficientemente generosa para suprir as necessidades básicas de todos, certamente ela é incapaz de corresponder à voracidade do consumismo das chamadas sociedades avançadas. Da mesma forma, é evidente que, na medida em que a maior parte dos recursos forem canalizados para a fabricação de armamentos, eles serão insuficientes para responder a um padrão de vida digno para todos. Assim, o desperdício, o luxo e o armamentismo são os fatores mais determinantes para inviabilizar qualquer solução humana do problema demográfico.


É muito difícil chegar a uma conclusão quando a questão é demografia. Ninguém é tão ingênuo para não perceber que estamos diante de uma questão muito complexa, com inúmeros ângulos diferentes. Afinal, tanto o problema demográfico como o ecológico não são meramente setoriais. São expressões setoriais do problema global da humanização dos seres humanos e de todo o universo. Com certeza a ética, sozinha, não conseguirá viabilizar um equacionamento adequado. Mas, também, com certeza sem a ética não iremos muito longe. Pelo contrário, estaremos trilhando o caminho de uma ainda maior desumanização. Alguns pressupostos éticos básicos, assumidos por todos, independentemente de crenças religiosas, são o único ponto de partida que nos acena para um futuro melhor para todos.