O Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro apresenta a partir de 03 de outubro de 2012, para convidados, e do dia seguinte para o público, a exposição retrospectiva do artista americano radicado na África do Sul, Roger Ballen (Nova York, 1950), um dos fotógrafos contemporâneos mais importantes de sua geração. “Roger Ballen – Transfigurações, Fotografias 1968-2012” é a primeira grande exposição na América Latina do artista, que recentemente teve retrospectivas em grandes instituições dos Estados Unidos e da Europa. No dia da abertura, será realizada uma visita guiada com o artista e a curadora. No dia 04 de outubro, às 19h30, haverá uma palestra de Roger Ballen, no Parque Lage, com introdução de Daniella Géo.
A exposição apresentará uma seleção de trabalhos de Roger Ballen, que datam desde a década de 1960 até os dias de hoje, possibilitando ao espectador a observação do processo de desenvolvimento da obra do artista. Ballen começou a fotografar aos 18 anos e menos de uma década depois se mudou para a África do Sul, onde ainda reside. A partir dos anos 1980, ele passa a fotografar com câmera de médio formato, que exige uma abordagem mais consciente e meticulosa frente a seus objetos, e que resulta na imagem quadrada que utiliza até hoje. A série “Platteland”, publicada em livro em 1994, ano em que Nelson Mandela seria eleito presidente, atraiu a ira dos setores conservadores da África do Sul, fazendo com que Ballen chegasse a ser preso diversas vezes, e a sofrer ameaças de morte por seu trabalho. A partir de 1995, Ballen começa a ter reconhecimento internacional, e passa a figurar em importantes coleções públicas e privadas. Abandona a prática da fotografia documental e começa a desenvolver, a partir da série Outland, uma nova linguagem, fundamentada nas teorias junguianas, em que une realidade e ficção, o espontâneo e o teatral, o retrato e o “tableau”. Essa fotografia repleta de ambiguidades e criadora de uma estética do grotesco culmina em Shadow Chamber e Boarding House, séries que inspiraram inúmeros ensaios e obtiveram grande sucesso de crítica e de público, tanto nas exposições em todas as partes do mundo, quanto em sua publicação em livro pela Phaidon Press. Ballen continua trabalhando com uma Rolleiflex – mesma câmera analógica empregada em “Dorps”, há 30 anos – , e se mantém, até o momento, distante das manipulações digitais. As fotos são todas em preto e branco.
Com curadoria de Daniella Géo, brasileira radicada na Bélgica, a exposição cobre desde os primeiros anos da trajetória de Ballen até o seu projeto mais recente. São oito séries fotográficas e mais de cem obras, que cobrem a produção do artista, apresentadas em um espaço labiríntico, projetado pelo arquiteto belga Koen Van Synghel, ganhador do Leão de ouro da Bienal de Arquitetura de Veneza, em 2004. Daniella Géo é doutoranda em artes visuais pela Université de la Sorbonne Nouvelle, Paris.
A exposição tem produção do Barracão Maravilha Arte Contemporânea, e patrocínio da Prefeitura do Rio de Janeiro – através do Edital Pró Artes Visuais 2011 da Secretaria Municipal de Cultura –, e da Roger Ballen Foundation, Joanesburgo, além do apoio da George Eastman House, Rochester.
“Roger Ballen – Transfigurações, Fotografias 1968-2012” terá um catálogo bilíngue (português/inglês), com textos de Luiz Camillo Osorio, Philippe Dubois, Koen Van Synghel e uma conversa entre a curadora e o artista. O design é da Mameluco.
SÉRIES FOTÓGRÁFICAS: PERCURSO DO ARTISTA, DOS ANOS 1960 ATÉ HOJE
Primeiros anos (1968-1974)
O interesse pela fotografia manifestou-se muito cedo para Roger Ballen (Nova York, 1950), que aos 13 anos comprou sua primeira câmera, estimulado por um ambiente familiar culturamente fértil. Na década de 1960, sua mãe, Adrienne Ballen, trabalhou na lendária agência Magnum Photos e, em seguida, no início dos anos 1970, foi galerista especializada em fotografia, o que proporcionou a Ballen proximidade com grandes fotógrafos, como o francês Henri Cartier-Bresson e o húngaro André Kertész. Aos 18 anos, passa a fotografar de forma constante, dedicando-se à chamada fotografia de rua (street photography). Em busca de uma identidade visual, documenta desde as manifestações pelos direitos civis e os protestos contra a guerra do Vietnã, nos Estados Unidos, até cenas cotidianas, em suas várias viagens pelo mundo.
Boyhood (1973-1978)
Após receber o título de Bacharel de Artes em Psicologia pela Universidade da Califórnia, Berkeley, em 1972, e o falecimento de sua mãe, em 1973, Roger Ballen parte para uma viagem pela África e a Ásia. Atravessa por terra de Istambul à Nova Guiné, do Cairo à Cidade do Cabo, retornado aos Estados Unidos em 1977. Em sua passagem pela África do Sul, conhece sua futura esposa, a joanesburguesa Lynda Morons. Durante os mais dequatro anos de viagem, Ballen segue com a prática da fotografia de rua. Além de fotografias de viagem de motivos diversos, Ballen desenvolve, pela primeira vez, uma série centrada em uma temática: o universo comum de meninos nas mais diferentes culturas. O trabalho resulta em seu primeiro livro, Boyhood (1979). Retrospectivamente, podemos notar aí a germinação da perspectiva e da estética que definem hoje a obra de Ballen, através da escolha peculiar dos momentos, da linguagem corporal e das poses fotografadas.
Dorps: Small towns in South Africa (1982-1986)
Em 1980, Ballen se casa com Lynda e, em 1982, após receber o título de Ph.D em Economia Mineral pela Colorado School of Mines, decide viver em Joanesburgo, na África do Sul, onde reside até hoje. Seu trabalho como geólogo o leva a viajar por todo o interior do país, o que lhe dá a oportunidade de documentar as pequenas cidades e os vilarejos por onde passa. Ballen passa a usar flash e a fotografar com câmera de médio formato, adotando assim a imagem quadrada, que utiliza até hoje. A menor agilidade em relação às câmeras portáteis de 35mm leva Ballen a uma abordagem mais consciente e meticulosa frente a seus objetos.
Inicialmente, Ballen se interessa pela arquitetura vernacular das áreas rurais e fotografa, pela primeira e única vez, casas e fachadas. Em seguida, se volta para o interior das moradias, colocando em evidência a organização singular dos elementos decorativos e funcionais, como marcas tanto da decadência daquelas comunidades, quanto como traços distintivos de seus residentes, que raramente aparecem nas imagens. Em Dorps, Ballen identifica alguns dos motivos recorrentes em sua obra, como fios e arames, marcas na parede e manchas.
Platteland: Images from rural South Africa (1986-1994)
Após a publicação de Dorps, em 1986, Ballen passa a se concentrar nos próprios habitantes das pequenas cidades rurais. Para Ballen, os indivíduos fotografados formam um arquétipo de um grupo de pessoas que viviam no interior da África do Sul, no período do apartheid. Sua intenção era representar, alegoricamente, o sentido de marginalização e alienação, como aspectos universais da condição humana. Porém, a qualidade descritiva dessas imagens e a gravidade do contexto sociopolítico em que se inscrevem as amarraram, vigorosamente, ao estatuto de documento – hoje histórico. Ou seja, embora o objetivo de Ballen não fosse de criar um trabalho político, calcado na documentação das condições sociais de diversas comunidades brancas, suas fotografias revelavam a precariedade em que viviam. Publicada em livro, em 1994, ano em que Nelson Mandela seria eleito presidente, a série Platteland provocou controvérsias e o desagrado de setores partidários do regime segregacionista. Ballen chegou a ser preso diversas vezes, durante a realização do projeto, e a sofrer ameaças de morte por seu trabalho se opor à imagem, difundida até então, de um homem branco próspero e onipotente, e, consequentemente, apontar fraturas existentes dentro do próprio sistema de governo que pregava a supremacia branca e que conferia a esta etnia privilégios políticos e civis.
Outland (1995-2000)
A partir de 1995, Ballen começa a ter o seu trabalho exposto internacionalmente e a vê-lo incluído em coleções públicas e privadas de referência, o que demarca o início de sua trajetória profissional no âmbito das artes visuais, em geral, e da fotografia, em particular. Nesse momento, Ballen passa a fotografar na periferia de Joanesburgo, onde realiza também seus projetos subsequentes. Continua centrado na população branca marginalizada, mas abandona a prática da fotografia documental. Começa a desenvolver uma nova abordagem, através da qual o caráter de construtividade da imagem fotográfica é assinalado. Fundamentada nas teorias junguianas, esta nova abordagem marca a principal transformação no processo criativo de Ballen, ao entremear realidade e ficção e atualizar o surrealismo. Em Outland – que significa à margem da sociedade ou à margem da psique –, Ballen integra teatralização a elementos e/ou situações da vida real do fotografado, que passa a participar ativamente da realização das imagens. Nem ator nem modelo, o fotografado dramatiza sua própria representação. Desta forma, Ballen cria uma imagem híbrida, em que mescla retrato e tableau. Nesta série, o sentido de alienação é enfatizado e a relação entre caos e ordem norteia o questionamento de Ballen sobre o funcionamento do mundo.
Shadow Chamber (2000-2004)
Em Shadow Chamber, Ballen segue com suas investigações sobre a condição humana, aprofundando sua perspectiva existencialista, através da criação de imagens ainda mais evocativas dos arquétipos junguianos. A relação entre o homem, os animais, os objetos e o espaço a sua volta se torna mais singular. Em particular, sua associação aos animais, que, anteriormente, em “Platteland” e “Outland”, suscita de forma geral ternura, passa a evocar uma certa crueldade. Os espaços se tornam cada vez mais exíguos e os arames, fios, manchas e desenhos sobre as paredes, que vemos desde a série “Dorps”, são mais presentes e obtêm maior importância formal e conceitual. A construção da imagem se torna mais evidente, embora permaneçam turvos os limites que separam realidade e ficção. As imagens se tornam mais perturbadoras e enigmáticas e o espectador se vê confrontado à sua própria percepção. A série é realizada no edifício de escritórios de uma antiga mineradora que, após a sua desativação, fora invadido por pessoas – desde desabrigados e curandeiros a fugitivos da polícia -, cuja permanência no local era, geralmente, apenas temporária. Por um lado, se pode pensar o próprio espaço real como câmaras sombrias permeadas por uma dinâmica de tensão, pelo medo, pelas angústias e frustrações, pela rejeição daqueles que vivem no submundo. Por outro lado, as noções de sombras, de escuridão, de confinamento se referem a um espaço imaginário, ou seja, ao nosso inconsciente como reservatório de nossas repressões, de nossos traumas e impulsos, ou seja, de nosso lado obscuro. Para Ballen, o lado obscuro tem sido sempre uma fonte de luz, de energia, de conhecimento e declara, repetidas vezes, que “não se pode encontrar a luz sem conhecer a escuridão.”
Boarding House (2005-2008)
Boarding House foi realizada em um antigo depósito de mineradoras, que também fora ocupado por pessoas cuja sobrevivência requer esforço diário e cuja presença por lá é apenas temporária. Nesta série, Ballen dá continuidade a abordagem empregada em “Shadow Chamber”, sendo que o enfoque passa a ser o caráter de transitoriedade da existência humana, assim como seus aspectos mais primitivos e primordiais. Mais ainda do que em “Shadow Chamber”, ganham espaço os arames, fios e, sobretudo, os desenhos rudimentares, inspirados na Art Brut – arte dita livre das normas estéticas e intimamente associada aos mecanismos psicológicos da expressão criativa. Em contrapartida, o corpo humano, que já vinha sendo encoberto, mascarado, escondido, substituído por fragmentos de manequins e bonecos em “Shadow Chamber”, tem a representação de sua anulação e desintegração levada ao paroxismo, em “Boarding House”. Ao mesmo tempo, a proximidade entre humanidade e animalidade, já sugerida em “Outland” e assinalada em “Shadow Chamber’, é exacerbada a ponto de colocar em questão os limites da condição humana. Assim, enquanto a obra reflete o inconsciente coletivo, a universalidade de nossos instintos e sentimentos mais elementares, em particular no que diz respeito ao sofrimento, à dor e à negação da morte, ela poderia ser igualmente vista como representação da loucura ou de sintomas dos desarranjos da sociedade contemporânea.
Asylum series (2008-)
Ballen continua trabalhando com uma Rolleiflex – mesma câmera analógica empregada em “Dorps”, há 30 anos – , e se mantém, até o momento, distante das manipulações digitais. Assim como nas demais séries, todas as situações retratadas em Asylum existiram no espaço físico real, ou seja, nada foi criado virtualmente. Série em progresso, Asylum indica, no entanto, um novo rumo nas investigações de Ballen. Os espaços e arranjos ganham aparência cenográfica; desenhos rudimentares, recortes de fotografias pré-existentes, esculturas e objetos compõem a maior parte das imagens; o ser humano praticamente desaparece, enquanto pombos passam a exercer um papel essencial na série. Ao mesmo tempo, a estética – e a lógica – da colagem, antes implícita em “Shadow Chamber” e “Boarding House”, é abertamente associada à estética do grotesco, já consolidada na obra de Ballen. Nesse contexto, o caráter de construtividade das imagens é acentuado, assim como a sua função simbólica – ainda que o sentido de enigma continue manifesto na surrealidade das relações entre os elementos compondo as imagens. A obra de Ballen, que para ele é, antes de tudo, uma pesquisa sobre si mesmo, traça uma jornada de transfigurações reais e simbólicas, na qual a busca pela transcendência parece orientar os caminhos desta nova série.
ROGER BALLEN
Nascido em Nova York, em 1950, vive e trabalha em Joanesburgo, África do Sul. Roger Ballen expôs individual e coletivamente em diversas instituições internacionais, tais como George Eastman House, Rochester, exposição retrospectiva nomeada finalista na categoria de melhor exposição de 2010 do Lucie Awards, considerado o Oscar da Fotografia; Gagosian Gallery, NY, uma das diversas galerias de arte que o representa; Sala Rekalde, Bilbao; Berlin Biennial; Wurttembergischer Kunstverein, Stuttgart; Sydney Biennale, Australia; National Library of Australia; PhotoEspana, Madri, onde recebeu o prêmio de melhor livro monográfico em 2001; Iziko South African National Gallery, Cidade do Cabo; State Museum of Russia, São Petersburgo; Bozar, Brussels; Hasselblad Center, Gutenberg; Kunsthaus, Zürich; Triennale, Milan; Fondation Cartier pour l’art contemporain, Paris; Festival de la Photographie d’Arles, onde foi selecionado como fotógrafo do ano de 2002; Biblioteque Nationale, Paris; Noordelicht, Amsterdã; Kunstal Museum, Rotterdã; BIP 2010, Biennale internationale de la Photographie, Liège, Haus der Kulturen der Welt, Berlin; Victoria and Albert Museum, Londres; Zacheta National Gallery, Varsóvia; New Museum, MoMA-NY etc. Suas exposições individuais figuraram entre as Top 10 Exhibitions da ArtForum, nos anos 2002 e 2004.
As fotografias de Roger Ballen fazem parte de coleções tais como as do MoMA de Nova York; Brooklyn Museum, NY; Museum of Fine Arts, Houston; Centre Georges Pompidou, Paris; Maison Européenne de la Photogrpahie e Musée Nicephore Niepce, França; Fotomuseum, Munique; Victoria & Albert Museum, Londres; Stedelijk Museum, Amsterdã; Hasselblad Center, Gothenburg, Suécia, entre outros.
Serviço: Roger Ballen – Transfigurações, Fotografias 1968 – 2012
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro
Abertura: 03 de outubro de 2012, às 19h
Exposição: 04 de outubro a 2 de dezembro de 2012
Realização: MAM Rio
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro
De terça a sexta, das 12h às 18h Sábado, domingo e feriado, das 12h às 19h A bilheteria fecha 30 min antes do término do horário de visitação.
Ingresso: R$12,00
Estudantes maiores de 12 anos R$6,00
Maiores de 60 anos R$6,00
Amigos do MAM e crianças até 12 anos entrada gratuita
Quartas-feiras a partir das 15h entrada gratuita
Domingos ingresso família, para até 5 pessoas: R$12,00
Endereço: Av. Infante Dom Henrique, 85
Parque do Flamengo – Rio de Janeiro – RJ 20021-140
Telefone: 21.2240.4944