"A carne não representa para mim nada de martírio, morte. Existe um certo humor em meu trabalho que ninguém vê, um humor negro que às vezes é um pouco grotesco. Não é para levar tão a sério", diz a artista carioca Adriana Varejão. De uma forma explícita, em sua série "Ruínas de Charque", dos anos 2000, a pintora se vale da artificialidade de colocar vísceras dentro de fragmentos de paredes de azulejo. Mas a carne não é carne, o azulejo não é azulejo: de uma maneira mais ampla, barroca, quando as entranhas da pintura e das histórias - da arte, antropológicas ou outras - aparecem representadas na obra de Adriana Varejão, há ficções e contundência. Encenações e paródia. E até um monte de "miscigenações".
Somente agora, depois de uma prestigiada carreira iniciada na década de 1980, Adriana Varejão tem, no Brasil, a primeira antologia de sua produção, a mostra "Histórias às Margens", que será inaugurada segunda-feira (03) no Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo. A exposição apresenta 42 trabalhos realizados por ela desde 1991, entre eles, "Extirpação do Mal por Incisura" (1994) e "Reflexo de Sonhos no Sonho de Outro Espelho" (Estudo sobre o Tiradentes de Pedro Américo, 1998), exibidos, respectivamente, nas 22.ª e 24.ª Bienais de São Paulo. Na terça-feira, na montagem da mostra, a própria artista se surpreendia ao rever peças que há mais de 20 anos não são vistas no País.
"Minha produção dos anos 1990 é pouco conhecida. A única condição para fazer a exposição foi trazer trabalhos que estão no exterior", diz a pintora, já referencial não apenas por ter sua pintura "Parede com Incisões à La Fontana II" (2001) - que representa rasgos na tela de onde saem carne, vale dizer - vendida pela casa de leilões Christie?s por US$ 1,7 milhão, o que se tornou um recorde do mercado de arte contemporânea brasileira. Dito e feito, a exposição trouxe peças que integram coleções de prestígio como as da Tate Modern, da Inglaterra, e do Guggenheim de Nova York.
Mais do que abrir a possibilidade do olhar retrospectivo pela produção barroca de Adriana, a mostra apresenta três obras que acabam de ficar prontas e vieram diretamente de seu ateliê no Rio. Adentremos, pois, na "cartografia varejão", como já definiu a antropóloga Lilia Moritz Schwarcz - feita "entre verdades e simulações", entre "vermelho do sangue e azul do céu.
MAM (Avenida Pedro Álvares Cabral, s/nº, portão 3, Parque do Ibirapuera). Tel. (011) 5085-1300. 3ª a dom., 10 h/17h30. Grátis. Até 16/12. Abertura segunda-feira, 20 horas