No final dos anos 1980 e início dos anos 1990, os diagnósticos da situação brasileira face às mudanças na economia revelaram um ponto consensual quanto à adequação dos recursos humanos às novas exigências do mercado de trabalho: a centralidade da educação geral nesse novo cenário econômico que se descortinava, seja em função da maior competitividade requerida pela abertura da economia, seja pela difusão das novas formas de produzir (chamada de Terceira Revolução Industrial). Destacava-se, à época, a ineficácia das políticas educacionais adotadas até então: os indicadores educacionais dos anos 1970 e 1980 explicitavam a escassez de vagas nas séries iniciais do ensino fundamental, as altas taxas de evasão e repetência nesse nível de ensino, o reduzido contingente de jovens que chegavam ao ensino médio (que também apresentava taxas significativas de evasão e repetência), além do fato de apenas 10% dos concluintes desse nível terem acesso ao ensino superior. Paralelamente a uma reforma da educação geral, recomendava-se a revisão das estratégias tradicionais de qualificação profissional, apoiadas nos baixos níveis de escolaridade da maioria dos jovens e adultos, e dedicadas a ocupações que tendiam a se tornar obsoletas.
Pois bem, o que se pode observar hoje, após quatro mandatos presidenciais, é que o consenso então produzido não se traduziu em real diretriz das ações voltadas, supostamente, para a adequação da formação do trabalhador brasileiro aos moldes trazidos pelos novos paradigmas.
No âmbito da educação profissional, fez-se uma reforma do ensino técnico público que, em nome da democratização do acesso, apenas fragilizou uma estrutura até então reconhecida pela sua qualidade. Já os programas governamentais criados para garantir a elevação da escolaridade de cerca de 46 milhões de trabalhadores e melhoria das condições de inserção no mercado de trabalho para os segmentos mais frágeis (1), se caracterizaram por dar prioridade à realização de cursos de curta duração (40 horas) em qualificações já reconhecidamente marcadas pelo risco de desemprego. Tanto é assim, que as avaliações apontaram que apenas 5% dos egressos desses cursos conseguiram se empregar a partir das qualificações recebidas.
A diferença de escolaridade não é suficiente para explicar a diferença de rendimentos.
Na área da educação geral, promulgou-se uma nova legislação (a Lei de Diretrizes e Bases – LDB 9394/96) que inclui na sua exposição de motivos e nos seus objetivos gerais a preocupação com a adequação do sistema educacional aos novos requisitos de escolaridade e formação técnico-científica. Dez anos depois, as estatísticas educacionais apontam para um aumento expressivo na matrícula e nas taxas de conclusão do ensino fundamental o que, inevitavelmente, contribuiu para a expansão da matrícula e das conclusões do ensino médio. Entretanto, os resultados das avaliações sistêmicas (2) indicam, desde 1998, uma tendência de queda da qualidade do ensino público, que hoje se expressa, principalmente, no fato de que 50% dos alunos da 4ª série do ensino fundamental não sabem ler e, dentre os que lêem, a maioria não compreende aquilo que lê. No ensino médio, os desempenhos são baixíssimos, particularmente nas chamadas disciplinas técnico-científicas, como matemática, física, química e biologia (3). Assim, elevou-se a escolaridade formal da população em idade escolar, mas a sólida base de educação geral que se esperava não se realizou.
Registre-se que o ensino superior público vem passando ao largo das questões relativas tanto aos novos perfis ocupacionais demandados, como das novas ocupações produzidas pelas inovações tecnológicas. Entendendo que se preocupar com tais questões significa aderir aos "interesses do capital", a rede de universidades públicas mantém seus cursos tradicionais, o que, associado às limitações impostas pela escassez de recursos, apresenta problemas tanto no que se refere à ampliação da oferta de vagas quanto para a manutenção de seus níveis de qualidade. Esses fatos contribuem para que a participação das instituições privadas no total de matrículas do ensino superior gire hoje em torno de 70%, impulsionada tanto pelos programas de financiamento e de concessão de bolsas de estudo, como pela explosão da oferta de cursos de graduação tecnológica, com a duração de dois anos e meio, e que, em princípio, responderiam com maior efetividade às novas demandas ocupacionais. Essa modalidade de formação universitária, que vem sendo rejeitada pelas instituições públicas, atrai grande parcela dos jovens de baixa renda que buscam tanto uma qualificação de nível superior mais rápida do que a dos cursos tradicionais, quanto maiores chances de obtenção de emprego e/ou melhoria salarial. Entretanto, os poucos dados disponíveis não permitem que se faça uma análise conseqüente de seus resultados, principalmente quanto à sua aceitação pelo mercado de trabalho. De todo modo, a questão da qualidade da formação recebida é crucial: as avaliações de cursos superiores realizadas pelo MEC (4) apontam que a maioria das universidades privadas oferece cursos de qualidade discutível; entretanto, embora ainda se situem num patamar superior, e salvo algumas ilhas de excelência, as instituições públicas também vêm perdendo qualidade. Assim, se é verdade que temos um aumento do contingente de profissionais de nível universitário, também é verdade que há que se questionar se a formação recebida de fato corresponde às necessidades dos concluintes e às demandas do mercado, o que pode, inclusive explicar, ainda que parcialmente, o fenômeno do desemprego dos jovens profissionais de nível superior.
Se no campo educacional os resultados estão bastante distantes do que se pretendia, o campo econômico, apesar de inegáveis avanços como a estabilização, a modernização tecnológica das empresas e o salto nas exportações, também apresentou frustrações sendo, talvez, a maior delas as baixíssimas taxas médias de crescimento que caracterizam nossa economia há mais de duas décadas, com sérios reflexos na geração de empregos.
Sabemos que a expansão do sistema educacional se dá com grande autonomia face ao desempenho econômico do país, e que aquela expansão ocorre agora de forma mais acelerada nos níveis mais elevados do sistema. Equivale a dizer que, na ausência de um crescimento econômico mais vigoroso, capaz de gerar postos de trabalho em quantidade – e de qualidade – compatível com a expansão das matrículas, corremos o risco de enfrentar sérios problemas de desemprego de mão-de-obra qualificada, o que representa um enorme desperdício de recursos públicos e privados.
De fato, são raras as atividades no Brasil em que a mão-de-obra qualificada constitui um gargalo impeditivo. Tais atividades podem ser encontradas no campo da pesquisa avançada, por exemplo, mas não é um obstáculo de difícil transposição nos setores econômicos em geral. Não porque o país já disponha de mão-de-obra qualificada em abundância, como já demonstramos, mas porque a demanda por ela é medíocre face à semi-estagnação em que estamos mergulhados. Acreditamos, inclusive, que ninguém taxaria de "economicistas" aqueles que atribuem ao nosso baixo crescimento econômico alguma responsabilidade no descaso com que tratamos nosso sistema educacional.
Ademais, ocorre que, na verdade, a questão educacional não mobiliza a sociedade brasileira. Nossa tradição é de uso da educação escolar como fator de diferenciação entre os segmentos sociais, de legitimação das hierarquias sociais e, com isso, de manutenção das desigualdades. Ou seja, ainda somos dominados pelo credencialismo. E isto pode ser analisado sob três aspectos: o primeiro, mais geral, é que (i) apesar dos avanços democráticos obtidos, e eles de fato existem, nossa sociedade ainda está calcada na idéia de que todos somos iguais mas uns são mais iguais do que os outros, ou de que existem brasileiros que "naturalmente" merecem ter todas as oportunidades, e outros que "naturalmente" não merecem. Daí decorre a banalização da pobreza, da situação de miséria em que vive boa parte dos brasileiros. O segundo aspecto diz respeito ao empresariado e às hierarquias empresariais, nas quais, no Brasil, (ii) ainda não se admite a idéia de que as inovações podem surgir no chão-de-fábrica, isto é, de que o trabalhador pode fazer e pode pensar. Daí se explica o comportamento da maioria das empresas, que modernizam seus processos mais através da importação de equipamentos, mas pouco investem na maior participação dos trabalhadores, na democratização das relações de trabalho; não transformam os maiores ganhos de produtividade em melhores salários. E muitos empresários ainda consideram que a escolarização do trabalhador é dispensável, quando não um desperdício. O terceiro aspecto diz respeito ao predomínio, ainda, na esfera política, (iii) do uso da educação como moeda eleitoreira e, por conseqüência, a transformação das desigualdades sociais em bases para o exercício de um populismo nefasto. Daí se explica a inércia dos poderes públicos diante do fraquíssimo desempenho do sistema educacional e das evidências de que grande parte dos problemas sociais que temos está associada à baixa escolaridade.
O que se constata é que a concepção de desenvolvimento, ou melhor, de superação do subdesenvolvimento, no qual todos os segmentos sociais são beneficiados e aqueles que estão na base da pirâmide social avançam mais rapidamente pela inclusão na produção, atingindo assim patamares que permitem condições dignas de vida, é uma idéia que ainda não vingou entre nós. Apontar a educação como uma ferramenta importante para esse desenvolvimento com justiça social, soa bem no discurso, mas não transforma a prática, porque, na verdade, a pobreza é funcional aos que colhem os melhores frutos desse nosso modelo de sociedade.
Neste contexto, o panorama geral da educação brasileira nos autoriza a crer que ainda conviveremos por muito tempo com estratégias econômicas que não correspondem à efetiva superação do subdesenvolvimento e que manterão boa parte dos brasileiros à margem dos ganhos obtidos, mesmo se, eventualmente, lograrmos uma taxa de crescimento mais elevada.