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quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Diplomata do Itamaraty questiona a historiografia brasileira em novo livro, com lançamento dia 19/11, quarta, na Livraria Argumento

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Com fortes críticas a Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Hollanda, em "Como escrever a história do Brasil: miséria e grandeza", o Ministro Fernando Cacciatore de Garcia, diplomata gaúcho aposentado, fez um profundo estudo sobre as distorções da história e ensaística do país que promovem nosso fracasso, impedindo com isso que assumamos nossa verdadeira posição no mundo atual

No dia 19 de novembro, quarta, às 19h, a Livraria Argumento, no Leblon, será espaço para uma noite de autógrafos de uma obra, no mínimo, polêmica. Quando o Ministro Fernando Cacciatore de Garcia, diplomata gaúcho aposentado, lançar no Rio o livro “Como escrever a história do Brasil: miséria e grandeza” (Editora Sulina, de Porto Alegre), no qual o autor parte da ideia de que tudo o que foi escrito pelos intelectuais brasileiros sobre o Brasil até o presente momento – incluindo consagrados como Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Hollanda e Mário Pedrosa, entre outros, e contemporâneos, como o Embaixador Alberto da Costa e Silva, Lilia Schwarcz e Laurentino Gomes - está marcado por sua mentalidade de membros de uma ex-colônia e não de um país que conta no mundo. Segundo o autor, os escritos desses intelectuais não mais servem ao Brasil de hoje. Este, de acordo com classificações estrangeiras, é agora considerado uma “potência emergente”, um “ator global” ou um “país protagonista”. A historiografia brasileira até hoje seria marcada pelo que Fernando considera a “identificação com o opressor” (ou seja, curvar-se às ideias das potências hegemônicas, mesmo se contrárias ao interesse nacional), o que cria uma visão altamente negativa do passado brasileiro, onde a incapacidade, a dependência e o fracasso são acentuados e considerados inevitáveis e persistentes. Justamente por isso, tal historiografia não nos serve mais e esse novo Brasil necessitaria de uma nova história que explicasse aos brasileiros o atual sucesso de seu país e o novo patamar a que ascendeu no mundo. A “identificação com o opressor” é tão forte que a grande maioria dos brasileiros sequer aceita merecer ser o Brasil de hoje um país protagonista, para a alegria das potências tradicionais, as quais, desse modo, ficam sem um concorrente seguro de si e por isso mais capaz defender internacionalmente os interesses de seus nacionais.
Outro instrumento de análise que Fernando criou é a “lusofilia”, ou seja, o enaltecimento cego da ex-metrópole, Portugal – não o Portugal de hoje, mas o que dominou o Brasil de 1500 a 1822. Esse fato impede que os brasileiros escrevam uma história que expresse o que realmente aconteceu. O autor traz como exemplo a falsa ideia de que a colonização do Brasil pelos portugueses, comparada à espanhola, foi pacífica e não foi sangrenta, quando, na verdade, houve a matança e escravização impiedosas de centenas de milhares de índios. Ademais, a história canônica brasileira de cunho “lusófilo” também escamoteia as atrozes atividades da Inquisição no Brasil Colônia, quando inúmeros cristãos-novos brasileiros (especialmente os que haviam amealhado grandes fortunas), acusados da prática clandestina do judaísmo, foram queimados vivos em Lisboa e seus bens confiscados pela Coroa e pela Igreja. A atuação da Inquisição entre nós, que perdurou por quase trezentos anos, foi a base sobre a qual se erigiu tanto a “identificação com o opressor” como a “lusofilia”.
Com esses dois instrumentos de análise – a “identificação com o opressor” e a “lusofilia” – Fernando apresenta e explica a origem de vários mitos e vezos na historiografia brasileira que nos trazem para baixo e trata de comprovar que isso faz com que a mente brasileira, até hoje, seja a de um país acanhado, provinciano, sem a capacidade de impor-se no mundo como nação, não apenas como governo.
O autor considera que, quando foi proclamada a República, os intelectuais do novo regime tiveram de escrever uma nova história, censurando as conquistas mais importantes do período monárquico. Exatamente pelos desejos de “grandeza” de D. João, para si e para o Reino do Brasil, foi ele impiedosamente atacado pela historiografia republicana, a ponto de ser reduzido a um medroso comedor de frangos desossados, quando, de fato, foi ele um grande e visionário estadista quanto a nosso país. Segundo o autor, isso se deveu ao fato de que o novo regime queria para si todas as glórias: considerando-se muito mais democrática que a Monarquia, a República, ela sim, iria engrandecer e modernizar o Brasil.
Como resultado da análise de documentos que o autor pessoalmente compulsou em Lisboa, na Torre do Tombo, o Arquivo Nacional Português, cerca de uma dúzia deles reproduzida no livro, dá ele uma visão completamente original do Reino do Brasil sob D. João (na verdade de 1808-1821, explica Fernando). As medidas e políticas do Regente e Rei nesse período foram, o autor comprova, de um coerente estadista que se deu conta das potencialidades imensas de sua ex-colônia e, para realizá-las, tomou medidas que estavam muito à frente de sua época e seus homens: imigração, industrialização, indústria bélica, criação de quadros administrativos, técnicos e militares brasileiros, cursos superiores, mentalidade matemática, pesquisa científica, etc. Tudo isso foi realizado de cinquenta a cento e cinquenta anos após sua morte.
O livro traz a análise de obras fundamentais sobre o Brasil, de autores aclamados como Varnhagen, Capistrano de Abreu, Paulo Prado, Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Hollanda, entre outros. Mostra o autor como essas obras funcionam como impedimento para que os brasileiros assumam sua “grandeza” atual e desprezem suas realizações e conquistas importantes em todos os setores.  Apesar do valor incalculável do Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, graças a seu revolucionário engrandecimento da miscigenação e ao fato de ter ele comprovado que a raça não é um conceito válido para ser usado como instrumento de análise sociológica ou em qualquer ciência humana, deu ele ímpeto à “lusofilia” ao idealizar o colonizador português, à margem de qualquer padrão ou fato histórico. Quanto a Hollanda, o autor comprova ter ele construído uma verdadeira “ideologia do fracasso” em seu mais que perene Raízes do Brasil.
Os livros atuais de história do Brasil, especialmente os bestseller, também são alvo de ferrenhas críticas do autor. Fernando analisa especialmente os dois primeiros livros de “história” de Laurentino Gomes; no segundo deles, começa esse jornalista a saga da Independência do Brasil com uma diarreia de D. Pedro, minutos antes de ratificar o Príncipe a separação do Reino do Brasil do de Portugal, decretada por sua mulher Leopoldina, então regente; e no livro sobre D. João, suas fezes e sua defecação quando em viagem são tratadas em mais de três páginas enquanto a atuação de D. Leopoldina no processo da Independência merece magras linhas. Ou seja, esses dois livros bestseller mostram o passado brasileiro como uma farsa coprofílica de personagens históricos histriônicos. Além de ser uma forte e poderosa renovação da “identificação com o opressor” e uma nova solidificação da “lusofilia”, tais livros são especialmente perigosos quando se arvoram em “história verdadeira”. Figuras históricas que poderiam constituir-se em exemplos são pintadas como risíveis, perversas e desprezíveis.
Se o autor se dedica a analisar a “grandeza” passada, presente e futura do Brasil, o livro dedica número de páginas semelhantes à nossa “miséria”. Assim, sua gênese é traçada desde o período das capitanias, mesmo antes, e são revelados a origem remota dos conceitos ideológicos dos brasileiros que os fazem cegos à miséria de cerca de trinta e cinco milhões de seus compatriotas. Ademais, são apresentados cálculos originais do número de miseráveis no Brasil em 1810 e em 1872. A conclusão final desse esforço é que a miséria no Brasil diminuiu no mesmo ritmo de 1810 a 1872 e de 1872 a 2010, parcos 0,3% ao ano. Fernando afirma que isso se deve ao fato de uma educação generalizada e saúde para o povo nunca terem sido prioridade para os brasileiros e, por isso, para sua elite, desde 1500, seja na Colônia, seja no Império, seja na República ou em regimes de esquerda, centro ou direita. Segundo ele, o Brasil apenas absorverá os miseráveis quando forem eles tidos como personagens e agentes de nossa história.


SERVIÇO
19/11 – Lançamento do livro “Como Escrever a História do Brasil – Miséria e Grandeza”, de Fernando Cacciatore de Garcia
Local: Livraria Argumento
Horário: 19h
Endereço:  Rua Dias Ferreira, 417 - Leblon, Rio de Janeiro - RJ
Informações: (21) 2239-5294
Entrada gratuita