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quinta-feira, 26 de março de 2015

Histórias, crises e novas perspectivas: a gestão dos recursos hídricos no RJ

Crise: 'conjuntura ou momento perigoso, difícil ou decisivo'. A definição dessa palavra, segundo especialistas, representa aquilo que vivemos hoje no país em relação ao abastecimento de água. Para o coordenador de Recursos Hídricos da Secretaria Municipal de Meio Ambiente do Rio de Janeiro, Alexandre De Bonis - convidado do DSSA Debate -, além de a cidade ter um problema histórico de abastecimento, sofre com o desperdício e apenas nos anos recentes seus gestores passaram a se preocupar com a administração desse bem. A prefeitura, por sua vez, afirma estar fazendo o dever de casa, com ações de proteção dos recursos e melhorias de suas estruturas. "Fora as perdas ocorridas na rede de abastecimento, o carioca, de uma maneira geral, tem a cultura do desperdício", criticou. O debate, promovido pelo Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental da ENSP, não só suscitou a reflexão dos pesquisadores sobre propostas de enfrentamento da atual crise, como também deslocou-os da posição de críticos para a de debatedores. 
 
O encontro - ocorrido em 19 de março, em alusão ao Dia Mundial da Água (comemorado em 22/3) -, teve a participação de dois palestrantes, sendo coordenado pelo assessor de Ambiente da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz, Tatsuo Carlos Shubo. Segundo o Tatsuo, apesar do contexto histórico brasileiro repleto de falhas e problemas de gerência, o momento atual é delicado, e deve ser visto como uma oportunidade de criar sinergia entre a academia e a gestão, visto que há um grande distanciamento entre a tomada de decisão e o embasamento técnico-científico para tal. Para ele, “quando se fala em crise hídrica, também falamos de uma possível crise econômica e energética que, em maior ou menor grau, afetará a todos”, alertou. 
 
O assessor lembrou ainda que a primeira crise hídrica do Rio de Janeiro aconteceu em 1841, durante o Segundo Reinado, com o desabastecimento do rio Carioca pela expansão das lavouras de café. A solução para a escassez partiu do reflorestamento da Floresta da Tijuca, por meio do replantio de mais de 10 mil mudas de árvores nativas, recuperando, assim, a capacidade hídrica da cidade. Hoje, a Floresta da Tijuca é um patrimônio histórico-cultural, além de ser considerada uma das maiores florestas urbanas do mundo. 
 
Assim como o assessor da presidência, De Bonis relembrou a história de abastecimento da cidade e comentou que a resolução do problema ocorreu na década de 1950, com a criação da Estação de Tratamento do rio Guandu. Para que isso fosse possível, foi realizada a transposição do Rio Paraíba do Sul para abastece-lo. “A ação foi feita exclusivamente para gerar energia elétrica e, como um subproduto, regularizou a vasão de água do Guandu, o que permitiu seu uso para distribuição de água no município. Esse fornecimento perene de água também propiciou o crescimento e desenvolvimento da cidade”.  
 
Culturalmente, conforme avaliou o professor, sempre houve dificuldade em pagar por um produto que é gratuito e que se teve em abundância no país. “Porém, hoje sabemos que a água é um bem escasso. Estamos passando por um momento de transição e precisamos nos preparar para isso. Até bem pouco tempo não havia cobrança da água; o custo era derivado do seu transporte até as residências. No entanto, se não reduzirmos o consumo total com políticas de gestão e também o consumo individual, a partir da mudança de hábitos, vai ficar difícil. A cultura do desperdício precisa ser modificada. E, infelizmente, se não doer no bolso, o brasileiro não muda seus hábitos”, comentou. 
 
Ambiente físico e esforços municipais
 
O relevo do Rio de Janeiro tem grande peculiaridade, visto que naturalmente não tem vocação para o acúmulo de água. O município é cercados por águas pelos três lados: Bacia da Baia de Guanabara, Bacia de Sepetiba e o oceano. Somente a ligação pela Baixada Fluminense une a cidade ao continente. Dentro desse pequeno relevo existem 267 rios, dos quais 264 nascem e morrem dentro do município. Porém, suas vasões são transitórias. Além disso, a impermeabilização do subsolo é outra questão problemática. Segundo De Bonis, essa era a nossa maior área de recarga de recursos hídricos, mas com a área urbana majoritariamente impermeabilizada, encontra-se cada vez mais sem capacidade. “A água que antes ficava retida no reservatório do solo, hoje escoa rapidamente para o oceano; sua recuperação é uma tarefa muito custosa”. 
 
O pesquisador comentou que a cidade sempre lidou com uma enorme demanda por recursos financeiros para a gestão dos recursos hídricos, no entanto, as obras para realização da Copa do Mundo de Futebol e dos Jogos Olímpicos de 2016 permitiu colocar projetos engavetados em prática. “Outra questão relevante é que, já há alguns anos, a prefeitura vem concentrando esforços nessa área. Em 2009, ano em que foi criada a coordenação de Recursos Hídricos da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, ainda não se pensava, de fato, nos recursos hídricos na cidade. O foco era a drenagem urbana, pois, como dito anteriormente, a água era um subproduto da geração de energia elétrica. Mas temos feito o nosso dever de casa”, disse De Bonis. 
 
Hoje, o município do Rio possui um plano diretor e muitas definições, em especial sobre as atribuições dos recursos hídricos. “A Prefeitura entendeu que a preocupação tem que ir além daquilo que a legislação anterior permitia. Somente assim poderemos realmente atuar no cerne das necessidades de abastecimento da cidade”. Entre as ações estão programas de reflorestamento, modernização de escolas, hospitais, prédios públicos e suas estruturas; preconização da instalação do hidrômetro individual em condomínios, instalação de estações de tratamento de reuso, entre outros. 
 
O reflorestamento, por exemplo, é uma grande iniciativa, já feita há muitos anos, na tentativa de reverter e recuperar boa parte do que foi degradado, como a encosta acima do Tunel Rebouças, o Morro Cara de Cão, o Canal do Mangue e outros. Sem essa vegetação não há como acumular no solo as águas e melhorar a qualidade de vida do carioca”, defendeu.  
 
Outra iniciativa citada, a da implantação do hidrômetro individual em novas habitações licenciadas pela prefeitura, virou Lei a partir de 2011. “Para nós representou uma conquista, uma vez que esta ação confronta questões referentes à concessionária de água do município, como a manutenção da pressão de água para o abastecimento dos imóveis e a diminuição de seu faturamento, visto que passa a haver economia no consumo. Atualmente, o grande desafio da Prefeitura é levar a medida para as construções antigas. Há dois anos negociamos a proposição de benefícios e motivações para que moradores implantem o hidrômetro individual dentro dos seus condomínios. A crise é um momento propício para isso e possíveis estratégias estão sendo pensadas”, disse ele.  
 
O QualiVerde foi mais uma medida estabelecida pela cidade. Composto pelo Decreto 35.745/2012, visa a certificação de edificações reconhecendo e premiando construções que contemplem ações e características sustentáveis, desde a fase de planejamento e execução da obra até o seu pleno funcionamento após o fim do projeto. Ações também estão sendo realizadas nas escolas públicas municipais: a cidade tem a maior rede da América do Sul, com mais de 1220 escolas. Atualmente, todas estão em processo de adequação de consumo de água, com a revisão e troca de equipamentos como torneiras e bacias sanitárias. A primeira estação de tratamento de reuso feita no Brasil foi instalada no Jardim zoológico do Rio. “Estamos buscando alternativas”, disse De Bonis - que completou: “vale ressaltar que a maior dificuldade ainda é o aporte de recursos financeiros”.
 
Sobre a proteção dos recursos, recentemente foi descoberto o Aquífero Guaratiba, um imenso lençol de águas subterrâneas que se estende desde o Maciço da Pedra Branca, Serra de Inhoaíba e Região Costeira, que ocupa toda a área de Guaratiba. A prefeitura, preocupada com uso da área resolveu estabelecer parâmetros e baixou um decreto, em 2013, que impede qualquer licenciamento para nova construção naquela área até decidir como gerir a ocupação do espaço. “Essa é uma área de grande interesse ambiental e sua ocupação está sendo estudada, uma vez que temos a consciência da sua importância.