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sábado, 25 de abril de 2015

Presidente do CNS fala sobre as inovações da 15a Conferência Nacional de Saúde

Em entrevista ao Portal da Inovação na Gestão do SUS, a presidente do Conselho Nacional de Saúde, Maria do Socorro de Souza, destacou as inovações que estão sendo discutidas para a 15a Conferência Nacional de Saúde (CNS), que se realizará em Brasília, entre 1 a 4 de dezembro, com o tema Saúde pública de qualidade para cuidar bem das pessoas: direito do povo brasileiro. “Devemos pensar a 15a CNS não como um evento, mas como um processo político que se articula com outras lutas sociais e políticas pelo direito à saúde”, enfatiza Maria do Socorro. “Por isso há a necessidade de articular a agenda da Saúde com a agenda geral da sociedade. A agenda é reforma democrática do Estado e direitos sociais”, defende.

O fortalecimento das representações existentes e a inclusão na 15a CNS de novos segmentos da sociedade que estão representados de forma minoritária ou de fora dos conselhos de saúde, assim como inscrição livre para o cidadão comum, são algumas das inovações destacadas pela presidente do Conselho, Maria do Socorro. “O CNS tem colocado no debate interno a questão da paridade de gênero. As mulheres estão expressivamente nos conselhos municipais de saúde, mas nossa representação sofre redução nas esferas estaduais e nacionais do controle social. Na composição do Conselho Nacional de Saúde, nós, mulheres, somos minoria. Na 15a CNS a participação da juventude também deve ser assegurada”, defende Socorro.

Para Maria do Socorro, as discussões sobre o financiamento e a relação público-privado da saúde será um dos temas mais debatidos devido ao contexto político, em que a sustentabilidade do SUS está em xeque. Porém ela enfatiza outros temas que também são prioritários na 15a CNS: o direito à saúde e serviços de qualidade, a valorização do trabalho e a educação em saúde; gestão e modelo de atenção à saúde, ciência e inovação tecnológica, política de comunicação para o SUS e o reforço à participação popular.

O documento orientador para a realização das conferências estaduais e municipais está previsto para ser aprovado na reunião do pleno do Conselho Nacional de Saúde em maio. “O documento orientador será construído a partir de diretrizes e respectivas ações estratégicas”, adianta Maria do Socorro. O objetivo, segundo ela, “é que esse documento ganhe uma dimensão de planejamento ascendente, que possa incidir sobre os Planos de Saúde”, explica. Vale ressaltar que ainda neste semestre, o pleno do Conselho Nacional de Saúde vai analisar uma nova versão do plano de aplicação de recursos federais em saúde para os próximos quatro anos. A expectativa é a de que o Plano Nacional de Saúde (PNS) e o Plano Plurianual (PPA) absorvam as contribuições feitas pelos conselheiros nacionais ao texto.

A expectativa é a de que as proposições aprovadas na etapa nacional apontem também para as diretrizes prioritárias para enfrentar os gargalos do SUS. “A agenda do governo tem que incluir as expectativas da sociedade e enfrentar os principais problemas do SUS para que este resgate sua credibilidade junto à população”, espera Maria do Socorro.

Confira a entrevista completa e o vídeo, em que a presidente do Conselho Nacional de Saúde, Maria do Socorro de Souza, reforça a importância da participação dos gestores na realização da 15a CNS.

O que a senhora destaca como inovador na 15a Conferência Nacional de Saúde (CNS)?

Maria do Socorro: Como a Conferência Nacional de Saúde acontece a cada quatro anos, a gente tem que observar o momento político em que ela ocorre.  Então, há a necessidade da gente articular a agenda da Saúde com a agenda geral da sociedade, como a reforma democrática da política e dos meios de comunicação, direitos sociais (…) Nesse sentido, os espaços onde se discutem Saúde devem se articular para discutir essas grandes agendas.  Também devemos pensar a 15a CNS não como um evento, mas como um processo político que se articula com outras lutas sociais e políticas (…) Nesta 15a CNS estamos tratando como inovação a inclusão de novos segmentos da sociedade que estão de fora ou representados de forma minoritária nos espaços de controle social da saúde. A resolução 453/2013, que diz respeito a composição dos conselhos, não é comprida no âmbito dos municípios e Estados, seja pela dificuldade de organização dos movimentos sociais, seja também por resistência da gestão de legitimar este espaço. O caráter popular das conferências, trazendo população negra, jovem, rural, LGBT e outros segmentos, visa fortalecer a defesa do SUS e fazer com que esses segmentos venham a disputar seus espaços mais permanentes nos conselhos.

Outra inovação é a forma de mobilização com as plenárias populares regionais e com as conferências livres, para que diversos segmentos da sociedade tomem iniciativas próprias, a exemplo do que já fizeram Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn), Fórum de Entidades Sindicais, Movimento Popular de Saúde (Aneps), estudantes de saúde coletiva da UFBA, UnB e Unicamp, etc.

Outra inovação é a tecnológica, articulada com a estratégia de comunicação, para falar com a população o que é o SUS e qual seu direito à saúde. O CNS lançará um portal em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) para que neste portal (www.conselho.saude.gov.br/web_15cns/index.html) todas pessoas tenham informação sobre a conferência. Além de interagir com o cidadão, este portal permitirá o credenciamento livre para quem quiser participar, desde que custeie seu deslocamento e hospedagem. A alimentação e o direito de voz estarão assegurada.

Sobre o contexto político que a 15a CNS se realizará, a questão do financiamento da Saúde continua sendo a luta primordial?

Maria do Socorro: Definimos grandes prioridades e todas elas se articulam, são elas: o direito à Saúde e a qualidade do serviço; o financiamento e a relação público-privado; a valorização do trabalho e a educação em saúde; gestão e modelo de atenção, ciência e inovação tecnológica, política de comunicação para o SUS, e o reforço à participação popular. As discussões sobre o financiamento e a relação público-privado na saúde, com a entrada do capital estrangeiro na assistência à saúde, estão mais tensionadas. O tema sobre o direito à saúde se dá no cotidiano da população, na luta pela qualidade dos serviços. A questão da valorização do trabalho, que passa pela discussão de Plano de Cargo, Carreira e Salários, é uma forma de enfrentar a terceirização e a privatização da saúde, mas esta luta emperra porque ela tem uma dimensão que é trabalhista e sindical, e envolve responsabilidade de trabalhadores e gestores. A conferência é um espaço para potencializar esta luta. A ciência e tecnologia é uma pauta que o controle social não se apropriou muito (…) mas a gente defende que o SUS precisa produzir pesquisas e conhecimentos de atendam mais as necessidades da população reduzindo custos e a dependência do país frente aos mercados externos. Já o tema da participação direta, do controle social, está em disputa. O Congresso Nacional está passando por cima dos interesses da sociedade e defendendo interesses de grupos econômicos e políticos minoritários.

Por que as discussões sobre o financiamento estarão mais em disputa?

Maria do Socorro: O SUS existe há 26 anos e o financiamento, assim como a relação público-privado, é um problema mal colocado e mal resolvido desde sua origem. Estamos passando por uma crise econômica em que o governo federal tem adotado ajustes fiscais que inclui corte no financiamento de políticas públicas que asseguram os direitos sociais. E lamentavelmente tem adotado medidas que favorecem o setor privado em detrimento do público. Já o Congresso Nacional tem aprovado medidas, como o Orçamento Impositivo, novas regras de financiamento da saúde, abertura do capital estrangeiro para a assistência à saúde, e apresentado projetos controversos, como planos privados para todos trabalhadores com carteira de trabalho assinada. Há um ataque sistêmico ao SUS e ao direito à saúde da classe trabalhadora brasileira, que é constitucional. Essas disputas implicam disputar o papel do Estado como provedor de um sistema público e universal. Implica se posicionar contra uma política econômica que deixa a cidadania refém do sistema financeiro.

Como está sendo a discussão interna para inclusão de novos segmentos sociais na 15a CNS?

Maria do Socorro: A saúde é um lugar de defesa do direito, da cidadania, do cuidado, da participação democrática. Apesar desses princípios, há muitas desigualdades nas representações entre segmentos sociais, e isso nos exige superar barreiras de acessibilidade, de gênero, de geração e diferentes formas de preconceitos e discriminações.  Temos sujeitos importantes legitimamente representados, mas alguns outros ausentes ou em minoria, dentre estes rurais, população de rua e sem-teto, jovens, etc. Por isso o CNS entende ser necessário ampliar a base social das conferências de saúde resgatando o caráter popular, sem, contudo comprometer a paridade de 50% de usuários, 25% de gestores e prestadores e 25% de trabalhadores da saúde. Estamos enfrentando as resistências internas, como o regionalismo, corporativismo, machismo, sexismo, racismo, homo e lesbiofobia, dentre outros preconceitos. Estamos desenvolvendo novas formas de mobilização, via redes sociais e plenárias populares. Incentivamos os muitos jovens que estão fazendo uma escolha de carreira no SUS, para virem participar desses espaços de participação.

Qual a estratégia para mobilizar este público?

Maria do Socorro: Além das plenárias regionais, os conselhos, as entidades e os movimentos sociais estão tomando a iniciativa de realizar plenárias e conferências locais. Vamos adotar o credenciamento livre para facilitar a vaga. Isso tem sido o diferencial.

Qual a expectativa com as plenárias regionais de mobilização que começaram em março?

Maria do Socorro: A finalidade é mobilizar e organizar grupos diversos, aglutinando sujeitos e forças sociais em defesa da reforma democrática do Estado e em defesa dos direitos sociais. É analisar o cenário político em que vai acontecer a 15ª CNS e conferir se a agenda política proposta pelo CNS está em sintonia com as expectativas da sociedade, em especial dos conselhos e movimentos sociais. A Conferência de Saúde do Trabalhador e Trabalhadora, que se realizou em dezembro de 2014, já deixou um bom capital político para mobilização da 15a CNS, porque ela foi para as macrorregiões e mobilizou cerca de 200 mil pessoas. As centrais sindicais mobilizam a classe trabalhadora em diversos lugares do país. Nas plenárias regionais e na 19ª Plenária Nacional de Conselhos e Movimentos Sociais, no período de março a abril, vamos mobilizar diretamente cerca de 5000 pessoas.

Quando será publicado o documento orientador para as conferências municipais e estaduais de saúde que antecedem a 15a CNS?

Maria do Socorro: O documento orientador será aprovado na reunião do pleno do Conselho Nacional de Saúde em maio. Enquanto não fica pronto, vamos dispor outros documentos no site do CNS, entre eles a agenda que elaboramos para eleições de 2014, as resoluções e o Regimento da 15a CNS, com os eixos definidos. Isto já dá um bom norte para as conferências locais.  A intenção é que este documento orientador ganhe uma dimensão de planejamento ascendente, que possa incidir sobre os Planos de Saúde. Mais do que definir 900 deliberações, como ocorreu em conferências anteriores, queremos focar nos temas prioritários e avançar na construção de diretrizes que deverão ser viabilizadas por ações estratégicas.  O documento final da 15a CNS tem que ter um formato que vá neste sentido. Os Planos de Saúde raramente são feitos de forma participativa e frequentemente ocorrem de forma burocrática. Os planos de saúde precisam aproximar prioridades de governos das prioridades da sociedade e assim se legitimar junto à população. Está em xeque a forma de governar de cima pra baixo. Contudo, isso não significa dizer que todas as proposições e posicionamentos políticos da 15a CNS vão caber neste formato de documento. (…)Vamos defender proposições como carreira, fontes de financiamentos para o SUS, como por exemplo a taxação de grandes fortunas. Ressalta-se que o papel de aprovar o Plano de Saúde e monitorá-lo faz parte das reuniões ordinárias dos conselhos, a Conferência deve apontar diretrizes e proposições.

Há críticas sobre o número excessivo de ementas aprovadas em conferências, como na 14a CNS foram quase 900. O que podemos esperar para a 15a CNS?

Maria do Socorro: O exercício de formular e deliberar sobre diretrizes e ações estratégicas para implementar as políticas de saúde, incidindo nos Planos de Saúde, dará uma certa unidade, qualidade e densidade nas proposições. Vamos repetir as mesas de diálogos temáticos, que tem servido para analisar e atualizar a avaliação acerca da situação de saúde da população brasileira, analisar o cenário político, debater aspectos importantes das políticas de saúde, pois nem tudo se traduz nas deliberações aprovadas que integram o relatório final. A estratégia passada da 14a CNS, com a Carta, que foi muito polêmica, foi uma tentativa malsucedida que não deu conta de expressar as contradições existentes no debate. Se a 15ª conseguir produzir e aprovar um documento que expresse o que é estratégico, o que é prioridade, e se os governantes adotarem como referência da vontade popular, estaremos contribuindo para resgatar a credibilidade do SUS junto à população.

Sobre os dois Laboratórios de Inovação sobre Participação Social realizados em parceria com a Opas, qual a contribuição esta iniciativa para a organização da 15a CNS?

Maria do Socorro: A iniciativa foi importante porque o tema controle social não tem motivado pesquisas no meio acadêmico e tem sofrido desgastes junto aos movimentos sociais. Experiências que foram valorizadas pela iniciativa dos Laboratórios de Inovação serviram de referência pra gente porque foram sistematizadas e divulgadas, como por exemplo da formação de conselheiros de Betim, Minas Gerais. No controle social, a produção de conhecimento é muito normativa e se expressa em atas, resoluções, recomendações, relatórios, que apesar de sua importância não expressam as contribuições do controle social na saúde realizado no Brasil. O Brasil precisa fazer a tarefa de casa, que é uma reflexão sobre a fragmentação da luta social  e política pelos direitos sociais, e isso passa pelo controle da saúde nas políticas públicas (…)para fazer a defesa dos direitos sociais que num momento de crise do capitalismo está em xeque.

Em vídeo, a presidente do CNS Maria do Socorro reforça a importância da participação dos gestores na realização da 15a CNS.


(Foto: Flaviano Quaresma - Abrasco)