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segunda-feira, 29 de junho de 2015

Mesa explora os desafios da urbanização na conformação de cidades sustentáveis

"Mais do que em qualquer outra época, a humanidade está numa encruzilhada: um caminho leva ao desespero absoluto; o outro, à total extinção. Vamos rezar para que tenhamos sabedoria na hora de escolher", disse o jornalista e especialista em gestão e ambiental Agostinho Vieira, citando uma célebre frase do escritor e cineasta Woody Allen, durante as apresentações do IV DSSA Debate. O encontro, que teve foco na vida das populações e das cidades, reuniu visões diferenciadas sobre os desafios da sustentabilidade e as possíveis formas de diminuir os impactos da urbanização. Cada qual com a sua abordagem, tanto o especialista em comunicação como a doutora em planejamento urbano e regional, Lucia Capanema, apontaram a premente necessidade de frear o consumo e mudar atitudes. O debate foi realizado no âmbito das comemorações Mês do Meio Ambiente da ENSP.
 
Lucia discorreu sobre a teoria da sustentabilidade e sua prática no Rio de Janeiro, além de descrever a definição de cidades saudáveis, cidades sustentáveis e cidades habitáveis. Segundo a expositora, documentos mostram que o conceito de cidade saudável começou a ser desenvolvido em 1974, quando se determinou uma nova perspectiva para a saúde – ampliando o conceito focado no indivíduo para a saúde do seu entorno, do meio ambiente, hábitos, estilo de vida, organização dos serviços de saúde, acesso etc. 
 
Mais de duas décadas depois, em 1995, a Organização Mundial de Saúde (OMS) definiu o conceito de cidade saudável como sendo um ambiente físico limpo e seguro; com ecossistema estável e sustentável; alto suporte social, sem exploração; necessidades básicas satisfeitas; acesso a experiências, recursos, contatos, interações e comunicações; economia local diversificada e inovativa; orgulho e respeito pela herança biológica e cultural; serviços de saúde acessíveis a todos; e alto nível de saúde. 
 
Já o conceito de cidade sustentável surgiu a partir do Clube de Roma, formado por um grupo de empresários que reuniu cientistas para pensarem sobre os limites de consumo do mundo. Não exatamente numa perspectiva de sustentabilidade, mas com a ideia de assegurar o consumo e crescimento constante de capital. Contrapondo-se a esta ideia, anos depois, outros pensadores buscaram agregar esse conceito à necessidade de integração com a satisfação de necessidades básicas; à solidariedade com as gerações futuras; preservação do meio ambiente, emprego e renda; e ao respeito a outras culturas. 
 
Segundo Lucia, foi na Eco 92, realizada no Rio de Janeiro, que se documentou pela primeira vez o perigo do atual modelo de desenvolvimento econômico para o meio ambiente. Na ocasião, foi dito claramente que não existiria meio ambiente saudável se, socioeconomicamente e culturalmente, as sociedades não fossem saudáveis. “Tanto o discurso das cidades saudáveis como o discurso das cidades sustentáveis são similares no que se refere a questões social, econômica, ambiental e cultural. Porém, ambos deixam de abordar as questões relativas à dominação capitalista dos meios de produção”, comentou.
 
Lucia descreveu ainda a sustentabilidade sistêmica, que abrange o social, o econômico, o cultural e o ambiental. “A sustentabilidade local precisa se apoiar nesses quatro pilares para ser efetiva e equilibrar esses campos com foco no habitante local”, disse. 
 
Ao mencionar o momento atual da cidade do Rio de Janeiro, o último e mais recente termo utilizado – cidades habitáveis –, segundo Lucia, tem um discurso aberto e foi abraçado pelos planejadores urbanos oficiais e pela mídia. “Além de habitável, ele também abrange aspectos de cidade sustentável e saudável. Ainda que de modo equivocado ou parcial, o termo incita questionamentos em face à realidade da cidade”. 
 
Alunos de mestrado falam sobre sustentabilidade em instituições e ainda sobre o papel da mídia na construção de imaginários sociais
 
Cássia Rodrigues apresentou seu trabalho de mestrado sobre sustentabilidade em instituições culturais, que, segundo ela, pode extrapolar instituições sociais e não-governamentais. A aluna questionou: o que podem as referidas instituições diante de uma sociedade que elimina suas referências para dar lugar à renovação de usos e costumes, imagens e valores em uma busca incessante pelo mercado, caracterizada pelo utilitarismo que destrói memórias individuais e coletivas? 
 
Para ela, muitos são os impasses a serem enfrentados relacionados à urgência da sustentabilidade. “São inadiáveis as mudanças comportamentais e de mentalidade, e o reconhecimento da sustentabilidade como tema iminente; e não como tópico da moda e estratégico”, afirmou Cássia em sua apresentação. 
 
Já o aluno de mestrado Frederico Damásio abordou o papel da mídia na construção do imaginário da população sobre a cidade do Rio de Janeiro. “Diferentemente do que ocorreu em algumas cidades, não houve consulta popular para conhecer a vontade de sediar os Jogos Olímpicos ou para saber se concordavam com os megaprojetos desenvolvidos aqui - mesmo com todo o ônus da sua realização”, apontou. 
 
Seu trabalho salienta que ações como a construção da Linha 4 do metrô, a revitalização da região portuária e as instalações dos Jogos Olímpicos na Barra são devidamente alardeadas cotidianamente pela mídia e reforçam a estratégia de ‘vender’ a cidade e ignorar problemas crônicos em regiões afastadas e consequentemente não valorizadas. “Existe um marketing tanto por parte do poder público, que ‘bancou’ os eventos e empreendimentos, como por parte da mídia, cujo discurso promove a aceitação do evento, mesmo com decisões - no mínimo - controversas sendo tomadas por parte do estado”, alegou ele.
 
Qual o tamanho do nosso problema?
 
Encerrando as apresentações do encontro, o jornalista Agostinho Vieira traçou um panorama da criação do planeta e da inserção do homem na história da humanidade. “Temos que encontrar uma forma diferente de viver. O homem foi a espécie que mais interferiu no planeta. Em tese, deveríamos estar unidos. No entanto, estamos cada vez mais isolados. Neste momento, em especial, deveríamos agir com mais humanidade uns com os outros”, recomendou.
 
De acordo com Agostinho, o planeta não precisa ser salvo. “Quem está ameaçado somos nós, seja vivendo em um mundo sustentável, saudável ou habitável”, alertou. Ele trouxe como questionamento o tamanho do nosso desafio. “Temos atualmente 768 milhões de pessoas sem acesso à água potável; 2,5 bilhões vivendo sem saneamento básico adequado; mais de 1,3 bilhão de pessoas vivendo sem eletricidade. No Brasil, 7 milhões de pessoas não têm banheiro em suas residências; somente 48,3% do esgoto é coletado e quase 39% destes são tratados. Tem gente demais no mundo. Dentre todos os fatores que aumentam o aquecimento global, o crescimento da população e do consumo são os piores. Quanto mais gente, maior é a pressão”, disse ele, comentando ainda que seu novo trabalho tem como foco a economia colaborativa. “Acredito que essa é uma possível saída”.
 
Uma análise do IBGE, dos anos de 1992 a 2009, mostrou um percentual de aumento de cerca de 10% no uso de iluminação elétrica, pouco mais de 10% no alcance da rede geral de água, de 13,6% da rede coletora de esgoto e fossa séptica ligada a essa rede e, por outro lado, um incrível aumento de 65% no uso de celular. Outro dado interessante é que a população mundial cresceu 9,65%, enquanto a produção de lixo aumentou 21%. “Preocupante é saber que o Brasil recicla somente 3% do total produzido”. Sobre isso, o jornalista recomendou a leitura do livro Colapso - Como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso, de Jared Diamond, que, segundo Agostinho, é considerado o melhor livro do século XXI até agora.
 
“É no mínimo ousado um jornalista vir à Escola Nacional de Saúde Pública e falar sobre doenças. Entretanto, gostaria de citar uma frase - que não é dele -, mas que conheci por intermédio do Sergio Arouca: ‘A doença está socialmente determinada’. Infelizmente, no Brasil isso é uma verdade. Inúmeras pessoas vivem em condições sub-humanas, sem abastecimento domiciliar, esgotamento sanitário e uma série de necessidade básicas. Uma criança que vive nesse meio já larga perdendo de 2X0 para uma outra que tenha acesso à água potável, por exemplo. Para mim o mais importante desafio da sustentabilidade é o saneamento. O aquecimento global é uma ameaça enorme, mas o saneamento é a nossa grande vergonha”, considerou o inconformado Agostinho. 
 
Segundo ele, os jornalistas são muito bons no imediatismo. “Porém, quando se fala em sustentabilidade do jornalismo, acredito que o que falta é uma análise mais aprofundada sobre os casos. Nada acontece por acaso ou surge de repente, toda história tem um histórico. Informações precisam ser mais qualificadas e os jornais, de uma maneira geral, tratam temas de extrema importância para a população com certa negligência, sem debater ou dar espaço suficiente para as questões”. Agostinho apontou que a culpa não é somente das grandes corporações. Para ele “o profissional também tem a sua parcela, pois pode trabalhar melhor a pauta e analisar diferentes pontos de uma questão, considerou.         
 
O encontro foi coordenado pelo jornalista da ENSP Filipe Leonel, especialista em comunicação em saúde e que possui dez anos de experiência na área da divulgação científica. A pesquisadora do DSSA/ENSP e coordenadora da Rede Brasileira de Habitação Saudável Simone Cynamon (DSSA) foi a debatedora. Para ela, este foi um debate muito rico e que atinge objetivos importante para nós da ENSP. “Trabalhamos sempre com informação em saúde, mas nunca a colocamos em primeiro plano. Esse é um movimento de mudança que precisamos fazer, pois na academia somos produtores de informações muito relevantes e de qualidade”, apontou. Ela também questionou qual o papel da academia frente às nossas cidades que estão doentes, insustentáveis e inabitáveis. “O que podemos e devemos fazer? Nossa produção não deve ficar só na teoria”, alertou Simone.