Como resolver a tensão entre o poder das autoridades para investigações criminais e a privacidade? Esse debate voltou à tona com o impasse recente entre o FBI e a Apple. O órgão do Departamento de Justiça americano demandou que a gigante da tecnologia desse acesso a um telefone celular de um dos envolvidos no atentado de San Bernardino, na Califórnia, ocorrido no início de dezembro do ano passado. Já a empresa se recusou a conceder esse acesso, sob alegação de que a privacidade de todos os seus usuários estaria em risco. O pesquisador e cogestor do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da Escola de Direito do Rio de Janeiro da FGV (Direito Rio), Luiz Moncau, analisa.
O pesquisador explica que os novos meios de comunicação e as tecnologias de criptografia não podem ser analisados da mesma forma que os antigos. As tecnologias mais recentes evoluíram para colocar a segurança das informações nas mãos dos próprios usuários, impossibilitando o acesso por parte das empresas aos seus dados. Isso que impediria, tecnicamente, a Apple de atender a uma solicitação como essa do FBI.
Para Moncau, a solicitação do FBI para que a empresa desenvolvesse tecnologia para facilitar o acesso a um telefone e permitir que as autoridades vasculhassem o aparelho traz sérios riscos. Se atendida pela empresa, pode criar uma série de vulnerabilidades e riscos à segurança de todos os usuários de aparelhos da Apple. Segundo o pesquisador, a criação de uma chave de acesso que não fique nas mãos do usuário gera uma série de questões de segurança.
“Quem ficaria com a posse dessa chave? Isso cria um novo ponto de vulnerabilidade, pois hackers de todo mundo buscariam por ela. Se essa chave fica com uma autoridade, quem garante que não haverá exacerbação desse poder? Por se tratar do celular de um terrorista, a primeira coisa que se pensa é que deve haver uma forma de a empresa fornecer os dados, mas a tecnologia avançou de tal forma que isso não é possível sem criar uma vulnerabilidade para todos”, explica.
No dia 1° de março, um juiz de Nova York deu razão à empresa norte-americana em um caso envolvendo um acusado de tráfico de drogas, afirmando que o pedido do FBI não poderia se basear na lei de 1789 que fundamentou o pedido. Para Moncau, o caso Apple e FBI tem semelhanças com os recentes desenvolvimentos do caso da prisão do executivo do Facebook, no Brasil.
"Nos dois casos, a tensão entre segurança e privacidade está presente. E o que se vê é o avanço do interesse das autoridades sobre os dados de serviços digitais. No caso do Facebook, entretanto, é muito complicado se posicionar por conta da ausência de informações em um processo que corre em sigilo. O Brasil precisa debater essa questão mais francamente, não apenas em processos sigilosos", concluiu.