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sábado, 30 de abril de 2016

Exposição: “Nuno Ramos - O Direito à Preguiça”

Carne

O Centro Cultural Banco do Brasil de Belo Horizonte inaugurou dia 27 de abril de 2016 a exposição inédita “O Direito à Preguiça” do artista Nuno Ramos. Ao andar pelo pátio e salas do CCBB BH, o público vai se surpreender com elementos que emitem movimentos e sons, como sambas de Carmem Miranda e Nelson Cavaquinho; instalações que fazem a decomposição de jornais e até produzem cachaça. 

“Eu quis fazer aqui por causa desse pátio, que eu acho lindo. Meu anzol foi esse”, conta Nuno Ramos, encantado com o espaço no CCBB de Belo Horizonte.

Embora o “anzol” seja o encantamento com o lugar, a inspiração veio da obra que deu nome à exposição: “O Direito à Preguiça”, um texto do genro de Marx - Paul Lafargue. Trata-se de uma publicação que questiona a visão do trabalho como algo dignificante e benéfico, já que os operários de Paris tinham naquela época (1880) jornadas de trabalho que superavam as 12 horas diárias (por vezes estendendo-se até 17 horas). Lafargue discute o pecado capital e o ócio como direito. 

A instalação “O Direito à Preguiça (andaime-órgão)” que ocupará parte do pátio do CCBB traz um órgão-andaime, ou seja, um andaime que toca como um órgão, chegando a quase 15 metros de altura. Alguns dos tubos do andaime (entre 20 e 30) serão substituídos por tubos de órgão. Um compressor mandará ar ao longo do andaime, até encontrar os tubos adequados, fazendo com que toquem o "Samba de uma nota só”, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes. Esta programação será feita através de um software computacional, desenvolvido especialmente para essa instalação, de forma a conseguir tocar essa música em loop. 

“Essa exposição tem um quê de protesto, é mais irritada. Há uma irradiação da ideia do “O Direito à Preguiça” para os outros momentos da exposição. Está tudo interligado”, diz Nuno, referindo-se às outras obras que compõem a mostra.

Assim, na exposição de Nuno Ramos no CCBB de BH estão palavras, vozes, sons, cantos, performances, gangorras, andaimes, elementos unidos por uma ideia em que se quer contestar o que aí está. 

Demais obras da exposição:

Paredes - O grito/José (parede 1)  - Laranja, vermelho, amarelo/ Pirata da perna de pau (parede 2) - Trata-se de dois aquários em formato de cunha que “entram” e deformam as paredes onde se apoiam, deformando-as também do outro lado. O espectador, assim, terá acesso aos dois lados dessas paredes. Em um dos lados, verá a estrutura de metal e vidro, com líquido e peixes, penetrando as paredes, duas dessas estruturas serão aquários com peixes dentro e a outra, a terceira, será escura, com nanquim dentro. A grande parede, que suporta, a ao mesmo tempo é deformada por estes aquários/cunhas terão também fileiras de falantes, que repetirão em looping o áudio de um leilão de arte numa grande casa de leilões (Sothebys). No audio, as seguintes obras são leiloadas: O Grito, de Edward Munch; Vermelho/Laranja /Amarelo, de Mark Rothko. São obras que alcançaram várias dezenas de milhões de dólares, em valores progressivos, numa contagem de milhões. O áudio é do leiloeiro, enunciando estes números. O verso dessa parede, terá um único falante, de onde será emitido um monólogo solitário. A idéia é criar um objeto estranho, uma cunha/aquário em grandes dimensões, com suficiente força material e simbólica para comprimir e atravessar toda a carga institucional das paredes de um Museu, que num lado respondem a esta compressão emitindo o canto da arte enquanto mercadoria (os valores de um leilão) e do outro o canto da arte enquanto produção de um imaginário (o monólogo de um artista).

“As paredes emitem esse leilão, como se fosse um grito. E do outro lado uma coisa bem singela, a voz de Drummond e um samba quase infantil de Braguinha (“Eu sou o pirata da perna de pau”...), fazendo o contraponto à agressividade do leilão. Esse é um trabalho bem esquisito, meio raivoso”, reflete Nuno.

Gangorras  - Vou partir - paraNelson 4 (gangorra 1) / Lá em Cascadura (gangorra 2) As obras apresentam a idéia de troca, de relação e equilíbrio entre elementos díspares. Em Gangorras, elementos sonoros (fala, canções) e materiais (vidro, cobre) serão postos em relação de equilíbrio físico sobre um trilho, apoiado no meio como uma gangorra. Na primeira Gangorra (Vou partir - para Nelson), o áudio de um filme com Nelson Cavaquinho falando e cantando será contraposto a uma pequena destilaria de cachaça, posicionada na outra ponta do trilho. “Serão 24 garrafas, 24 quadros do filme, um quadro por garrafa de cachaça. Será uma balança em equilíbrio”, detalha Nuno. Na segunda Gangorra (Lá em Cascadura), um samba de Carmem Miranda que diz “Isso não se atura/ lá em Cascadura”) será contraposto a uma espécie de liquidificador que baterá a polpa de jornais do dia. “É a notícia virando matéria de novo, voltando a ser uma coisa orgânica com o processamento dos jornais”, explica Nuno.

Hora da Razão (Choro negro 3) - Composta de três formas geométricas, em vidro, como paralelepípedos assimétricos e irregulares, que carregam a memória de túmulos e lápides, onde pousam sólidos feitos de breu. O vidro é aquecido nos pontos de contato com o breu, que escorre sobre a superfície do vidro e sobre o piso – num choro negro. Dentro dessas formas, o samba “Hora da razão”, do compositor baiano Batatinha, é entoado nas vozes de Rômulo Fróes, Eduardo Climachauska e Nina Becker, em monitores com a imagem dos intérpretes.

Confissões de uma máscara - Uma série de 17 desenhos que, inspirado pelo livro homônimo de Yukio Mishima, tematiza o jogo entre aparência e realidade, entre ator e máscara. 

No Sé  (O templo do sol) - A idéia da performance começa com a história “O templo do sol”, de Tintim (Hergé). Nela, o professor Girassol é sequestrado, por usar uma pulseira inca, e levado ao Peru. Tintim e o capitão Hadock vão atrás do amigo, e mostram sua foto aos índios, que respondem invariavelmente No SÉ. Embora Tintim seja sabidamente um projeto com conotação colonialista, este No Sé mostra resistência e ironia.

Na performance há dois “tapetes”. No primeiro, plantas e falantes formam um estranho jardim,  atravessando um tapete árabe, com motivos florais, com terra embaixo e a plantação (flores e falantes) em cima. Este tapete-jardim-caixa–de-som emite as respostas do ator, que se posiciona no segundo “tapete”, composto por uma fina camada de cal. O ator chega ao local da performance, despe-se e caminha até o tapete de cal. Nele, há um retângulo vazio, sem cal, com um microfone que vem do teto até a altura de um homem deitado. Ele se deita nesta marca vazia, cobre-se com cal e espera pelas perguntas. Uma cadeira inclinada com um toca-cd emite um número enorme de perguntasàs quais o ator responde, invariavelmente, e com entonações diversas, “No Sé”. O ator levanta-se ao final das perguntas (em torno de15 minutos) , caminha até o album do Tintim, aberto na página referida, e escreve No Sé sobre ela. Põe suas roupas e caminha para fora da sala.

A performance será mostrada em vídeo. 


Sobre o artista

Nuno Ramos nasceu em 1960, em São Paulo, onde vive e trabalha. Formou-se em Filosofia pela Universidade de São Paulo em 1982. Artista plástico e escritor, participou de diversas exposições coletivas, como a Bienal de Veneza de 1995 e a 29ª Bienal Internacional de São Paulo em 2010, em 2013 Moving – Norman Foster on Art, Carré d’Art Museu, Nîmes, França em  e em 2014 First Escape and Rescue Plan for the Rhine-Main Region, Künstlerhaus Mousonturm, em Frankfurt, Alemanha. 

Em suas exposições individuais, destacam-se Morte das Casas, Centro Cultural Banco do Brasil (2004), Nuno Ramos, Instituto Cultural Tomie Ohtake (2006), Mar Morto, Galeria Anita Schwarz, Rio de Janeiro (2009), ganhadora do Prêmio Bravo! - Melhor exposição do ano, Fruto Estranho, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (2010), em 2012 O globo da morte de tudo, em parceria com Eduardo Climachauska, na Galeria Anita Schwartz, no Rio de Janeiro e 3 Lamas (Ai, pareciam eternas!), na Galeria Celma Albuquerque, em Belo Horizonte,  em 2014 Ensaio Sobre a Dádiva, na Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre e em 2015 Houyhnhnms, na Estação Pinacoteca em São Paulo. Ganhou diversos prêmios, incluindo o Grand Award (pelo conjunto da obra) – da Barnett Newmann Foundation (2007). 

Publicou em 1993 o livro Cujo, pela Editora 34, em 2000 Minha Fantasma, edição de autor, em 2001, O Pão do Corvo, Editora 34, em 2008, Ensaio Geral, Editora Globo, em 2009, Ó, Editora Iluminuras (ganhador do Prêmio Portugal Telecom de Literatura), em 2010 publicou O Mau Vidraceiro, Editora Globo, em 2011, Nuno Ramos, pela editora Cobogó e Junco, pela editora Iluminuras e em 2015 publicou Sermões, também pela Editora Iluminuras. Podemos encontrar ainda em sua produção gravuras, pinturas, fotografias, instalações, vídeos e canções.
Foto: Mário Grisolli