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sexta-feira, 1 de abril de 2016

Fernando Molica cria personagem que reflete sobre os dilemas éticos, políticos e amorosos no Brasil contemporâneo

Sozinho em pleno voo, enquanto viaja entre dois continentes, um jornalista carioca se ocupa de escrever uma carta. A destinatária é Eloísa, ex-namorada e ex-chefe, poderosa assessora política. Enquanto desbrava a personalidade e a trajetória da mulher, o protagonista de Uma selfie com Lenin passa em revista a própria jornada, desde que era um repórter mal remunerado até se converter em redator a serviço de políticos de caráter duvidoso. Na missiva, há espaço ainda para ecos de notícias do Brasil, como as manifestações de 2013 e 2014 e o desencanto com o projeto de esquerda para o país.
Com um viés ao mesmo tempo melancólico e irônico, Fernando Molica desvela conflitos éticos e dilemas que marcam a rotina contemporânea, elaborando uma crítica perturbadora de nossa sociedade — da política ao amor. Redige uma trama ágil e original, que tem como ponto de partida a história de um romance turbulento e de uma decisão inusitada: desaparecer. Com isso, também apresenta um saboroso tratado sobre poder e injustiça, memória e esquecimento, desejo e perplexidade. Ou, como afirmou em entrevista, parafraseando a canção: sobre as pequenas dores que se avolumam, o tipo de dor que, tão da gente, “não sai no jornal”. Uma selfie com Leninchega às livrarias no fim de março, pela Record.
Fernando Molica é autor dos romances Notícias do MirandãoO ponto da partida e O inventário de Julio Reis(publicados pela Record), Bandeira negra, amor e o infanto-juvenil O misterioso craque da Vila Belmira.Notícias do Mirandão e Bandeira negra, amor foram publicados também na Alemanha. Lançou ainda o livro-reportagem O homem que morreu três vezes (Record), que recebeu menção honrosa do Prêmio Vladimir Herzog. Dois de seus livros foram lançados na Alemanha. Foi, por duas vezes, finalista do Prêmio Jabuti. Jornalista, assina uma coluna diária no jornal O Dia.
ORELHA:
“Em Uma selfie com Lenin, acompanhamos a trajetória conflitante de um jornalista que vê seus ideais de juventude serem corroídos pelo galopante avanço de uma estrutura política baseada na corrupção. Diante da ruína de suas convicções, o personagem narra com humor, e certa dose de melancolia, sua trajetória profissional e os rumos que trilhou.
O romance, escrito em formato de carta, redigida durante um voo internacional, ambiciona realizar o balanço de toda uma vida. Ao escolher este formato, o autor lança mão da estrutura de uma correspondência íntima, próxima da confissão, que leva o leitor a aproximar-se das contradições do personagem. Afinal, o romance trata de um acerto de contas, da necessidade de narrar e dar sentido a decisões e escolhas dos caminhos previamente percorridos pelo narrador. O destinatário é o próprio leitor, que recebe em mãos uma narrativa que refaz o retrato do Brasil entre fins do século XX e início do XXI.
Uma selfie com Lenin oferece, a começar pelo título, um exame das muitas transformações, e contradições, que marcam o mundo contemporâneo. A selfie, índice máximo do individualismo promovido pelas novas redes sociais, é aqui realizada pelo narrador desiludido, buscando registrar seu encontro com um monumento em homenagem a um dos símbolos da busca por uma sociedade mais igualitária, Lenin.
É com este olhar irônico que Fernando Molica, autor, entre outros, do impactante romance Notícias do Mirandão, constrói uma narrativa ficcional que descreve o vertiginoso declínio de determinados ideários políticos e a ausência de novas alternativas.” (Paulo Roberto Tonani do Patrocínio)
TRECHO:
“Acordei com o dia claro, envolto em lençóis úmidos, manchados pelo sangue que saíra da minha perna. Doía um pouco. Levantei, catei as roupas no chão, joguei tudo no box e tive, enfim, coragem de me ver no espelho. Eu envelhecera, Eloísa. Ao revelar o caso com aquele outro filho da puta da assessoria, ao deixar a taça sobre a pia, ao beijar de leve minha boca e ao sair de casa, Amanda sancionara a minha velhice. Ela, durante aqueles poucos meses, mentira para mim, dissera que eu era jovem. Isso, não com palavras, mas com sua presença, com seu corpo, com seu gozo. Ela retirara cabelos brancos de minha cabeça, gordura de minha barriga, uma ou outra dobra no meu pescoço. Durante todo aquele tempo, eu só me via nela, me achava contaminado por ela. Ao largar a taça, ao dar o selinho, ao sair e fechar a porta, ela quebrou a magia, me devolveu à condição de abóbora. Mais do que me plantar um chifre na testa, ela me esfregou minha própria idade na cara.”
O lançamento do livro acontece no dia 5 de abril, às 19h, no Rio de Janeiro,
na Livraria da Travessa de Botafogo