No momento em que o país está passando por uma crise democrática, o XI Ciclo de Debates - Conversando sobre a Estratégia de Saúde da Família debate se a saúde mental está em xeque ou em choque. Mas essa questão não serve apenas para aqueles envolvidos pela luta antimanicomial, uma vez que estamos vivendo um momento delicado, no qual a presidente eleita, Dilma Rousseff, foi afastada de suas funções, sendo chamado por muitos de "golpe de Estado". Essa foi uma das tônicas apresentadas por Hugo Fagundes, superintendente de Saúde Mental da Secretária Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, durante sua exposição. Para o palestrante, o SUS é o principal instrumento democrático e de justiça social do nosso país pós-Constituição de 1988. Entretanto, no novo cenário que se desenha com a mudança de gestão do Ministério da Saúde, as políticas de Saúde caminham sem o apoio necessário para a garantia de direitos à nossa população.
A mesa A política de saúde mental em xeque ou em choque?, realizada no dia 5 de maio, começou com um palestrante muito especial, o pesquisador da ENSP Paulo Amarante. Em meio à exposição Versamente, homônima ao livro de Jorge dos Remédios e pensada com base em experiências com usuários do Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps) de Angra dos Reis, Amarante, que brincou estar fazendo um stand-up, destacou que, para se pensar os campos da saúde mental e da reforma psiquiátrica, temos de envolver diferentes dimensões da vida como política, cultura e sociedade. “É uma questão de mudança do modelo assistencial; antes voltado para manicômios, e hoje em busca de uma produção de vida e subjetividade como uma estratégia territorial, a partir dos serviços oferecidos pelos Caps”, disse. Conforme lembrou o pesquisador, a área de saúde mental foi pioneira na luta pela democracia e defesa dos direitos, sempre se preocupando com o sujeito e tendo na cultura um conjunto de hábitos e tradições que a sociedade produz para apoiar essa causa.
“A saúde mental não está em estado de choque. É a democracia que está em choque!.” Foi com essa afirmação que o superintendente de Saúde Mental da Secretária Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, Hugo Fagundes, deu início à sua palestra. Segundo o gestor, com a definição de um novo governo, desenha-se um novo Ministério da Saúde com a perspectiva de se trabalhar com modelos calcados num processo excludente e imoral no atendimento aos usuários do sistema de saúde mental. E isso configura-se como um retrocesso para o movimento da Reforma Psiquiátrica brasileira.
Hugo Fagundes está descrente com a atual situação do município do Rio de Janeiro em tempos de Olimpíadas. Para ele, haverá um retrocesso nas políticas de saúde mental, uma vez que ocorrerão ações de recolhimento de pessoas das ruas. “Todo respeito, diálogo e contato construídos nos últimos anos, por intermédio da Secretaria de Desenvolvimento Social, serão jogados fora com um ato absurdo contra uma população já pouco assistida”, afirmou.
A respeito da privatização do SUS, o expositor foi categórico em dizer que “privatizar é algo distante do que está se trabalhando hoje em dia”. Em sua opinião, toda perspectiva de expansão da Atenção Primária em Saúde traz uma série de problemas para uma cidade com mais de 6 milhões de habitantes. “Hoje contamos com mil equipes de Saúde da Família, e apenas 25% delas são ocupadas por profissionais especializados em medicina familiar. Não há, no Brasil, nenhuma Secretaria Municipal ou Estadual de Saúde que consiga se estruturar unicamente no modelo RJU, e isso é um grande problema, pois ainda vivemos num arcabouço institucional de resquícios da ditadura. O SUS não estruturou uma força de profissionais nacional desde que foi criado; foi sucessivamente subfinanciado e com repasses de recursos congelados nos últimos dez anos”, ressaltou.
“Eu não defendo o modelo de OSs, mas essa é a lógica encontrada para fazer a máquina pública funcionar de forma flexibilizada. Não é o ideal, mas é o que podemos oferecer no momento. Temos que lembrar que vínculo CLT não é algo precário. São conquistas dos trabalhadores obtidas após a ditadura da década de 1930. E eu falo de um lugar de gestão. Nossa estrutura atual é inviável, e temos que trabalhar sim pela reforma do Estado. Não defendo a terceirização, mas, para esse modelo subfinanciado que vivemos no SUS, as OSs estão sendo a solução encontrada. Vamos lembrar que a classe média desistiu do SUS e partiu para os planos de saúde privados, assim como desistiu da educação pública nos anos 1970”, encerrou.
Por fim, fechando as exposições do dia, a pesquisadora da ENSP Mirna Teixeira abordou o Programa Institucional Álcool, Crack e outras Drogas da Fiocruz, do qual faz parte, além das diversas ações realizadas pela iniciativa recentemente. Criado em abril de 2014, o programa tem como objetivo apoiar pesquisas e políticas para o desenvolvimento de estratégias de respostas às questões relacionadas ao consumo abusivo dessas substâncias. É vinculado à Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção à Saúde (VPAAPS) e coordenado por Francisco Inácio Bastos, pesquisador do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), reunindo pesquisadores de diversas unidades da Fundação.
Conforme destacou a pesquisadora, a redução do financiamento do SUS é um retrocesso para a reforma sanitária e afetará diretamente o modelo de cuidado existente para o usuário de álcool e drogas. “Temos que lutar para não haver um retrocesso nessa agenda política no país. Os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf) e os Consultórios de Rua são dois pontos extremamente positivos na rede de saúde do Rio de Janeiro para acolher essa população, e não podemos perder essas conquistas por conta de um mal financiamento”, concluiu.