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quinta-feira, 27 de abril de 2017

Diferentes aspectos da febre amarela norteiam encontro na ENSP

Pesquisadores da área de epidemiologia discutiram as diversas questões que cercam o aumento dos casos de febre amarela no país. A vacinação consciente e a melhor organização da vigilância em saúde foram alguns dos temas levantados pelos participantes do Centro de Estudos Miguel Murat de Vasconcellos da ENSP (Ceensp) A expansão da febre amarela Silvestre: desafios e perspectivas. As apresentações do coordenador de Controle de Doenças da Secretaria de Estado de São Paulo, Marcos Boulos, da pesquisadora do Departamento de Endemias Samuel Pessoa da ENSP Andréa Sobral, do consultor científico de Bio-Manguinhos Reinaldo de Menezes Martins, e da coordenadora do Programa Nacional de Imunização (PNI/SVS/MS), Carla Domingues já estão disponíveis, na íntegra, no canal da ENSP no youtube. O encontro foi realizado em 19 de abril, na Escola. 
 
O coordenador de Controle de Doenças da Secretaria de Estado de São Paulo, Marcos Boulos, apresentou uma linha do tempo com dados que revelam o crescimento do número de casos da febre amarela ao longo das décadas e também falou sobre a expansão do seu aparecimento fora de áreas antes habituais de circulação do vírus. Boulos descreveu ainda como acontecem os alertas e como os especialistas atuam em situações de epizootias, ou seja, a morte de uma grande quantidade de animais com a mesma doença, neste caso, macacos com febre amarela. “Quando surgiu o primeiro macaco morto na região de Campinas, São Paulo, tivemos que vacinar primeiro os profissionais de saúde para depois começar a vacinar a população, pois era uma região que nunca imaginaríamos antes que a FA chegaria Não era considerada uma área de recomendação. Neste meio tempo, algumas mortes aconteceram. Isso nos mostra que a vacina causa, de fato, um impacto muito grande na prevenção. Tem que vacinar todo mundo. Agora não temos mais dúvidas. Com isso, vamos, gradativamente, fazer toda a cobertura do estado de São Paulo”, defendeu ele. 
 
Andréa Sobral iniciou sua fala apresentando um mapa clássico com os prováveis trajetos da rota da febre amarela no país e avaliou as séries epidêmicas por regiões. “ Em todas as séries históricas analisadas, a região centro-oeste é a que sempre apresentou um maior número de casos de FA”, comentou. Segundo ela, a ocorrência de epidemias da febre amarela decorrente do ciclo silvestre não é nova e também não está havendo nenhum retorno, pois as epizootias são características da circulação do vírus em ambiente florestal. “Elas apresentam alta mortalidade para os primatas não humanos atingidos e grande risco também para a população humana que entra em contato com esses ambientes ou reside perto de área de mata. O que é novo e muito mais preocupante para nós é o registro de epizootias em primatas não humanos em áreas muito próxima a núcleos urbanos, pois nas cidades o vetor aedes aegypti transmite o vírus de pessoa a pessoa”. 
 
Andréa citou ainda o professor e pesquisador da ENSP, Paulo Sabroza, quando, em 2009, ele apontou que ‘a prevenção e a contenção desta doença exigem fundamentalmente mudanças na organização da vigilância em saúde com ênfase na detecção e investigação de morte de primatas não humanos, a participação de moradores e profissionais do setor ambiental, além da agilidade e confiabilidade no diagnóstico laboratorial. Outra questão central é a capacidade desses serviços de vigilância em demarcar a área sujeita a circulação de vírus, seguida da vacinação de todas as pessoas residentes’. 
 
A parte da tarde do Ceensp A expansão da febre amarela Silvestre: desafios e perspectivas teve foco no desenvolvimento da vacina e o programa de imunização brasileiro para esta doença. A primeira apresentação foi feita pelo consultor científico de Bio-Manguinhos Reinaldo de Menezes Martins. Ele comentou que a vacina da febre amarela é de 1937, foi desenvolvida pela Fundação Rockefeller e aperfeiçoada pela Fiocruz, com grande participação do pesquisador Henrique Azevedo Pena. De acordo com Reinaldo, a vacina tem alto poder protetor e é altamente eficaz para evitar casos e controlar epidemias. Além disso, em geral, somente uma dose imuniza por toda a vida. 
 
Uma questão trazida por ele e que, atualmente, está em debate foi: será que uma vacina eficaz contra a dengue poderia também proteger contra a febre amarela? Segundo Reinaldo, “esta é uma especulação que não é impossível!”. O pesquisador comentou também que está desenvolvemos um estudo para tentar identificar os fatores genéticos envolvidos nos eventos adversos graves à vacina da FA. “Esta pesquisa é de Biomanguinhos e da Universidade de Rockefeller e conta com o apoio do Ministério da Saúde. O estudo começará dentro de algumas semanas, no entanto, vale ressaltar que levamos três anos e seis meses para ter o estudo aprovado. Nosso objetivo é desenvolver um marcador biológico que possa identificar pessoas com risco elevado de eventos adversos graves. Para tanto, teremos um kit de diagnóstico que permitirá a identificação dessas pessoas, as quais terão uma contraindicação e não deverão receber a vacina”, explicou ele. Reinaldo completou dizendo que: “o que se pode fazer hoje é aplicar a vacina com atenção às contraindicações, somente aplicar para quem precisa e não de maneira indiscriminada, e também manter uma boa assistência para a doença viscerotrópica, pois isso pode diminuir a mortalidade”. 
 
Já a coordenadora do Programa Nacional de Imunização (PNI/SVS/MS), Carla Domingues, encerrou o dia de apresentações dizendo que o cenário brasileiro é de surto concentrado na região de Minas Gerais. “Pelo que podemos analisar, não houve migração para Goiás ou o Distrito Federal, mesmo com a proximidade da região. Em contraponto a isso, vemos uma migração muito rápida para o Espírito Santo e Rio de Janeiro”, disse ela. Carla detalhou que, atualmente, temos 359 município com transmissão ativa de febre amarela, com confirmação de 623 casos, 671 casos em investigação, 1128 descartados e um total de 2400 notificados. “É bom salientar que no ano de 2016 tivemos cerca de 300 casos notificados de FA. Isso mostra também que em uma situação de surto, aumenta-se também a sensibilidade do sistema. Em muitos casos, vemos no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) fichas de identificação muito mal preenchidas e, portanto, notificações incompletas. Com isso percebemos que não temos estrutura para lidar com o surto. A medida em que se aumenta o número de casos, prejudica-se a investigação detalhada de cada caso e muitos acabam notificados por vínculo epidemiológico”.