A Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP) vem, por meio desta, oferecer um contraponto às recentes declarações veículadas pelo ministério da Saúde de que a Fiocruz, por ser um órgão do governo, não deveria reunir seu Conselho Deliberativo para emitir notas contrárias a medidas e projetos de autoria do governo. Em tom cordial e aberto ao diálogo, o objetivo desta carta é apontar alguns equívocos nesta declaração, que geram preocupação entre aqueles que trabalham por uma saúde pública que atenda verdadeiramente aos interesses do povo Brasileiro.
A ENSP é uma unidade da Fiocruz, instituição científica centenária, se constitui como um órgão do Estado brasileiro e tem como missão formar profissionais e trabalhadores na área da saúde, bem como promover a pesquisa científica, a inovação em saúde pública e desenvolver as atividades de serviços em saúde sempre ao lado de toda sociedade que, com seus impostos, sustentam essas e outras instituições. Quando uma instituição de ensino e pesquisa vêm a público criticar esta ou aquela ação de um governo, não o faz por mero exercício de opinião, mas embasada em sua produção científica. Para ficarmos em dois exemplos: pesquisas recentes mostram que oito em cada dez acidentes de trabalho acontecem com terceirizados, que ademais sofrem problemas de saúde em decorrência do aumento da jornada de trabalho, perda de estabilidade no emprego etc. Ora, nada mais razoável que diante de um quadro desses, a ENSP se coloque veementemente contra a lei que amplia as terceirizações e fragiliza as conquistas trabalhista.
O outro exemplo vem daqui do lado, do território de Manguinhos. Extensos estudos sobre a determinação social das doenças tiveram por base a experiência ativa dos pesquisadores na comunidade. Manguinhos esteve, há alguns anos, sob os holofotes e viveu momentos de esperança quando nos foi apresentada a política de programas sociais, transporte, educação e segurança. A despeito da onda de otimismo, a produção científica da ENSP manteve sua independência e lucidez e, já na época, projetos como o Laboratório Territorial de Manguinhos apontavam para os danos que o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) estava trazendo para a comunidade, ao alterar de forma brusca e autoritária a vida das pessoas. Procurávamos indicar os ajustes necessários ao atendimento dos anseios do território, da mesma forma que, hoje, chamamos atenção para a redução dos investimentos em saúde e educação e seu impacto negativo nas ações de atenção à saúde.
Manguinhos vive, nesse momento, a tristeza das mortes de moradores e das violências no território, que aumenta o adoecimento da população e afeta também os trabalhadores da ENSP, modificando suas rotinas, gerando estresse e medo. As violências prejudicam também a missão da nossa escola no atendimento direto à população. Vale lembrar que é nosso dever como instituição pública de ensino, pesquisa e atenção a saúde alertar aos governantes deste ou de qualquer governo para a potencial fragilidade quando se opera na mudança dos preceitos legislativos, como as Emendas Constitucionais que reduzem direitos e investimentos sociais. Nossos trabalhadores, pesquisadores, professores e alunos, bem como, seus dirigentes eleitos democraticamente, manterão sempre a coerência sob a luz da realidade brasileira a defesa da saúde pública e da vida.