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sexta-feira, 26 de maio de 2017

Ciclo de Debates discutiu violência nos territórios

"Como se promove saúde num lugar em que de 180 dias só 9 não tiveram tiroteio?" A pergunta sem resposta, provocação que nos faz refletir - ainda que por breve momento - sobre a tragédia social que nos cerca, foi feita por um dos integrantes da mesa "Movimentos Sociais e garantias dos direitos", do XII Ciclo de Debates - conversando sobre a  Estratégia de Saúde da Família. Realizado no dia 17 de maio, o debate contou com a participação de Rafael Calazans, ex-aluno da Escola Politécnica e integrante do coletivo Papo Reto; André Lima, do Conselho Gestor Intersetorial de Manguinhos e do projeto Teias; e Franciele Campos, também integrante do CGI. A coordenação ficou por conta de Teresa Neves, pesquisadora da ENSP. Em tempos de aumento da violência e crise da democracia, foi uma oportunidade para se escutar aqueles que cresceram nos territórios de exclusão e trilharam seus caminhos  na intersecção dos campos da saúde e dos movimentos sociais.

 


O primeiro a falar foi André Lima. Historiador por formação, André fez um apanhando de memórias das últimas décadas no território para contextualizar o atual momento.


- Nós vimos, no vídeo que abriu o evento, o relato dos casos de violência dos últimos anos, mas eu me lembro também dos anos1990, período de muita violência. Foi quando houve as chacinas de Vigário, Candelária e Alemão. Eu lembro  dos alunos andando agachados aqui no campus da Fiocruz, depois veio a blindagem. Desse período também, são as primeiras colaborações da ENSP com o Território, por intermédio do Paps e do Cotram. Nos anos 2000, surgiu o Conselho Gestor de Manguinhos. 


Apesar da existência do Conselho, a presença do estado no território é marcadamente autoritária, não só no que diz respeito à questão policial, segundo André. Para ele, esse fato tem influência direta na maneira como as pessoas se relacionam com a ideia de democracia.


-  Nós somos um bairro marcado por intervenções estatais inconclusas. São decisões verticais, sobrepostas, não participativas, e isso influi na visão de mundo das pessoas, que passam a não querer participar da vida política e não confiam nas instituições, principalmente as policiais.
 


Em seguida à fala de André Lima, foi a vez de Franciele Campos, também do CGI. Ela lembrou das dificuldades que os moradores da favela têm em seu cotidiano para romperem com as barreiras do racismo e da pobreza.


-  São pessoas que ficam presas ao sistema de trabalho. Poucos saem daqui para estudar. A maioria vai trabalhar e volta. É muito difícil estarmos num sistema racista e desigual sem que isso seja mencionado em nossas ações. Muita gente diz que a história se repete. Ela não se repete. Ela vai se estruturando de uma maneira muito mais pesada para quem é pobre.
 


Encerrando a mesa, Rafael Calazans, ex-aluno da Escola Politécnica, raper e integrante do coletivo Papo Reto, começou sua fala agradecendo a oportunidade do encontro.


- É importante lembrar que a Fiocruz é um dos poucos espaços que dão um microfone e vinte minutos para gente que não tem lugar para falar nada. 


Em seguida, Rafael trouxe um dado e uma provocação:


- De 180 dias este ano, o Complexo do Alemão só teve 9 sem tiros. Como é se promove saúde num lugar desses? A gente sabe que, se passou de 5 tiros, o posto de saúde fecha, o agente comunitário de Saúde não vai para a rua, e o território volta a ser de quem sempre foi: da polícia. 


Para Rafael, no entanto, a favela, vista como problema por grande parte da sociedade, é solução.


- Favela é movimento social. Não teria luz na favela se não tivesse mutirão de morador pra carregar poste. É por isso que nós precisamos ter voz, porque mobilidade urbana não é teleférico. É mototaxi. A UPP, que nos foi imposta, foi uma tragédia. As pessoas precisam entender que a vida aqui é sagrada. Direito de favela não se pede pro deputado. Se exige. Parece que o país só descobriu que não vive sob uma democracia agora. A gente sabe disso desde que começa a abrir a boca no Complexo do Alemão.