Páginas

quinta-feira, 1 de junho de 2017

Ciclo de Debates discutiu atuação em territórios vulneráveis

As violências sofridas por quem vive nos territórios de exclusão, muito além dos confrontos armados, estende-se por campos inimagináveis para quem vive do lado privilegiado dos muros. Na favela, até o direito a morrer dentro de casa ou ser enterrado com nome e sobrenome é cerceado. Eis a triste conclusão que se tira dos relatos apresentados durante o quarto dia do XII Ciclo de Debates Conversando Sobre a Estratégia de Saúde da Família. Com o tema Violência nos territórios de alta vulnerabilidade: o lugar da saúde, a discussão contou com a participação de Rafael Morganti e Valeska Antunes, profissionais da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, que atuam em unidades em áreas marcadas pela violência e ausência do estado.

Primeiro a falar, Rafael Morganti lembrou que a presença da saúde nos territórios de exclusão é algo novo.  

- A saúde mental, área em que atuo, está a menos tempo que a atenção básica. Mas temos que lembrar que quem sempre esteve presente nesses territórios é a segurança pública, a igreja e a assistência. A saúde é recente. Isso traz questões e fragilidades. Muitas coisas estão frágeis, inclusive a própria democracia. E, entre essas fragilidades, queria destacar que um projeto que vinha dando certo nos últimos tempos, que era o "De Braços Abertos", foi destruído nos últimos cinco meses. Acabou.

Em seguida, Morganti trouxe dois relatos do cotidiano do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) em que atua. Um deles falava de um senhor que morrera em uma pensão e de quem o corpo levou doze horas para ser removido. Era necessária a presença da polícia, que só chegou depois de muitos trâmites e trocas de tiros. Um outro relato falava de um morador de rua que, ao reclamar de um homem que havia urinado perto de sua família, foi assassinado com um tiro na cabeça.  

- Toda a equipe ficou mobilizada durante seis dias para que W. fosse enterrado como W. Em cada local que íamos, ficava mais evidente que, se a família não acompanhasse, W. seria enterrado como indigente. Nós precisamos falar sobre isso. Outro dia estive em uma exposição sobre a guerra na Síria. O AK-47, a 762 e as granadas das fotos são as mesmas que estão aí na Nova Holanda. No Rio de Janeiro, o policial do Batalhão de Operação Especiais (Bope), quando entra na favela, não tem algema. Porque ele não tem algema? A gente precisa falar sobre isso. Precisamos encontrar uma maneira de registrar esse tipo de trabalho e em que território que estamos atuando.

Em seguida a Rafael Morganti, falou Valeska Antunes. Ela lembrou que a violência urbana vem aumentando nos últimos meses no Rio de Janeiro e também trouxe relatos que dão conta da complexidade dos problemas enfrentados pelos trabalhadores da saúde em áreas como o Complexo da Maré e de Manguinhos.

- Nesses últimos meses, temos visto o aumento da violência no território. Gerou muito impacto a bala que atingiu a Escola Politécnica, aqui na Fiocruz. Na Clínica Victor Valla, que fica em Manguinhos, nós temos mais de oito marcas de projétil no refeitório. A unidade de saúde de Samora Machel, na Maré, fica ao lado de um Ciep, a estrutura física em si já é bastante ruim e fica exatamente em uma região de divisa entre dois comandos diferentes. Em frente à unidade de saúde, tem duas carcaças de veículos abandonados absolutamente cravejada de balas.

Valeska trouxe para o debate também o tema do "Acesso Seguro", que garante aos profissionais de saúde justificativa para não atuar em horas de conflito, mas que, segundo Valeska, nem de longe é efetivo.

-  O "Acesso Seguro" nos dá algum respaldo para justificar a não ida ao território, inclusive o não cumprimento das metas, o que é importante para que se entenda quando há uma queda de produtividade. Mas eu me questiono até que ponto ele dá conta de alguma coisa. Porque ele não garante a segurança de ninguém, nem dos profissionais nem da comunidade que está lá.

Para terminar, a debatedora ressaltou a importância de dar voz e ouvidos à comunidade que sofre mais de perto e constantemente todas essas formas de violência.  

- Acho que temos que nos questionar até que ponto as iniciativas que a gente vem pensando, de acesso seguro, de espaços do cuidado e do cuidador, da gente poder se cuidar entre a gente, dão conta de algum desses problema. Vamos continuar correndo atrás do rabo se continuarmos esquecendo de convidar uma outra parte interessada, para ganhar outro nível de debate nisso, que é a própria comunidade. Se perguntarmos na comunidade se são contra ou a favor da proibição das drogas, vão dizer que são a favor. Justamente as pessoas que mais sofrem a violência da guerra às drogas. Porque nunca foram paradas para um convite a uma reflexão mais aprofundada sobre isso e são metralhadas o tempo todo com informações sobre como as drogas fazem mal à saúde e tem que ser removidas do universo.