O tema do título sempre mereceu atenção do Instituto. Em 2012 e 2013 publicamos dois White Papers (White Paper nº 10 – Gestão Estatal (Parte 1): Despolitização e Meritocracia, e White Paper nº 11 – Gestão Estatal (Parte 2): Governança Corporativa, ambos disponíveis emwww.acendebrasil.com.br/estudo s) e vários artigos foram escritos por nossa equipe nos últimos anos sobre o uso político que tem vitimado as estatais do setor elétrico. Um de nossos pesquisadores desenvolveu sua tese de Doutorado com base em oito anos de estudo deste problema: estatais do setor elétrico sendo apropriadas por políticos e destruindo valor década após década.
Os estudos acima serviram ao propósito de documentar, com rigor analítico, as diferenças de desempenho econômico-financeiro e operacional entre empresas privadas e estatais ao longo de uma série de indicadores. A conclusão é auto-evidente: qualquer que seja o indicador escolhido, as empresas estatais são menos eficientes que as privadas, sendo que os principais entraves à eficiência das estatais são: a) objetivo indefinido; b) indisciplina orçamentária; c) uso político; d) administração inepta (dirigentes da empresa nomeados sem as qualificações requeridas para o cargo); e e) processo decisório burocrático.
Concluímos no White Paper 11 que “o loteamento político precisa ser atacado com rigor e com urgência porque, no melhor dos casos, as indicações políticas sujeitam a gestão das estatais a interferências visando a interesses partidários e interesses de curto prazo… No pior dos casos, resultam em ineficiência, superfaturamento e concessão de benesses a amigos com prejuízo aos contribuintes e acionistas das estatais. As principais recomendações específicas para bloquear o uso político das estatais têm como ponto de partida o recrutamento profissional dos dirigentes das estatais… Se a ênfase na ocupação dos cargos … passar a ser meritocrática e concentrada nas qualificações acadêmicas e profissionais dos candidatos, o espaço para o jogo político e de apadrinhamento será drasticamente reduzido.”
No meio de tantas distorções – baixa eficiência e baixa produtividade em comparação com empresas privadas comparáveis, cabides de empregos, prejuízos recorrentes, assunção de projetos com retorno sobre o capital inferior ao custo de captação, corrupção endêmica –, foi com uma dose de alívio e de esperança que observamos, em julho de 2016, a nomeação do executivo Wilson Ferreira ao cargo de presidente da Eletrobras, a maior empresa do setor elétrico.
O entusiasmo com sua indicação foi e é fácil de explicar: o novo presidente preenchia com louvor o tripé que sempre defendemos para cargos de alta direção: formação acadêmica adequada (engenheiro eletricista) experiência profissional relevante (18 anos como presidente da CPFL Energia, empresa privada líder no setor) e ausência de conexões político-partidárias (atributo que o permitiria tratar a Eletrobras como empresa, e não como ferramenta para a distribuição de benesses e privilégios políticos).
Nos primeiros 10 meses de sua gestão, Ferreira consolidou um diagnóstico amplo dos problemas enfrentados pela Eletrobras – pesadas heranças negativas da Medida Provisória (MP) 579 impostas à estatal pela ex-presidente Dilma Rousseff, modelo de governança e gestão ineficazes, baixo desempenho operacional e elevado endividamento – e iniciou um plano de negócios para reposicionar a empresa no horizonte de 2021. O chamado “Plano Desafio 21” contém várias iniciativas para endereçar as necessidades de três grandes pilares: governança e conformidade, excelência operacional e disciplina financeira.
No pilar da excelência operacional, há oito iniciativas para reduzir os custos de PMSO (Pessoal, Material, Serviços de Terceiros e Outras despesas), entre as quais: reestruturação organizacional, plano de aposentadoria antecipado, redução de horas extras e implantação de software de gestão unificado.
A iniciativa de reestruturação organizacional tem a meta de reduzir o quadro atual de 23.100 pessoas para 12.000 pessoas, sendo que a redução de 11.100 pessoas assume o desligamento de cerca de 6.000 empregados das distribuidoras sob gestão da Eletrobras, sob a premissa de que todas serão privatizadas. A privatização das distribuidoras, aliás, está inserida como iniciativa de outro pilar (“Disciplina Financeira”) e foi iniciada com a exitosa alienação da Celg em novembro de 2016 (vendida por R$ 2,2 bilhões, ficando R$ 1,1 bilhão para a Eletrobras) e deve continuar com a venda das distribuidoras nos estados do Amazonas, Acre, Rondônia, Roraima, Alagoas e Piauí.
Em resumo, o diagnóstico foi feito e o plano para recolocar a Eletrobras nos trilhos da boa gestão e de produção de resultados empresariais coerentes está sendo implementado. O mercado acionário tem reconhecido as perspectivas positivas trazidas pela nova gestão: o valor da empresa aumentou de R$ 9 bilhões em janeiro de 2016 para R$ 18 bilhões em junho de 2017.
No entanto, recente episódio envolvendo a iniciativa de reestruturação organizacional gerou polêmica: em reunião com sindicalistas, o presidente da Eletrobras usou expressões – referindo-se a uma parte do corpo de empregados da estatal – que provocaram reações furiosas. O próprio presidente, após ouvir a gravação feita sem seu conhecimento, declarou: “De fato, exagerei. Arrependo-me disso e me desculpei logo em seguida”.
Independentemente do episódio e da linguagem adotada no episódio, é preciso separar “forma” de “conteúdo” porque o desafio de gestão à frente da Eletrobras, qualquer que seja seu presidente, permanece. Em outras palavras, tanto o diagnóstico quanto o plano do presidente da Eletrobras são baseados na objetividade gritante revelada pelos resultados das estatais federais elétricas, que evidenciam, quando comparadas com empresas privadas, o inchaço de profissionais que se acumulou durante décadas.
A Eletrobras, com mais de 23.000 empregados, gerou um lucro de R$ 3,5 bilhões em 2016 a partir de uma receita de R$ 60 bilhões. Importante notar que a empresa teve prejuízos recorrentes nos quatro anos anteriores que somaram perdas de mais de R$ 30 bilhões: R$ 14,9 bilhões em 2015, R$ 2,9 bilhões em 2014, R$ 6,2 bilhões em 2013 e R$ 6,9 bilhões em 2012. Seu valor de mercado atual é de R$ 18 bilhões.
Já a Engie Brasil Energia, por exemplo, uma empresa originada da privatização de parte da Eletrosul (subsidiária da Eletrobras) em 1998, tem os seguintes números: com cerca de 1.100 empregados, produziu em 2016 um lucro de R$ 1,5 bilhão a partir de uma receita de R$ 6,4 bilhões. Em 2015, 2014, 2013 e 2012 os lucros foram da mesma ordem: R$ 1,5 bilhão, R$ 1,4 bilhão, R$ 1,4 bilhão e R$ 1,5 bilhão. A Engie tem hoje um valor de mercado de cerca de R$ 22 bilhões.
Portanto, os indicadores derivados dos resultados da Eletrobras e Engie são eloquentes: considerando-se apenas o ano de 2016, que foi melhor do que a série de quatro anos anteriores em do função reconhecimento contábil referente à RBSE (Rede Básica de Sistemas Existentes referente aos ativos de transmissão) no âmbito da MP 579, a Eletrobras gerou uma receita de R$ 2,64 milhões de reais por empregado, enquanto a Engie gerou uma receita de R$ 5,82 milhões de reais por empregado, ou mais que o dobro do desempenho da Eletrobras. Fazendo a mesma conta para o lucro por empregado, a comparação se torna dramática: com mais de 20 vezes o número de empregados, a Eletrobras produziu um lucro por empregado 9 vezes inferior ao da Engie: R$ 150 mil (Eletrobras) contra R$ 1,36 milhão (Engie). Em termos de valor de mercado, a distância aumenta ainda mais: R$ 780 mil por empregado (Eletrobras) contra R$ 20 milhões por empregado (Engie), o que significa que o valor de mercado gerado por um empregado da Eletrobras corresponde a 4% do valor de mercado gerado por um empregado da Engie.
Apesar dos números acima, que indicam clara necessidade de correção urgente de rumos, as resistências corporativistas para alterar essa situação são e serão fortes. Muitos grupos de pressão acostumaram-se com seus privilégios e com a falta de prestação de contas. Afinal, nunca é demais lembrar que empresas estatais devem prestar contas a uma categoria muito especial de acionistas: os contribuintes da nação que, com seus impostos, viabilizaram a criação de tais empresas.
Mas também é fundamental deixar claro que, apesar de haver a necessidade de redução de quadros ineficientes nas estatais, há muitos profissionais de excelente nível nessas empresas. São exatamente esses bons profissionais os maiores interessados na promoção da eficiência porque a ausência da meritocracia no ambiente estatal tem produzido um problema de duas faces, ambas perversas: de um lado, maus comportamentos não são punidos e continuam sendo remunerados; e, de outro lado, bons comportamentos não somente não são incentivados, como também não são reconhecidos.
Há uma parcela significativa de empregados das empresas da Eletrobras que – apesar de formação acadêmica adequada e postura profissional compatível com os mais competitivos ambientes privados – sofre com a ausência de meritocracia e tem que conviver com colegas que não atendem aos requisitos pessoais e profissionais de uma empresa que um dia poderá ser referência no setor elétrico caso sua reestruturação seja exitosa.
Os contribuintes brasileiros, grandes perdedores por serem os reais controladores da Eletrobras, nunca tiveram voz ativa para interromper essa sangria de recursos. É natural que as ações do novo presidente para dar voz às expectativas e necessidades dos contribuintes brasileiros produzam reações.
Mas essas reações não devem ser encaradas pelos novos gestores da Eletrobras como sinal para interromper seu plano de reestruturação. Muito pelo contrário: são um forte sinal de que as visões que têm sido gradualmente implementadas pela nova Diretoria com o apoio do novo Conselho de Administração expressam um caminho promissor para devolver a Eletrobras aos brasileiros e retirá-la das mãos de alguns políticos e de algumas minorias que se apropriaram de nossa estatal para fins privados e corporativistas que em nada beneficiam a sociedade brasileira.