Foi aprovado na última quarta-feira (24), na Comissão Especial da Câmara dos Deputados, o relatório final do projeto de lei 6.437/16, que altera o texto da Lei 11.350/2006 - que regulamenta a atividade dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e de Combate a Endemias (ACE) - para dispor de temas como as atribuições, formação, jornada e condições de trabalho dos ACS e ACE. O projeto, que segue agora para a Comissão de Constituição e Justiça - para então ser encaminhado para o Senado -, foi aprovado por unanimidade na comissão, que realizou audiências públicas em 21 estados do Brasil para debater a proposta.
A aprovação foi muito comemorada pelas centenas de ACS e ACE que vieram em caravana de vários estados e que conseguiram ter acesso ao auditório da Câmara onde se realizou a votação, em meio ao forte esquema de segurança do Congresso por conta da manifestação que reuniu 100 mil pessoas pedindo a destituição do presidente Michel Temer e o fim das reformas trabalhista e previdenciária que tramitam no Congresso. “É incrível que em um momento tão adverso para o país, e num dia como esse, em que milhares de pessoas estão lá fora lutando pelos seus direitos, os agentes tenham conseguido avançar na aprovação de um projeto que garante direitos para nossa categoria”, afirma Ilda Angélica, presidente da Confederação Nacional dos Agentes Comunitários de Saúde (Conacs). Segundo ela, o texto aprovado garante “segurança jurídica” para os agentes num contexto em que o Ministério da Saúde procurar impor uma agenda que implica retrocessos para a categoria – exemplos recentes foram a emissão das portarias 958 e 959 em maio de 2016, que retirava a obrigatoriedade da presença dos ACS nas equipes de saúde da família, que poderiam ser substituídos por técnicos em enfermagem – e que foram revogadas – e a proposta de fusão entre ACS e ACE como parte da revisão da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) que o ministério defendeu durante o 8º Fórum de Gestores da Atenção Básica, ocorrido em outubro do ano passado.
“O objetivo primeiro do projeto era fazer uma ‘blindagem da categoria’”, avalia a assessora jurídica da Conacs, Elane Alves, que acredita que a lei 11.350 é “muito genérica” no que se refere às atribuições da categoria."A impressão que se tem é que qualquer um faz o que o agente de saúde faz, e com a efetivação do agente de saúde na atenção básica, sentimos necessidade de resgatar algumas questões, como a questão do vínculo com a comunidade. E também é preciso evoluir essas atribuições, tendo em vista que é uma profissão que já tem mais de 20 anos e o perfil da saúde, as comunidades mudaram. Acredito que esse projeto vai abrir novos horizontes para a categoria”, afirma.
A professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), Mariana Nogueira, considera que, embora traga alguns avanços em relação a lei 11.350, o projeto não contempla na íntegra as considerações feitas pelos agentes nas audiências públicas em relação à formação profissional e às condições e atividades de trabalho destas categorias profissionais. “E também não inclui as considerações elaboradas pela Fiocruz apresentadas ao relator do PL em diversas audiências estaduais onde a instituição se fez presente”, pondera Mariana. Ainda assim, ela considera que a inclusão no PL de algumas das reivindicações dos ACS com relação às condições e direitos relacionados ao trabalho são avanços. A pesquisadora cita, por exemplo, o dispositivo que propõe que os agentes sejam indenizados por eventuais custos com transporte durante a realização de suas atividades. “Isso é um ganho, muitos ACS reclamam que muitas vezes tem que tirar dinheiro do próprio bolso para se deslocar durante suas atividades, com destaque para os Agentes que residem em áreas rurais e que tem revindicado isso há muitos anos, com destaque para os agentes que residem em áreas rurais e que têm revindicado isso há muitos anos”, aponta. A necessidade do uso de equipamentos de proteção individual nos serviços de saúde e a possibilidade de inclusão no salário dos ACS do adicional de insalubridade são outros pontos positivos, segundo Mariana. Outro avanço são os dispositivos do projeto que reafirmam a contratação dos agentes mediante vínculo direto com o poder público e responsabilizam a Defensoria Pública e o Ministério Público como fiscalizadoras da regularização dos vínculos entre os ACS e ACE com órgãos ou entidades da administração direta, autárquica ou fundacional. Por fim, Mariana Nogueira identifica como avanço a possibilidade de que os ACS possam permanecer vinculados à mesma equipe de Saúde da Família onde atuam na hipótese de aquisição de casa própria fora da comunidade. “Acontece muito dos agentes quererem morar em uma outra área e sofrerem ameaças de serem mandados embora, no entanto, assegurar que o ACS permaneça atuando na área onde já construiu vínculo com as famílias é uma condição interessante”, pontua.
Apesar dos avanços, Mariana Nogueira lamenta que o PL não tenha contemplado questões que, segundo ela, seriam essenciais para garantir os direitos da categoria, que ela considera particularmente vulnerável ao ajuste fiscal e ao avanço das contrarreformas neoliberais. "Além de serem profissões que existem somente no âmbito de uma política social e na política pública, eles têm conseguido avanços significativos em relação ao vínculo empregatício e ao o piso salarial nacional, que foi assegurado em lei. Uma questão fundamental que contribui para essa vulnerabilidade é o fato de os ACS e ACE não possuírem uma formação profissional específica, uma formação que confira habilitação profissional. E o PL não resguarda isso", afirma a pesquisadora.
Falta de consenso entre representantes da categoria
Assim como Mariana Nogueira, representantes da categoria afirmam que o texto do PL não contempla questões centrais para a categoria, citando como exemplos a formação profissional e a garantia dos ACS nas equipes de Saúde da Família. Neste sentido, tanto a pesquisadora, quanto representantes do Sindicato dos Agentes Comunitários de Saúde do Rio de Janeiro (Sindacs-RJ), da Comissão de Agentes Comunitários de Saúde de Manguinhos e a FENASCE afirmam que o texto aprovado deixa brechas. Um exemplo é a maneira como a formação técnica em agente comunitário de saúde entrou no texto. “Ele fala em formação técnica, mas não diz quem é o responsável, em quanto tempo se dará, quando se iniciará”, critica Wagner Souza, vice-presidente do Sindacs-RJ, entidade que não participou da votação por discordar de pontos considerados centrais. Fernando Cândido, presidente da Federação Nacional dos Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate a Endemias (Fenasce), embora considere que o texto aprovado na comissão seja “satisfatório”, avalia que essa é uma crítica pertinente. “Faltou algumas coisas, como por exemplo a exigência da formação técnica dos agentes através das escolas técnicas de saúde”, diz ele. Essa é uma avaliação presente também em um documento de análise produzido por uma equipe de professoras e pesquisadoras da EPSJV ao substitutivo do PL 6.437, que lista, entre as condições que devem ser garantidas para a realização da formação técnica a oferta do Curso Técnico de Agente Comunitário de Saúde e do Curso Técnico de Vigilância em Saúde, pela rede pública de ensino, "especificamente a Rede de Escolas Técnicas do SUS, a Rede Federal de Educação Profissional Técnica e Tecnológica e as redes estaduais de educação profissional técnica e tecnológica, conforme o respectivo referencial curricular”.
Mariana Nogueira acrescenta ainda que, da maneira como foi aprovado, o texto não coloca a formação técnica como um requisito para o exercício da atividade e nem garante a sua execução. “Continua valendo o que está escrito na 11.350, que estabelece como requisito apenas o curso de formação inicial e continuada. Na prática vai continuar dependendo da vontade política dos gestores garantir a formação técnica”, critica. Segundo a pesquisadora da EPSJV, o PL 6437 não define as responsabilidades dos entes federados quanto ao financiamento do curso técnico, apesar da pactuação na Comissão Intergestora Tripartite de financiamento da primeira etapa pelo Ministério da Saúde (mínimo de 400 horas) e da segunda e terceira etapas (mínimo de 800 horas pelos estados e municípios. "Assim como inclui o Ministério Público na fiscalização dos entes federados no cumprimento da regularização dos vínculos empregatícios, seria fundamental que o Pl 6437 responsabilizasse e e determinasse aos órgãos federados o cumprimento do financiamento das etapas 2 e 3 do curso técnico em ACS e ACE, com um prazo especificado, para a implantação do curso através das Redes de Escolas Técnicas do SUS, Federal de Educação Profissional Técnica e Tecnológica e estaduais de educação profissional técnica e tecnológica", pontua Mariana. Além disso, continua Mariana,o projeto abre possibilidade para que o curso técnico não seja na modalidade presencial, o que ela considera um problema. "Isso ocasiona graves problemas no processo de formação. A modalidade presencial é fundamental para o encontro entre os trabalhadores durante o curso, para produção de práticas de trabalho em equipe, de escuta, de construção compartilhada consoante com os princípios preconizados para o trabalho na atenção básica e na Estratégia de Saúde da Família. As ferramentas de ensino à distância deverão ser utilizadas de forma complementar ao ensino presencial”, opina. Por fim, a pesquisadora aponta que o tempo reservado para atividades de formação na proposta de divisão da carga horária do agente prevista no projeto aprovado é insuficiente para a realização de um curso técnico. O projeto menciona 10 horas semanais para “atividades de planejamento e avaliação das ações, registro dos dados, formação e aprimoramento técnico”. “De acordo com o projeto, levaria mais de dois anos para o ACS se formar com o mínimo de 1200 horas. Isso se essa carga horária de 10 horas for reservada somente para a formação, o que não é o que foi aprovado. Isso dificulta a efetivação desse direito”, pontua.
Esse é uma avaliação que também fez parte do documento de análise produzido pela EPSJV, cujas considerações não foram contempladas na versão final do relatório. Uma outra questão que foi colocada ali, e que acabou permanecendo no texto aprovado, foi o emprego da expressão “atividade privativa” para especificar uma atribuição restrita aos ACS dentro das equipes de Saúde da Família: as visitas domiciliares rotineiras, para fins de busca ativa de pessoas com sinais de doenças agudas ou crônicas e o encaminhamento para as unidades de saúde de referência. Em sua avaliação, a EPSJV pediu a supressão desse item. “Considerando o processo de trabalho na estratégia de Saúde da Família e a Política Nacional de Atenção Básica à Saúde (2012) que afirma que a realização do cuidado à saúde da população adscrita dá-se no âmbito da unidade de saúde e no âmbito do domicílio, as visitas domiciliares são atividades que integram o cuidado na atenção básica executada por toda a equipe”, afirma o documento. No entanto, no entender do presidente da Fenasce, Fernando Cândido, a definição de “atividade privativa” é uma estratégia de sobrevivência dos ACS face a ameaça de fusão com os ACE vinda do Ministério da Saúde. “Para mim a questão das atividades privativas tem como objetivo proibir a fusão das duas categorias em uma só. Isso aí por si só já é um grande avanço”, coloca.
Outra discordância da equipe de pesquisadores da EPSJV em relação ao PL 6437 relaciona-se à elevação de escolaridade dos trabalhadores ACS para o nível médio prevista no PL não estar assegurada a partir da obrigatoriedade dos entes federados em executar políticas públicas de elevação da escolaridade. Para as pesquisadoras, o PL responsabiliza o trabalhador e o onera em relação ao tempo e custo que terá que assumir para cumprir com este requisito da escolaridade. A equipe de pesquisadores da EPSJV propôs para o relator, deputado Valternir Pereira, a inclusão de um trecho ao projeto: “Definição de uma política de educação de jovens e adultos oferecida pela rede pública de ensino, para a complementação da escolaridade dos ACS e ACE que não possuem o ensino médio completo; e a definição de prazo para a elevação da escolaridade: cinco anos de transição para a exigência do ensino médio para os atuais ACS e ACE”. A mudança, entretanto, também acabou não sendo incorporada ao projeto aprovado na comissão.
A omissão de uma outra consideração presente na análise da EPSJV foi considerada grave do ponto de vista do representante do Sindacs, Wagner Souza. Ele afirma que durante audiência pública de discussão do projeto realizada no Rio de Janeiro, apresentou ofício aos deputados solicitando que a redação do trecho do PL 6437 que previa a obrigatoriedade dos ACS “na estrutura de atenção básica de saúde” fosse substituído por uma que garantisse sua presença nas equipes de saúde da família. O relatório final aprovado pela comissão, no entanto, manteve a redação original do substitutivo. “A gente acha que isso é muito ambíguo, é um tiro no pé. O que a gente quer é garantir a presença desse ACS nas equipes de saúde da família, respeitando o máximo de 750 pessoas atendidas por cada agente”. Mariana concorda, e alerta que a manutenção do texto original representa uma lacuna importante considerando-se a agenda que tem sido defendida pelo ministério da saúde no que se refere aos ACS. “Para o Ministério não interessa que se enfatize a obrigatoriedade do ACS nas equipes, porque eles propõem uma substituição ou a criação de um novo agente. Você pode ter uma unidade básica de saúde, e na unidade você tem duas equipes de Saúde da Família, com médico, enfermeiro, técnico em enfermagem e ACS. Aí você tem uma equipe com ACS nessa unidade básica de saúde e você pode ter uma outra sem, porque você garantiu um ACS na estrutura da Atenção Básica naquela unidade. É um problema”, opina.
Contradições no processo de discussão
Para Mariana Nogueira, os problemas apresentados pelo texto do projeto colocam em foco as contradições presentes no processo de discussão e elaboração da matéria. Principalmente com relação à atuação da Conacs e sua articulação com a base do governo, vinculada ao Ministério da Saúde, cujo ministro já questionou a universalidade do SUS e vem recebendo em seu gabinete empresários da saúde e representantes do capital no setor. Por isso é que o PL, que foi uma tática promovida pela Conacs para se proteger da revisão da PNAB, não os protege completamente, porque expressa claramente a conciliação de interesses da base de governo com o ministério”, critica, lembrando que o presidente da comissão especial que analisou o projeto, o deputado Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), o relator da comissão, Valtenir Pereira (PMDB-MT) e o autor do projeto original, deputado Raimundo Gomes de Mattos (PSDB-CE), são de partidos que integram a base do governo Michel Temer. “A gente pode analisar por um lado como uma tática interessante da CONACS, porque o PL caminhou com mais facilidade, mas, ao mesmo tempo é contraditório, porque essa mesma base que dá a rápida tramitação ao projeto, é a base que vota a favor da reforma trabalhista, da reforma da Previdência e que é aliada ao Ministério da Saúde. É complicado, por isso o PL não avançou em questões centrais para os trabalhadores ACS ”, diz.
Assessora jurídica da Conacs, Elane Alves não concorda que tenham havido concessões no texto do projeto por conta disso. “É óbvio que a gente tem que tentar a compor, e o fato deles estarem nesses partidos nos ajuda a fazer um processo de algo com o governo, fato que não aconteceria, por exemplo, se fossem de um partido da oposição. Mas isso não significa que o PL foi influenciado pelo governo”, defende.
A presidente da Conacs, Ilda Angélica, reconhece que o texto aprovado deixou de fora algumas das questões que foram apontadas durante as audiências públicas que debateram o projeto. Mas defende o texto que foi aprovado. “A gente tentou de toda forma fazer com que houvesse, dentro desse processo da aprovação, o debate mais amplo possível com as bases para que, realmente, a gente pudesse oportunizar a participação de todos. Mas a gente sabe que é difícil, dentro do texto de uma lei, contemplar 100% do que é a necessidade de um trabalhador. Mas o texto final, para nós, reflete essa segurança jurídica que nós estávamos necessitando, porque nós estávamos totalmente fragilizados”, defende Ilda, que afirma estar satisfeita com o relatório final aprovado na comissão. “Não é 100%, é verdade, mas estamos satisfeitos. A gente vai ter outras lutas aqui pra ir aprimorando, mas já nos dá certa segurança em relação à descaracterização do profissional agente comunitário de saúde”, pontua.
Uma dessas lutas a que se refere Ilda diz respeito ao reajuste do piso salarial da categoria, congelado há três anos. Uma das emendas apresentadas ao PL 6437 durante sua tramitação na comissão procurou incorporar ao texto uma reivindicação dos agentes de que o piso salarial da categoria fosse reajustado anualmente com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que calcula os níveis de inflação ano a ano. A emenda, no entanto, foi rejeitada pelo relator por supostamente conflitar “com a política de estabilização econômica conquistada arduamente no Brasil”. Para Fernando Cândido, da Fenasce, essa reivindicação que precisa mobilizar os esforços da categoria no momento. “O reajuste do piso é o clamor da categoria. Embora a Conacs tenha tentado convencer categoria que esse projeto é bom e a gente sinta que ele tenha coisas boas, a categoria está sentindo na pele o congelamento do reajuste do piso. É importante que as entidades nacionais possam se engajar na greve geral que estamos chamando para o dia 20 de junho para que a gente possa, no mínimo, reestabelecer o diálogo com o governo federal”, diz. Ele acrescenta que a questão da precarização dos vínculos de trabalho é outro problema que precisa ser enfrentado. “Muitos agentes comunitários de saúde e agentes de combate à endemia são contratados pelos municípios de forma precária. E os municípios não desprecarizam alegando o limite estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal para as despesas com pessoal”, protesta. Essa é uma questão bastante discutida no decorrer das audiências sobre o PL 6437, e que acabou sendo contemplada por meio da apresentação, pela comissão, de uma minuta de projeto de lei que propõe que os recursos transferidos pela União para os municípios para o cumprimento do piso salarial dos ACS e ACE sejam excluídos dos limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal. “Seria uma espécie de incentivo para que o município investisse no agente de saúde”, diz Elane Alves, que explica que a decisão de apresentar a proposta em um projeto de lei distinto teve como objetivo acelerar sua tramitação. “Isso significaria mexer em uma lei complementar, e como o PL 6437 altera uma lei ordinária isso significaria que sua votação não poderia ser terminativa aqui na comissão, teria que ir a plenário. A gente não quis correr esse risco”, explica Elane. “A gente sabe que essa é uma questão muito difícil por conta das implicações que a Lei de Responsabilidade Fiscal tem não só para nossa categoria, mas para todas as demais, no entanto queremos ir amadurecendo essa discussão para caminhar em paralelo a discussão do reajuste do piso”, completa.
Uma formação profissional específica
Mariana Nogueira pondera que a proposição do PL por parte dos trabalhadores ACS organizados na CONACS (Confederacao Nacional dos ACS) foi motivada, principalmente, pela urgência de resposta destes trabalhadores às propostas de revisão da Política nacional de atenção básica. A revisão da PNAB foi abordada em um evento organizado pela EPSJV/Fiocruz em dezembro de 2016 (acessar matéria do evento promovido pela EPSJV: " não há SUS sem atenção básica"). O processo de revisão da PNAB, afirma Mariana: “tem sido realizado sem a ampla participação dos trabalhadores do setor saúde, tem sido pactuado entre os gestores. Além deste processo não ser consoante com o princípio de participação social do SUS, nos preocupa também o fato de estarmos em uma conjuntura de graves retrocessos em relação aos direitos conquistados pela classe trabalhadora, em que houve aprovação de emenda constitucional que restringe os gastos públicos com direitos sociais como a saúde e a educação, e um acelerado processo de desmontes de direitos enfatizados pelas contrareformas da previdência e trabalhista. A revisão da PNAB tem sido pautada, em seu processo, e no seu conteúdo (nas poucas propostas que conseguimos acessar, pois o processo não tem sido amplamente divulgado) somente na relação custo x efetividade, organização dos serviços por procedimentos e ênfase em um modelo biomédico centrado”. Assim, a pesquisadora considera: “Mais do que uma resposta às propostas da PNAB, é tarefa dos movimentos e entidades sindicais dos trabalhadores da ACS e ACE analisarem criticamente tanto esta conjuntura que atinge a todos os trabalhadores, quanto às especificidades de desmontes no SUS e ataques diretos a estas categorias profissionais. Considero que os ACS e ACE são trabalhadores particularmente vulneráveis às forças políticas conservadoras que respondem aos interesses privatistas e medicalizantes no SUS, é necessário perguntar: Por que se ameaça a existencia do ACS nas equipes e se quer pautar atribuições para os ACS e para o ACE, e não se discute estas questões para toda a equipe? Por que isto não está colocado para os médicos e enfermeiros, por exemplo? Os ACS e ACE permanecem particularmente vulneráveis aos ajustes fiscais e ao avanço das contrarreformas neoliberais por serem profissões que existem somente no âmbito de uma política social e na política pública; por terem conseguido avanços significativos em relação ao vínculo empregatício e por assegurarem em lei o piso salarial nacional, obtendo, em alguns municípios, salários equivalentes aos dos técnicos de enfermagem e com maior segurança nos vínculos empregatícios. Além disso, uma questão fundamental que contribui para essa vulnerabilidade é o fato de os ACS e ACE não possuírem uma formação profissional específica, uma formação que confira habilitação profissional. E o PL não resguarda isso, mas avança em relação a algumas reivindicações dos ACS, principalmente, no que diz respeito às condições e direitos relacionados ao trabalho”.
Estado de sítio em Brasília impede manifestação dos ACS no dia 25
Enquanto parte dos agentes de saúde celebravam a aprovação do projeto na Câmara, do lado de fora o cenário era de batalha campal. Polícia Militar e Força Nacional mobilizavam seu arsenal para reprimir a manifestação contra o governo Michel Temer, em uma ação que terminou com 49 pessoas feridas, inclusive por armas de munição letal. A escalada da repressão da polícia contra os manifestantes acabou jogando água no chopp de quem ficou no auditório após a votação comemorando a aprovação do texto. Antes de sair, as pessoas eram orientadas sobre que caminho tomar para evitar a “nuvem de gás lacrimogêneo” que se espalhava pelo centro de Brasília. “Foi uma covardia o que esse governo fez com os trabalhadores”, revolta-se Wagner Souza, vice-presidente do Sindacs-RJ, que participou da manifestação. Segundo ele, várias caravanas de ACS vieram a Brasília no dia 24 para participar do ato. “Fomos exercer nosso direito constitucional de nos manifestar. Mas quando a manifestação começou a se aglomerar na barreira perto do Congresso a polícia começou a nos atacar com bombas e balas de borracha”, relata.
No dia seguinte ao Ocupa Brasília, a Conacs havia convocado uma manifestação em frente ao Ministério da Saúde para apresentar o projeto aprovado no dia anterior ao ministro Ricardo Barros e cobrar dele uma resposta com relação à reivindicação da categoria por um reajuste do piso salarial dos agentes. Porém, durante reunião realizada no dia 25 de manhã, a direção da entidade anunciou o cancelamento do ato. O motivo foi o decreto publicado pelo presidente Michel Temer ainda no dia 24, que permitia o emprego das Forças Armadas no Distrito Federal até o dia 31, para “garantia da lei e da ordem”. A decisão seria revogada ainda no dia 25 depois de ser criticada por representantes do Judiciário e do Legislativo, mas segundo Fernando Cândido, da Fenasce, na manhã do dia 25 o Exército ainda ocupava os prédios dos ministérios. “Eu conversei com soldados que estavam em frente ao Ministério da Saúde e o que eles disseram foi que era terminantemente proibido a aglomeração de pessoas, uso de faixas e cartazes e carro de som”, revela Fernando. “É um caso extremamente grave. Somos terminantemente contra esse estado de sítio. Nós repudiamos veementemente atos ditatoriais e antidemocráticos como esse, uma clara tentativa de intimidar os trabalhadores”, revolta-se.