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quarta-feira, 12 de julho de 2017

Desconstrução do SUS e restrição das políticas de inclusão social em debate no 'Cadernos'

A revista Cadernos de Saúde Pública (volume 33 número 6) de junho de 2017, está disponível on-line enfocando o debate sobre crise política e suas repercussões no campo econômico e social, com reflexos na saúde e no Sistema Único de Saúde (SUS), que aconteceu durante a 3ª edição do Congresso Brasileiro de Política, Planejamento e Gestão em Saúde, realizado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), em Natal, Rio Grande do Norte, no início de maio de 2017. Alcides Miranda, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Cipriano Maia de Vasconcelos, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, relatam, no editorial, a denúncia sobre o processo de desconstrução do SUS e de restrição das políticas de inclusão social perpetradas pelo atual governo, que tem descontinuado programas e projetos, restringido o financiamento, via Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do congelamento dos gastos, e manifestado o seu compromisso com as políticas de privatização da atenção à saúde, a exemplo do “planos populares de saúde”.
 
De acordo com a publicação, o encontro procurou tecer os acordes de novos arranjos entre os vários sujeitos coletivos presentes ao congresso, com vistas a atualizar o debate sobre os rumos da Reforma Sanitária brasileira e organizar as lutas e mobilizações em resistência às tentativas de desmantelamento do SUS e do incipiente Sistema de Proteção Social brasileiro, legado da Constituição de 1988. Os autores do texto disseram que foram levantadas dúvidas e perplexidades acerca dos rumos a trilhar e das formas de ação para lidar com o contexto adverso do presente. O debate revelou que aos desafios do presente se somam os dilemas que acompanham o SUS desde a sua implantação, manifestos na agenda incompleta da Reforma Sanitária, nas limitações do financiamento, no avanço progressivo da privatização, nas insuficiências da regionalização, na incipiente mudança nas práticas assistenciais e na burocratização dos modelos e processos de gestão, que, somados, produzem restrições à qualidade da atenção no campo da vigilância e da assistência que afetam a legitimidade do SUS.
 
No entanto, dizem os autores, essa consciência crítica dos limites do processo histórico de implantação do SUS não renega os importantes avanços alcançados nesses quase 30 anos; porém, aponta para a necessidade de aprofundarmos a reflexão sobre os equívocos do processo e a necessidade de se avançar na produção do conhecimento da área, com vistas a potencializar a capacidade analítica e propositiva em relação às inovações necessárias no desenho da política, no uso do planejamento e na conformação de novos modos de organizar e gerir o sistema, as redes e os serviços de saúde. "Esse é um desafio para as instituições acadêmicas, para os programas de pós-graduação da área, para os gestores e para as organizações que agregam os sujeitos da saúde coletiva", finalizam.
 
Na seção Perspectivas, o artigo Entre as asperezas do cotidiano e o brilho fácil: o manejo cotidiano do uso prejudicial de drogas, do pesquisador da Fiocruz,  Francisco Inácio Pinkusfeld Bastos, considera que as recentes operações deflagradas pela Prefeitura de São Paulo, nos espaços conhecidos como “cracolândias” (terminologia pouco feliz, mas amplamente difundida na população e nos meios de comunicação), devem tanto merecer respostas de curtíssimo prazo, como as que já estão em curso com relação ao julgamento da sua legalidade e legitimidade, como tentativas de análise de médio e longo prazos. Essas últimas dimensões são centrais, embora habitualmente negligenciadas, com graves consequências, inclusive porque é exatamente o imediatismo que faz com que as ações nessa área, em nosso país, sejam invariavelmente incompatíveis com processos psíquicos e sociais necessariamente demorados e complexos. Segundo ele, a priorização da abstinência como porta de entrada e não como um desfecho desejável, embora nem sempre exequível, vai na contramão do conceito, bastante simples, mas que é entendido de forma imediatista por amplos setores da opinião pública, de que alguém gravemente adoecido possa, como num passe de mágica, se engajar em programas de tratamento repletos de exigências quanto a horários, frequência e mesmo de metas complexas a curto prazo.
 
Ele acrescenta que os usuários de crack que fazem uso contínuo e constante dessa substância frequentemente se veem às voltas com problemas graves das vias respiratórias e comprometimento da saúde oral, além de problemas de memória de curto prazo e coordenação, uma vez que a substância é absorvida e determina efeitos intensos em minutos e mesmo segundos. Isso não os torna, entretanto, “zumbis”, pois denominá-los assim significa não apenas violar seus direitos mais básicos como seres humanos, mas rotular um segmento como párias sociais, que, ao invés de merecerem solidariedade e compaixão, são objeto de escárnio e discriminação. 
 
O pesquisador alerta que programas de intervenção baseados em dados empíricos e com base epidemiológica e clínica infelizmente não despertam a atenção do público, pois colecionam não apenas pretensos êxitos como os fracassos inevitáveis a quaisquer medidas destinadas ao controle ou mitigação de condições de saúde graves e de magnitude importante, de que são exemplos as sucessivas iniciativas de controle do dengue ou da malária, ou, no plano dos pacientes individuais, de terapia oncológica ou de condições cardiovasculares ou renais crônicas. "Em nenhum desses casos, os eventuais insucessos são vistos como conducentes a intervenções nos moldes de espetáculos em que o mote é a degradação humana e a demonstração de força", observa Francisco Inácio.
 
Confira, aqui, todos os artigos do volume 33, número 6, da revista Cadernos de Saúde Pública, de junho de 2017.
 
Fonte(s): CSP