Dois artigos científicos recentes analisam o uso de agrotóxicos e os riscos ao ambiente e à saúde humana. Um deles, A flexibilização da legislação brasileira de agrotóxicos e os riscos à saúde humana: análise do Projeto de Lei nº 3.200/2015, reflete sobre a temática dos agrotóxicos, à luz do arcabouço legal brasileiro, na perspectiva da proteção à saúde humana e ao meio ambiente. Pesquisadores da Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde, entendem que o PL representa um dos maiores retrocessos às conquistas legislativas para a regulamentação dos agrotóxicos, de modo a alertar para os riscos à saúde humana frente à exposição a esses produtos e ao agravamento por outras propostas similares. Já o artigo Associação entre malformações congênitas e a utilização de agrotóxicos em monoculturas no Paraná, Brasil, da ENSP, examina a associação entre o uso de agrotóxicos e as malformações congênitas em municípios com maior exposição aos agrotóxicos no estado, entre 1994 e 2014. No estudo foi encontrada uma tendência crescente nas taxas de malformação congênita, com destaque aos municípios de Francisco Beltrão e Cascavel. Os pesquisadores acreditam que essas malformações podem ser advindas da exposição da população a agrotóxicos, sendo uma sinalização expressiva nos problemas de saúde pública.
De acordo com as pesquisas, a partir da década de 1970, o governo brasileiro adotou a monocultura e o uso intensivo de agrotóxicos como política agrícola de modernização no campo, incentivada por meio de isenções fiscais cedidas às indústrias químicas formuladoras de agrotóxicos. Ao longo dos anos, esse modelo vem causando uma rápida e intensa mudança no uso da terra, produzindo impactos ambientais antes inexistentes, como erosão hídrica e eólica, perda de habitats, alteração dos povoamentos e populações faunísticas, diminuição da vazão dos rios que drenam a região, assoreamento, erosão genética e redução da biodiversidade. Essa situação vem tornando questões como a conservação dos solos e da água cada vez mais relevantes.
Vários estudos têm demonstrado o desequilíbrio ambiental ocasionado pelo uso de agrotóxicos, que além de desenvolver a capacidade de resistência das pragas agrícolas e estes produtos, levando à necessidade de aumentar as doses aplicadas ou recorrer a novos produtos, tem proporcionado o surgimento de novas pragas e vem impactando sobre comunidades de insetos controladores de vetores de doenças. Nos últimos dez anos, o mercado mundial de agrotóxicos cresceu 93%, sendo que o mercado brasileiro teve um crescimento de 190%; e dentre os estados brasileiros com maior consumo de agrotóxicos, destaca-se o estado do Paraná representando 14,3% desse quantitativo, de acordo com dados de 2013 do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).
Entre os anos de 2007 e 2015, foram notificados 84.206 casos de intoxicação por agrotóxicos no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), sendo que, em 2014, foi identificada a maior incidência de casos, de 6,26 por 100 mil habitantes. Apesar de se observar uma melhoria do processo de notificação, a subnotificação é, historicamente, muito expressiva, em especial das intoxicações crônicas, não permitindo revelar a magnitude do problema no país. A exposição aos agrotóxicos ocorre, principalmente, no setor agropecuário, nas atividades de controle de vetores em saúde pública, nas empresas desinsetizadoras e durante o transporte, a comercialização e a produção de agrotóxicos. Além da exposição ocupacional, destaca-se a contaminação alimentar e ambiental, que coloca em risco a saúde de outros grupos populacionais, como as famílias dos agricultores, a população circunvizinha a uma unidade produtiva e a população em geral que se alimenta do que é produzido no campo.
Para os pesquisadores, o PL 3.200/2015 preza por questões econômicas do mercado produtor de agrotóxicos e contribuirá para maximizar os impactos sociais e ambientais de curto, médio e longo prazos, gerados pelo uso indiscriminado de agrotóxicos, a serem custeados por toda a população. Segundo eles, o PL representa um retrocesso às conquistas legislativas, suprimindo conceitos importantes da Lei nº 7.802/1989, como uma manobra para fragilizar ainda mais a fiscalização e o registro dos agrotóxicos mais utilizados do país. “A exposição humana a esses produtos representa, portanto, um problema de saúde pública que, certamente, será agravado, ferindo a própria Constituição Federal, que estabelece o Estado como garantidor da redução do risco de doença e de outros agravos mediante políticas sociais e econômicas.”
Já a pesquisa da ENSP mostra que vários agrotóxicos podem afetar o sistema reprodutivo masculino de animais e também o desenvolvimento embriofetal após exposição intrauterina, dentre as quais, ressaltam-se as Malformações Congênitas (MC). “Apesar de existirem múltiplos mecanismos que podem resultar na alteração da secreção das glândulas hormonais, destaca-se a participação dos disruptores endócrinos, compostos capazes de mimetizar hormônios verdadeiros devido a semelhanças entre as suas estruturas moleculares. Há uma grande quantidade de substâncias que são consideradas disruptoras endócrinas e, entre estas, estão presentes diversos agrotóxicos.”. As MC afetam de 3% a 5% de todos os nascimentos, sendo que um terço desses defeitos põe em perigo a vida, alertam os autores. No Brasil e na América Latina, os óbitos por MC no primeiro ano de vida vêm crescendo, a exemplo do que acontece nos países desenvolvidos, e é hoje considerado de relevância para a saúde pública.
Segundo os pesquisadores, as Unidades Regionais (URS) com maior consumo de agrotóxico (média 2014-2015) foram Cascavel (5.107,46 toneladas), Ponta Grossa (3.526,73 toneladas) e Toledo (3.336,95 toneladas). Das 20 URS apresentadas, 11 tiveram consumo de agrotóxicos acima de 1 tonelada. Exatamente em Cascavel foi encontrada uma taxa maior de malformação congênita. “As tendências crescentes nessas taxas sugerem maior exposição ambiental à população dos municípios envolvidos e de toda a população do estado do Paraná ao longo do tempo.” Além de todos os problemas já citados, explica o estudo, o controle efetivo da exposição a esses pesticidas é muito pequeno e escasso no cenário brasileiro. Os dados referentes ao uso dos produtos não são sistematizados em bancos de dados informatizados para a grande maioria dos estados do País. Isso dificulta a mensuração do impacto da exposição ambiental desses produtos sofrida pela população, garantem os autores do artigo. “O lobby exercido pelas grandes corporações impede, quase sempre, o acesso à informação. Muitas são as dificuldades no estabelecimento da relação entre MC e a exposição a agrotóxicos, a despeito de se ter substâncias reconhecidamente disruptoras endócrinas presentes nesses químicos”, alertam.
O artigo A flexibilização da legislação brasileira de agrotóxicos e os riscos à saúde humana: análise do Projeto de Lei nº 3.200/2015 é de autoria de Mirella Dias Almeida, Thais Araújo Cavendish, Priscila Campos Bueno, Iara Campos Ervilha, Luisa De Sordi Gregório, Natiela Beatriz de Oliveira Kanashiro, Daniela Buosi Rohlfs e Thenille Faria Machado do Carmo, sendo publicao pela revista Cadernos de Saúde Pública (volume 33 número 7), de julho de 2017. E o artigo Associação entre malformações congênitas e a utilização de agrotóxicos em monoculturas no Paraná, Brasil, produzido por Lidiane Silva Dutra e Aldo Pacheco Ferreira, saiu na revista Saúde em Debate (volume 41 número especial), de junho de 2017, publicação do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde .