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quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Especialistas criticam ameaças de fechamento de unidades de saúde

Na terça-feira (1/8), pesquisadores e profissionais de saúde foram surpreendidos com a ameaça de fechamento de 11 clínicas e centros de saúde na Zona Oeste da cidade. A medida seria justificada pela redução de um contrato com a Organização Social Iabas para cortes de custos. Ao todo, 89 equipes formadas por médicos, enfermeiros e agentes de saúde seriam demitidas, atingindo quase mil profissionais da atenção básica. Em outro ponto da cidade, a principal emergência psiquiátrica, o Hospital Pinel, localizado em Botafogo, também não está realizando atendimentos de emergência por falta de médicos. No mesmo dia, a Escola Nacional de Saúde Pública e a Escola Politécnica de Saúde, ambas da Fiocruz, assinaram carta de repúdio aos ataques à saúde."A política de atenção básica teve início na década de 1990, e houve enorme investimento na formação de recursos humanos, na criação da carreira do Agente Comunitário e na especialização de médicos e enfermeiros para alcançarmos uma cobertura nacional próxima dos 70%, o que ainda não é suficiente para a atenção básica assumir o papel de ordenadora do sistema, de coordenadora de rede de atenção. Fechar qualquer Clínica da Família é um retrocesso incalculável”, admitiu a pesquisadora Gisele O’Dwyer.
 
Professor colaborador da ENSP e vereador do PSOL carioca, Paulo Pinheiro explicou ao informe ENSP que a atual situação se dá por dois motivos: a crise econômica do país, que atinge frontalmente a arrecadação da prefeitura, e dívidas herdadas por Crivella da gestão anterior, de Eduardo Paes. Mesmo diante dessa conjuntura, para Paulo, é inaceitável o fechamento de leitos.
 
“Com relação à falta de pessoal, há um decreto do prefeito Crivella para que não haja contratações, uma vez que se atingiu o chamado limite prudencial, que é quando o tribunal de contas avisa à prefeitura de que já se atingiu 52 dos 54% do limite para a contratação de pessoal, de acordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal. Uma nova avalição do tribunal só será realizada em setembro. Além disso, o prefeito anterior deixou uma conta salvada a ser paga. Não fez o devido custeio de várias clínicas da família e não colocou os recursos necessários para a municipalização do Hospital Albert Schweitzer etc. Porém, o atual prefeito tem que resolver o problema com os recursos de que dispõe. Nós não podemos aceitar o fechamento de leitos.”
 
Piora das condições de vida e saúde da população carioca
 
Para a pesquisadora Luciana Dias de Lima, do departamento de Administração e Planejamento em Saúde da ENSP, a decisão de fechamento de clínicas de família e demissão de diversos profissionais que atuam em equipes de saúde da família na Zona Oeste do município é de enorme gravidade e causará piora das condições de vida e saúde da população carioca. “Essa é uma região sabidamente carente de serviços públicos. Os que mais necessitam, portanto, serão os mais atingidos. As unidades básicas de saúde têm papel fundamental na garantia do acesso às ações de promoção, prevenção e tratamento, vitais para o controle dos principais agravos e doenças. Diversos estudos apontam para a importância desses serviços e avanços obtidos com a expansão da atenção básica no Brasil, no contexto do SUS. É assim que a prefeitura pretende cuidar da população? Não há justificativa para essa decisão” comentou a pesquisadora.
 
O processo de expansão da atenção primária no município do Rio de Janeiro teve início em 2008, o que gerou grande atraso na cobertura da população municipal. Ainda assim, na opinião de Gisele, também coordenadora de pesquisa do projeto Teias – Escola Manguinhos, o fechamento de uma clínica traz prejuízos enormes aos cariocas, uma vez que houve ganho importante no acesso ao sistema de ações preventivas, curativas, de promoção da saúde, pré-natal, controle de hipertensão, tuberculose, HIV, além de acesso a pequenas urgências e à própria rede secundária, que é garantido pela atenção primária.
 
A pesquisadora também demonstrou preocupação com os trabalhadores de saúde e o território de Manguinhos, no qual se encontra a Fiocruz. 
 
“As clínicas que não fecharem trabalharão sobrecarregadas, com profissionais desestimulados, preocupados com essa situação. É um desrespeito com a população, com os profissionais da atenção primária. Houve grande investimento na formação de residentes. Onde os médicos de saúde da família trabalharão se as clínicas fecharem? Ainda não temos a dimensão precisa dessa iniciativa da prefeitura, mas nos preocupamos muito com Manguinhos. Ter uma cobertura de 100% é um diferencial para saúde dessa população que já sofre com tanta carência, principalmente nesse momento de aumento da pobreza, de baixo investimento no SUS, de desabastecimento de medicamentos. Sofrer perdas na atenção primária é muito grave”, considera. 
 
Medida reforça uma série de retrocessos na saúde
 
Na opinião da coordenadora da Residência Multiprofissional em Saúde da Família, Maria Alice Pessanha, a própria reformulação da Política Nacional de Atenção Básica (Pnab) reforça uma série de retrocessos aos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde na atualidade. A pesquisadora citou as manifestações que serão realizadas no dia 3 de agosto, na Cinelândia, no Rio de Janeiro, em repúdio às atitudes de desrespeito aos profissionais de saúde e os cortes de recursos para o SUS, que precarizam a assistência à população e colocam em risco a continuidade de muitos serviços.
 
“Convocamos preceptores, coordenadores e residentes a participar do ato. Na Área Programática 3.3, trabalhadores estão sem receber salários; tivemos o fechamento da emergência do Instituto Pinel e das 11 unidades na Zona Oeste da cidade. Imaginem quantos usuários deixarão de fazer pré-natal, tomar vacinas, controlar hipertensão, diabetes? Esse território era chamado de vazio sanitário e, pelo que parece, voltará a ser”, lamentou Maria Alice.
 
Paulo Amarante, coordenador do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial da ENSP (Laps), faz um alerta. Embora o movimento antimanicomial lute pelo fechamento dos hospitais psiquiátricos, em momento algum advoga por um modelo de desassistência. Para ele, o fechamento da emergência do Instituto Philippe Pinel, sem a organização de uma rede substitutiva de cuidado e atenção à crise, indica descaso para com a saúde da população.
 
“Essa postura vem sendo justificada pela falta de contratação de médicos e é acompanhada pelo fechamento de outras unidades de saúde. Isso significa uma reorientação do modelo de saúde do município, cuja tendência, conforme observamos, será de substituí-lo por organizações não públicas, a quem não compete assumir a saúde pública. Seria importante que o Instituto Pinel pudesse concluir sua missão, um dia, de fechar as portas como unidade do modelo manicomial, mas isso requer um investimento efetivo em modelos substitutivos como os CAPS, os Centros de Convivência, as Residências Assistidas e outros dispositivos importantes para o efetivo cuidado no campo da saude mental