Agendas e Reformas dos Sistemas de Saúde na América Latina foi um dos temas debatidos durante o seminário internacional promovido pelo Programa de Pós-graduação em Saúde Pública (PPGSP/ENSP), e organizado pelas docentes Cristiani Vieira e Luciana Dias de Lima, da ENSP, em 11/12. Na ocasião, foi lançado o volume 33 suplemento 2 de Cadernos de Saúde Publica (CSP/ENSP), que enfoca a mesma questão do evento. À tarde, as pesquisadoras Célia Almeida, da Escola; Monica Uribe-Gómez, da Universidade Nacional de Colômbia; e Oliva López-Arellano, da Universidad Autônoma Metropolitana-Xochimilco, México, compuseram a mesa, coordenada por Luciana Dias de Lima. O debate contribuiu para o entendimento de que, nas décadas de 1980/1990, os Estados latino-americanos passaram por processos de liberalização econômica e de democratização, com implicações para as políticas sociais. O suplemento temático de CSP, enfatiza que a eleição de governos de centro-esquerda em alguns países, nos anos 2000, suscitou expectativas de mudanças nos modelos de desenvolvimento havendo na região experiências positivas da redução das desigualdades. Entretanto, em meados da década de 2010, evidencia-se uma nova inflexão em várias nações latino-americanas, cujo cenário passa a se caracterizar por instabilidade econômica e política, ascensão de governos de perfil neoliberal e neoconservador, ameaças à democracia e a direitos sociais.
Em sua palestra, Célia Almeida falou sobre os processos e dinâmicas das Parcerias público-privadas (PPP) no setor saúde. Segundo ela, a articulação público-privada é estrutural nos sistemas de saúde, mas as PPP contemporâneas são radicalmente diferentes. “Os distintos tipos de interação e a complexidade de sua implementação exigem um Estado forte e capacitado para atuar ativa e energicamente em todas as etapas de sua implementação e avaliação, o que não é o caso na maioria dos países do Sul global, em que o subfinanciamento setorial configura essas práticas como genuínas delegações.” E acrescenta: “A ênfase nos hospitais como objeto das PPP evidencia o paradigma biomédico da agenda neoconservadora, focada na assistência médica, que desqualifica outras formas de cuidados em saúde e a proteção social.
Célia considera importante aprofundar a reflexão sobre esse tema para subsidiar os debates setoriais, e necessário não subestimar o poder, remodelado e reforçado, das PPP, assim como a dificuldade de deslocá-los desse lugar político, uma vez incrustados nele, seja nas organizações multilaterais, seja nos sistemas de saúde em nível nacional, o que exige repensar as estratégias para preservar direitos conquistados com lutas seculares.
As políticas de saúde no México e na Colômbia nos anos 2000 foi o tema levantado por Monica Uribe-Gómez. “Embora o México e a Colômbia tenham seguido os modelos similares para as reformas nos sistemas de saúde, os sucessos foram realizados com ênfase e alcances particulares. Em ambos os casos, a transição de uma matriz de estado, centrada num capitalismo de mercado, implicou não só em mudanças nas estruturas institucionais e na distribuição de recursos, como também na correlação de forças entre os atores do setor de saúde.” Ela observou que a possibilidade de fortalecer o modelo de concorrência do mercado coincide com a presença de governos de tendência conservadora que expedem normas e legislações favorecendo as dinâmicas de mercado na saúde.
De acordo com ela, mesmo que o México esteja em processo de mobilização social, ainda é incipiente, sendo necessário lutar, tanto contra a redução de garantias trabalhistas, por exemplo do setor saúde, como inconformidades que vêm sendo denunciadas por grupos dos usuários, acadêmicos e representantes de grupos organizados, segundo os quais a cobertura não inclui as necessidades de saúde. “Embora a sustentabilidade financeira seja um componente fundamental de qualquer sistema de saúde, este não pode ser o único critério para traçar a meta da cobertura universal, a mesma que deveria garantir o acesso equitativo, oportuno e de qualidade para os serviços de qualidade”, disse.
Para Oliva López-Arellano, que discorreu sobre o sistema de saúde no México, as soluções implementadas para reformar o sistema de saúde do país não alcançaram os resultados pretendidos e, ao contrário, redundaram em redução de atos médicos, aumento dos custos, diminuição da capacidade instalada e do número de profissionais para a sua operação. “Longe de solucionar o problema, aumentaram as desigualdades e não foram resolvidas as contradições estruturais.” Portanto, ela adianta que existem novos desafios para os sistemas de saúde, para os quais é inevitável situar as análises em um marco mais amplo, e não apenas focando a operação funcional, administrativa e financeira dos sistemas de saúde em nossos países.
Ela conclui que o sistema de saúde deve constituir-se de uma plataforma institucional que supere a falsa conjunção entre alcance técnico e aspirações ético-políticas, entre gerenciamento e financiamento eficiente dos serviços, e princípios éticos e filosóficos da equidade, solidariedade e justiça sanitária que orientam as políticas e modelam o sistema de atenção. “Avançar na proteção para a saúde de todos os mexicanos implica abandonar a lógica do mercado e superar a fragmentação institucional e programática dos serviços de saúde, para garantir a disponibilidade, o acesso e a qualidade dos serviços, com estratégias transversais de não discriminação, perspectiva de gênero, igualdade de trato e equidade.”
Pela manhã, outro debate, intitulado Cenário das Políticas Sociais e de Saúde na América Latina e coordenado pela pesquisadora Cristiani Vieira, aconteceu com a presença das pesquisadoras Sônia Fleury, da Fundação Getúlio Vargas; e Maria José Luzuriaga, da Universidade Nacional de Lanús, Argentina.
Todos esses palestrantes tiveram artigos publicados no volume 33 suplemento 2 do Cadernos de Saúde Pública. Acesse aqui.