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sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Seminário Internacional Contribuições da abordagem da Saúde Pública para a preservação da violência: diálogos entre Brasil e Reino Unido

O Seminário Internacional Contribuições da abordagem da Saúde Pública para a preservação da violência: diálogos entre Brasil e Reino Unido reuniu pesquisadores das áreas da Saúde e Segurança para discutir estratégias de prevenção da violência com base em conceitos globais, políticas públicas e setoriais. Promovido pelo Centro Latino-Americano de Estudos da Violência e Saúde Jorge Careli, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Claves/ENSP/Fiocruz), em parceria com o Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), o evento contou com a participação da pesquisadora do Claves, Kathie Njaine, do professor da Universidade de Abertay, William Graham, e do professor da Universidade de Dundee, Fernando Fernandes.

A pesquisadora do IOC, Fátima Cecchetto, atentou para dados que comprovam serem os jovens os maiores atingidos pela falta de segurança. Segundo ela, a noção da prevenção da violência tem, entre seus pilares, uma ideia disseminada no senso comum a respeito da juventude pobre como um segmento mais vulnerável, principalmente na questão dos riscos com o envolvimento com o crime. "Essa categorização fornece um conjunto de intervenções sobre os modos de ser jovem nas periferias, que são previamente rotulados como envolvidos. Os jovens são vistos, em determinadas reflexões, como vulneráveis e passíveis de uma conclusão que os levam a ser considerados um problema social, com o ideário de projetos sociais", explicou ela. Sobre isso, ressaltou que os desafios trazidos pelos discursos dos jovens vulneráveis ou envolvidos, principais clientes dos chamados projetos sociais, implicam refletir acerca das manobras de sentidos que encobrem a forma provisória dessas iniciativas. 

De acordo com dados do Relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), de 2017, o Brasil está entre os países que mais matam jovens, chegando ao sétimo lugar entre crianças, adolescentes e jovens de 10 a 19 anos, ficando atrás de Honduras, El Salvador, Colômbia, Venezuela, Iraque e Síria. Ainda em 2017, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) estimou que, a cada 7 minutos, uma criança ou um adolescente morre por crimes relacionados à violência no mundo.

Brasil mata 30 vezes mais que a Europa

Em um vídeo transmitido durante Seminário Internacional, a coordenadora científica do Claves/ENSP, Cecília Minayo, apresentou dados estatísticos sobre a violência. Segundo ela, ter uma arma em casa aumenta em 140 vezes a chance de se provocar uma morte. De acordo com o Atlas da Violência de 2018 , produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o número de 62.517 assassinatos cometidos no país em 2016 coloca o Brasil em um patamar 30 vezes maior que o da Europa. De todos os afetados pelo crescente número de homicídios, o grupo dos jovens se destaca, representando 53,7% das vítimas totais no país.

A pesquisadora do Claves/ENSP, Kathie Njaine, analisou a importância de existirem programas que sejam desenvolvidos a partir da necessidade local da comunidade, de acordo com suas particularidades, na intenção de que se possa obter progresso. “Vimos que, nos territórios nos quais a violência é muito grande, as relações sociais são muito esgarçadas. São pessoas, por vezes, recentes nesses territórios, que possuem poucos vínculos com a comunidade. Famílias que se mudaram muito, e, consequentemente, as relações familiares estão esgarçadas, além de serem jovens que possuem baixa escolaridade, e em contexto de políticas que não revelam as realidades locais. São projetos que, às vezes, chegam empacotados, não correspondem e acabam não os envolvendo em nenhum aspecto”, advertiu a pesquisadora.

Para Kathie, o acúmulo de vulnerabilidade dos jovens agrava o contexto de pouca coesão social e desigualdade, mas a solução não pode ser pensada exclusivamente na intervenção direta a eles, e sim com a qualidade de vida da família. “Em algumas cidades, percebemos que as políticas conversam de forma igualitária, há oportunidade de o jovem circular mais livremente, sem medo de entrar em conflito com algum grupo criminoso ou com a própria polícia. Essas cidades têm um sistema mais protetivo com a juventude, pensando na qualidade de vida das pessoas”, justificou ela.

A pesquisadora do Claves/ENSP ressaltou que contextos de pobreza e desigualdade, em alguns locais, acabam fazendo com que a violência vença, mas a resposta deve ser uma sociedade mais igualitária. "O contrário da violência é a inclusão de todos. As pessoas veem a violência, mas precisam conhecê-la”, destacou a pesquisadora.

Kathie Njaine conclui sua fala observando os reais fatores da preservação da saúde e o combate da violência. "A prevenção não pode ser pensada apenas nos jovens, é algo que deve vir com a prevenção da saúde das pessoas, com a qualidade de vida das famílias”, concluiu ela.

O evento, realizado entre os dias 5 e 6 de fevereiro, contou com a presença da major Bianca Neves (PMERJ) e do major Leonardo Nogueira (PMERJ), falando sobre os Projetos de prevenção na Polícia Militar do Rio de Janeiro, e do professor do departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense (UFF), Rodrigo Monteiro.

Sobre o Claves/ENSP/Fiocruz

O Centro Latino-Americano de Estudos da Violência e Saúde Jorge Careli (Claves|Fiocruz) é o departamento da ENSP que objetiva estudar o impacto da violência sobre a saúde da população brasileira. Nasceu com os dados da pasta da saúde que traziam as crianças como as principais atingidas pela violência, em seguida à juventude, em muitos casos, vindos da periferia, em 1988. O departamento da Escola Nacional leva o nome de Jorge Careli, funcionário da Fiocruz, barbaramente assassinado pela polícia do Rio de Janeiro quando confundido, em 10 de agosto de 1993, como criminoso. 

*Por Edigley Duarte da Costa e Mariane Souza de Freitassob a supervisão de Tatiane Vargas.