A metáfora clássica da consciência como um continente onde conteúdos se alojariam dá lugar à metáfora moderna de um movimento, uma ação
Sabe-se que a rubrica “existencialismo” foi uma invenção da mídia francesa para dar nome a um movimento intelectual surgido no pós-guerra – a bem da verdade, ao que se tomou por um movimento, pois isso, ao menos no início, não esteve em questão para os autores. O termo, ainda que Sartre o julgasse mais tarde “idiota”, não deve ter-lhe parecido assim tão absurdo, pois o próprio Sartre dele se serviu em escritos menores (por exemplo, no texto daquela célebre conferência “O existencialismo é um humanismo”, que foi, por sinal, renegada por ele); e o mesmo fez Merleau-Ponty, publicando na recém-criada Les Temps Modernes alguns pequenos artigos sobre o assunto (“A querela do existencialismo”, “O existencialismo em Hegel” etc.). A bem da verdade, Merleau-Ponty preferiu mais tarde adotar uma outra rubrica, a “filosofia da existência”; com isso, ele pretendia não tanto marcar identidade própria, já que, com o tempo, o existencialismo terminou por confundir-se com a doutrina de Sartre, mas sobretudo abrir o horizonte para além da cena francesa do momento; mais do que isso, pretendia mostrar que a filosofia da existência é o traço distintivo de todo o pensamento moderno: menos que uma doutrina particular, uma doutrina entre outras (uma doutrina apropriada, como se diz ainda hoje, às angústias daqueles tempos ferozes), o existencialismo francês apenas retoma uma tarefa que é própria dos Tempos Modernos.
São esses os nossos tempos – o que Sartre e Merleau-Ponty já indicavam pelo título da revista criada por eles – e o seu começo remonta, ao contrário do que possa parecer, não a Descartes, embora em Descartes uma virada decisiva tenha se produzido com o aparecimento da subjetividade (em sentido estrito, ignorada pelos antigos e medievais), tão decisiva que toda a filosofia, ainda hoje, não pode ignorá-la, como não podemos ignorar uma espinha de peixe cravada em nossa garganta; mas não é ainda Descartes que define as tarefas que são as nossas, pois, se ele é o descobridor da moderna subjetividade, ele ainda a faz apoiar-se em um pensamento do infinito: se, por exemplo, Descartes tematiza a percepção, é menos para mostrá-la em sua contingência e finitude do que para pensá-la segundo um critério que a ultrapassa. Na formulação de Foucault, a questão colocava-se para os clássicos (Descartes entre eles) da seguinte maneira: dado que a verdade é o que é, como acontece de perceber como percebemos. A questão dos Tempos Modernos, ao contrário, começa por dar um sentido positivo à finitude.
O começo dos Tempos Modernos, aqueles de que o existencialismo se julga herdeiro, se encontra em Hegel, que, como se sabe, era uma obsessão naqueles dias – um Hegel, é verdade, aclimatado pelos célebres cursos de Kojève, dos anos 1930, e sobretudo o primeiro Hegel, o da Fenomenologia do espírito. Foi esse o primeiro passo a infletir a filosofia em uma direção que permanece, para o existencialista, a nossa direção, pois foi ali que apareceu um novo conceito de razão, uma razão alargada, capaz de explorar o irracional, o contingente, o singular; a tarefa que os existencialistas se davam (e que é ainda a nossa tarefa) é hegeliana: trata-se de explorar e integrar o irracional a uma razão mais alargada, mais compreensiva que o entendimento, e não será surpresa se, no final das contas, a filosofia tiver de abandonar a idéia de uma esfera própria e realizar-se na não-filosofia. Que se tome o conceito de experiência em operação na Fenomenologia do espírito: ele deve incorporar todas as manifestações do espírito, as que residem tanto nos costumes, nas estruturas econômicas, nas instituições jurídicas, quanto nas ciências; ele deve incorporar a experiência moral, estética, religiosa e deve fazê-lo de modo a revelar sua lógica imanente, em lugar de subsumi-la, por encadeamento, a uma construção conceitual. Daí porque Hegel interessava tanto aos existen-cialistas: ao recobrar para a experiência essa dimensão, ele abria a via para revelar o que ela tem de metafísica. A questão que se coloca já não é, como em Kant, a de saber quais as condições de possibilidade de uma experiência, que é, em Kant, puramente científica e cujo correlato é o mundo das ciências da natureza, mas a de revelar as condições de realidade da experiência efetiva, da experiência humana em todos os seus setores.
Mas há o Hegel do fim, do sistema, o Hegel contra o qual Kierkegaard não cessa de apontar suas críticas, aquele que julga o desenvolvimento do mundo e o declara acabado no Estado prussiano; esse Hegel é aquele que finge ignorar sua inerência histórica, aquele que finge colocar-se fora de qualquer situação, é o Hegel que se esquece de sua própria subjetividade. Não foi tanto Hegel, mas Kierkegaard, o primeiro a usar o termo “existência” em seu sentido moderno, diz Merleau-Ponty, e esse sentido é precisamente aquele consubstanciado na crítica de Kierkegaard a Hegel: a existência não se deixa absorver pelo conceito, pelo sistema, pela idéia. A existência implica de imediato uma inerência, uma encarnação, uma situação que é inultrapassável pelo conceito. Verdade, nota Sartre, que é a religião que Kierkegaard quer defender, verdade que ele é um cristão romântico que luta contra a racionalização da fé, verdade que ele procura, incansavelmente, escapar à “terrível mediação” e que, por isso mesmo, seu subjetivismo religioso pode passar por cúmulo do idealismo, mas resta que ele tem razão contra Hegel e representa um progresso em relação a ele: ao afirmar que a vida subjetiva, enquanto vivida, não pode jamais ser objeto de um saber, Kierkegaard afirma a irredutibilidade do vivido, isto é, de um certo real ao pensamento e o seu primado. É essa incomensurabilidade entre o real e o saber que resta para o existencialista, o ganho definitivo de Kierkegaard – ainda, é certo, que ele envolva riscos de um irracionalismo, da afirmação obstinada de uma subjetividade vazia; daí porque, contra Kierkegaard, Hegel também tem razão: em lugar de deter-se em paradoxos da subjetividade, Hegel exige o “ultrapassamento”, a passagem, a mediação. Daí porque, para o existencialista, a questão é menos a de afirmar os direitos inalienáveis da subjetividade, mas a de encontrar nela sua própria transcendência; menos que mostrá-la insubmissa ao conceito, a questão é mostrar que o conceito se funda nessa estrutura existencial.
Assim, por exemplo, no momento em que Hegel vai tratar da alteridade (e esse tema é uma inovação hegeliana: ele vai de par com a inovação do conceito de experiência), Sartre nota que Hegel fala do ponto de vista de uma totalidade, não de seu próprio ponto de vista: se Hegel pode falar em um Todo, em um mundo humano que é mais que um agregado de sujeitos, mais que uma soma de indivíduos, é porque ele encontra um laço que une intimamente os sujeitos e os faz depender uns dos outros; ora, mas Hegel só pode fazer isso, objeta o existencialista em registro kierkegaardiano, abstraindo de sua própria consciência, visando à relação entre as consciências dos outros, tornando equivalentes o seu ser e o ser dos outros; é a esse preço que ele pode falar em totalidade, ao preço de esquecer-se de si mesmo, de sua própria existência. O idealismo de Hegel está aqui, na passagem ao ponto de vista do Todo. No entanto, daí não se segue – é o momento hegeliano tal como o existencialista o interpreta – que os sujeitos estejam ilhados em suas consciências, que eles não formem um mundo humano, que a comunicação seja apenas equívoco, que o outro não possa captar-me no âmago do meu ser: a existência do outro é tão certa quanto a minha e eu nem mesmo colocaria essa questão se ela não se assentasse em uma intuição do outro. Em suma, o verdadeiro cogito é esse “ultrapassamento” para fora de si, essa exigência contínua de um mundo, de um fora, sem o qual ele nada é, mas ele não pode jamais desvencilhar-se de si mesmo e tornar-se essa exterioridade para a qual ele é perpétuo “ultrapassamento”. O sujeito é inteiramente consagrado ao mundo, ele é-no-mundo, continuadamente fora-de-si, mas não pode jamais desfazer-se de si mesmo e tornar-se outro: a síntese hegeliana é travada antes de ela passar adiante, antes de converter-se em idealidade.
Esse sujeito existencialista – mais especialmente: o sujeito sartriano, pois aqui, agora, falamos apenas de Sartre – guarda alguns traços do seu homônimo mais célebre, o sujeito cartesiano, mas o cartesianismo de Sartre é mediado pelas leituras de Husserl, sua referência intelectual mais próxima. Sartre guarda o primado do cogito (é do cogito que se deve partir, ele diz); acontece que esse primado, em Descartes, é idêntico ao primado do pensamento, ele implica um sujeito de pensamento, de representações, de idéias: as idéias são em Descartes aquilo a que o sujeito deve se confinar se quiser buscar a verdade. Ora, o cogito sartriano não seria possível sem a crítica prévia de Husserl à noção de representação. Essa crítica vai implodir o sujeito clássico enclausurado em meio a suas idéias, pois dela sobressai a necessidade de distinguir ato e correlato, a consciência e aquilo de que ela é consciência.
Dito de outro modo: o efeito mais visível da crítica husserliana é a necessidade de voltar à descrição de modos de consciência, modos que a noção clássica de representação ignora (modo imaginativo, perceptivo, signitivo, intelectual etc.); assim, atos de perceber, de imaginar, de inteligir são diferentes modos de consciência e implica diferentes correlatos, diferentes modos de “objeto”. Ou, em termos mais conhecidos: toda consciência é consciência de alguma coisa, implicam um correlato, conforme reza a fórmula clássica da intencionalidade. Cada um dos diferentes atos de consciência possui sua estrutura própria, sua “essência”, e é isso que um clássico é levado a ignorar no momento em que, por um lado, traduz tais modos em termos de “faculdades” (faculdade de imaginar, de sentir etc.), como se essas fossem predicados de um sujeito, e, por outro, lida com o operador geral “idéia”. Resulta daí um duplo prejuízo: o sujeito cartesiano é um sujeito genérico, como que o suporte das diferentes faculdades, e a esse sujeito genérico corresponde uma idéia pouco clara de “idéia”, já que ela ignora, por sua vez, os diferentes modos do objeto.
Ora, essa crítica husserliana vai entusiasmar o jovem Sartre – que dela vai fazer um uso bem peculiar. Todos se lembram da história contada por Simone de Beauvoir, segundo a qual Raymond Aron teria estimulado o jovem Sartre a passar uma temporada na Alemanha para estudar Husserl. O episódio famoso se passou em um café, diante de um coquetel de damasco, e Aron teria dito: “Estás vendo, meu camaradinha, se tu és fenomenólogo, podes falar deste coquetel e é filosofia”. A partir daí, Sartre passaria longos anos debruçado sobre a obra husserliana e dela retiraria as possibilidades que ele buscava desde jovem: a de definir novamente o sujeito, a de superar o primado do conhecimento (tão marcante na filosofia francesa de então), a de fazer jus à diversidade da experiência humana. Daí a insistência no conceito de intencionalidade: em interpretação sartriana, dizer que a consciência é intencional é o mesmo que dizer que ela alcança o objeto em sua transcendência, que o mundo não pode ser convertido em minha representação, que a consciência não é um lugar de representações. Assim, perceber uma árvore não é desvanecer a árvore em uma miríade de sensações coloridas, táteis, térmicas etc., que seriam “representações”: não há elementos subjetivos imanentes, diz Sartre, de modo que perceber uma árvore é alcançá-la lá onde ela está, fora de nós. Daí a insistência de que Husserl libertou o mundo psíquico de um enorme peso ao lançar os conteúdos para fora e definir a consciência como intenção dirigida para o mundo.
A metáfora clássica da consciência como uma caixa, um continente onde conteúdos se alojariam, dá lugar à metáfora moderna de um movimento, um direcionar-se para algo, uma ação: a metáfora do continente é tipicamente espacial, ilusão oriunda do equívoco de pensar o sujeito a partir do mundo espacial; mas o sujeito é “esvaziado” de representações, ou antes, ele não é um “dentro” por oposição a um “fora”, um “interior” por oposição a um “exterior”; ele é uma intenção, uma visada; assim, em vez de espacial (e, por isso, estático e contemplativo), o sujeito será pensado em paradigma temporal (e, por isso, dinâmico e ativo). É assim que o sujeito se dessubstancializa (e só um sujeito temporal pode ser não substancial) e, por conta disso, ele deve ser definido não mais por aquilo que é, mas apenas por aquilo que fizer.
A via aberta por Husserl é imensa e um vasto campo de trabalho se abre para Sartre. Não é à toa que, ainda nos anos 1930, logo depois de ter voltado de Berlim, Sartre se dedique a fazer a fenomenologia de um desses territórios: servindo-se de instrumentos husserlianos, Sartre se volta para a imaginação; ele escreve A imaginação, obra crítica que procura explorar a confusão clássica entre diferentes modos de consciência, confusão que termina por ignorar a especificidade do ato de imaginar, e, logo depois, O imaginário, exercício de “psicologia fenomenológica” no qual aplica o princípio da intencionalidade e revela a essência desse modo de consciência.
Mas o principal da via aberta por Husserl não está aí. O principal está consubstanciado em duas obras: em um pequeno texto, escrito ainda em Berlim, A transcendência do ego, e na obra maior de Sartre, O ser e o nada. É que nessas obras, mais do que em qualquer outra, Sartre traz à luz a união de duas estratégias aparentemente antagônicas: voltar-se para o sujeito existente, para o sujeito concreto no mundo, por um lado, e afirmar o primado do cogito, por outro. Para isso, é preciso redefinir o cogito, mas, antes disso, é preciso mostrar que o ego descoberto pela reflexão é uma criação dela. O que isso significa? Significa que o campo da consciência, em sua pureza, é sem ego, sem persona; só uma reflexão purificadora pode descortinar uma tal consciência sem alma. Aqui, Sartre leva ao limite o princípio da intencionalidade, tornando o próprio ego um objeto, um objeto especial, certamente, mas um objeto transcendente visado por nós a cada vez que operamos uma reflexão, isto é, a cada vez que reunimos nossos atos perpetuamente fluentes em uma unidade e dizemos: “eu lia”, “eu tocava piano” etc. Com isso, Sartre deixa em aberto a possibilidade de descrever a consciência em ação no mundo, aquela de nossa experiência espontânea, irrefletida, tal como ela é antes que nosso olhar reflexivo lance sobre ela aquilo que ela, originalmente, não tem.
Mas daí não se segue que a experiência irrefletida seja inconsciente de si mesma. Todo ato é consciente de si mesmo sem a necessidade de um concurso da reflexão, cada ato se sabe a si mesmo de dentro porque cada um deles, autonomamente, faz unidade consigo mesmo, e cada um se sabe a si mesmo sem que um Eu, além desse ato, o veja realizar-se, como se houvesse um pequeno Eu dentro de cada um de nós (como uma identidade além do fluxo dos atos) que os veria fluir e permaneceria incólume a essa fluência. O ato é para si, ele não é para um Eu. Daí porque Sartre vai dizer que toda consciência é consciente (de) si – assim mesmo, com o “de” entre parêntesis, designando com isso que essa consciência (de) si não representa uma segunda instância, que ela não exige um novo ato. Esse apuro obedece ao princípio fenomenológico de ausência de pressupostos, aquele que pretende acolher o fenômeno em sua pureza.
Ora, visto de perto, cada um desses traços apontados por nós – da herança de Kierkegaard, que afirma o primado do existente, à interpretação de Husserl, segundo a qual a filosofia vai encontrar o fenômeno (isto é, ela será verdadeiramente radical) se voltar-se para a experiência irrefletida – aponta para um mesmo alvo: o existencialismo sartriano muito facilmente pode ser confundido com uma forma de antropologia, isto é, de um discurso que se coloca no mesmo plano das ciências empíricas e que por isso compete com elas. É esse risco que coloca a questão maior ao existencialismo, questão cuja resposta exige longas considerações, a questão relativa ao estatuto do seu discurso: afinal, que é o existencialismo?
Sabe-se que a rubrica “existencialismo” foi uma invenção da mídia francesa para dar nome a um movimento intelectual surgido no pós-guerra – a bem da verdade, ao que se tomou por um movimento, pois isso, ao menos no início, não esteve em questão para os autores. O termo, ainda que Sartre o julgasse mais tarde “idiota”, não deve ter-lhe parecido assim tão absurdo, pois o próprio Sartre dele se serviu em escritos menores (por exemplo, no texto daquela célebre conferência “O existencialismo é um humanismo”, que foi, por sinal, renegada por ele); e o mesmo fez Merleau-Ponty, publicando na recém-criada Les Temps Modernes alguns pequenos artigos sobre o assunto (“A querela do existencialismo”, “O existencialismo em Hegel” etc.). A bem da verdade, Merleau-Ponty preferiu mais tarde adotar uma outra rubrica, a “filosofia da existência”; com isso, ele pretendia não tanto marcar identidade própria, já que, com o tempo, o existencialismo terminou por confundir-se com a doutrina de Sartre, mas sobretudo abrir o horizonte para além da cena francesa do momento; mais do que isso, pretendia mostrar que a filosofia da existência é o traço distintivo de todo o pensamento moderno: menos que uma doutrina particular, uma doutrina entre outras (uma doutrina apropriada, como se diz ainda hoje, às angústias daqueles tempos ferozes), o existencialismo francês apenas retoma uma tarefa que é própria dos Tempos Modernos.
São esses os nossos tempos – o que Sartre e Merleau-Ponty já indicavam pelo título da revista criada por eles – e o seu começo remonta, ao contrário do que possa parecer, não a Descartes, embora em Descartes uma virada decisiva tenha se produzido com o aparecimento da subjetividade (em sentido estrito, ignorada pelos antigos e medievais), tão decisiva que toda a filosofia, ainda hoje, não pode ignorá-la, como não podemos ignorar uma espinha de peixe cravada em nossa garganta; mas não é ainda Descartes que define as tarefas que são as nossas, pois, se ele é o descobridor da moderna subjetividade, ele ainda a faz apoiar-se em um pensamento do infinito: se, por exemplo, Descartes tematiza a percepção, é menos para mostrá-la em sua contingência e finitude do que para pensá-la segundo um critério que a ultrapassa. Na formulação de Foucault, a questão colocava-se para os clássicos (Descartes entre eles) da seguinte maneira: dado que a verdade é o que é, como acontece de perceber como percebemos. A questão dos Tempos Modernos, ao contrário, começa por dar um sentido positivo à finitude.
O começo dos Tempos Modernos, aqueles de que o existencialismo se julga herdeiro, se encontra em Hegel, que, como se sabe, era uma obsessão naqueles dias – um Hegel, é verdade, aclimatado pelos célebres cursos de Kojève, dos anos 1930, e sobretudo o primeiro Hegel, o da Fenomenologia do espírito. Foi esse o primeiro passo a infletir a filosofia em uma direção que permanece, para o existencialista, a nossa direção, pois foi ali que apareceu um novo conceito de razão, uma razão alargada, capaz de explorar o irracional, o contingente, o singular; a tarefa que os existencialistas se davam (e que é ainda a nossa tarefa) é hegeliana: trata-se de explorar e integrar o irracional a uma razão mais alargada, mais compreensiva que o entendimento, e não será surpresa se, no final das contas, a filosofia tiver de abandonar a idéia de uma esfera própria e realizar-se na não-filosofia. Que se tome o conceito de experiência em operação na Fenomenologia do espírito: ele deve incorporar todas as manifestações do espírito, as que residem tanto nos costumes, nas estruturas econômicas, nas instituições jurídicas, quanto nas ciências; ele deve incorporar a experiência moral, estética, religiosa e deve fazê-lo de modo a revelar sua lógica imanente, em lugar de subsumi-la, por encadeamento, a uma construção conceitual. Daí porque Hegel interessava tanto aos existen-cialistas: ao recobrar para a experiência essa dimensão, ele abria a via para revelar o que ela tem de metafísica. A questão que se coloca já não é, como em Kant, a de saber quais as condições de possibilidade de uma experiência, que é, em Kant, puramente científica e cujo correlato é o mundo das ciências da natureza, mas a de revelar as condições de realidade da experiência efetiva, da experiência humana em todos os seus setores.
Mas há o Hegel do fim, do sistema, o Hegel contra o qual Kierkegaard não cessa de apontar suas críticas, aquele que julga o desenvolvimento do mundo e o declara acabado no Estado prussiano; esse Hegel é aquele que finge ignorar sua inerência histórica, aquele que finge colocar-se fora de qualquer situação, é o Hegel que se esquece de sua própria subjetividade. Não foi tanto Hegel, mas Kierkegaard, o primeiro a usar o termo “existência” em seu sentido moderno, diz Merleau-Ponty, e esse sentido é precisamente aquele consubstanciado na crítica de Kierkegaard a Hegel: a existência não se deixa absorver pelo conceito, pelo sistema, pela idéia. A existência implica de imediato uma inerência, uma encarnação, uma situação que é inultrapassável pelo conceito. Verdade, nota Sartre, que é a religião que Kierkegaard quer defender, verdade que ele é um cristão romântico que luta contra a racionalização da fé, verdade que ele procura, incansavelmente, escapar à “terrível mediação” e que, por isso mesmo, seu subjetivismo religioso pode passar por cúmulo do idealismo, mas resta que ele tem razão contra Hegel e representa um progresso em relação a ele: ao afirmar que a vida subjetiva, enquanto vivida, não pode jamais ser objeto de um saber, Kierkegaard afirma a irredutibilidade do vivido, isto é, de um certo real ao pensamento e o seu primado. É essa incomensurabilidade entre o real e o saber que resta para o existencialista, o ganho definitivo de Kierkegaard – ainda, é certo, que ele envolva riscos de um irracionalismo, da afirmação obstinada de uma subjetividade vazia; daí porque, contra Kierkegaard, Hegel também tem razão: em lugar de deter-se em paradoxos da subjetividade, Hegel exige o “ultrapassamento”, a passagem, a mediação. Daí porque, para o existencialista, a questão é menos a de afirmar os direitos inalienáveis da subjetividade, mas a de encontrar nela sua própria transcendência; menos que mostrá-la insubmissa ao conceito, a questão é mostrar que o conceito se funda nessa estrutura existencial.
Assim, por exemplo, no momento em que Hegel vai tratar da alteridade (e esse tema é uma inovação hegeliana: ele vai de par com a inovação do conceito de experiência), Sartre nota que Hegel fala do ponto de vista de uma totalidade, não de seu próprio ponto de vista: se Hegel pode falar em um Todo, em um mundo humano que é mais que um agregado de sujeitos, mais que uma soma de indivíduos, é porque ele encontra um laço que une intimamente os sujeitos e os faz depender uns dos outros; ora, mas Hegel só pode fazer isso, objeta o existencialista em registro kierkegaardiano, abstraindo de sua própria consciência, visando à relação entre as consciências dos outros, tornando equivalentes o seu ser e o ser dos outros; é a esse preço que ele pode falar em totalidade, ao preço de esquecer-se de si mesmo, de sua própria existência. O idealismo de Hegel está aqui, na passagem ao ponto de vista do Todo. No entanto, daí não se segue – é o momento hegeliano tal como o existencialista o interpreta – que os sujeitos estejam ilhados em suas consciências, que eles não formem um mundo humano, que a comunicação seja apenas equívoco, que o outro não possa captar-me no âmago do meu ser: a existência do outro é tão certa quanto a minha e eu nem mesmo colocaria essa questão se ela não se assentasse em uma intuição do outro. Em suma, o verdadeiro cogito é esse “ultrapassamento” para fora de si, essa exigência contínua de um mundo, de um fora, sem o qual ele nada é, mas ele não pode jamais desvencilhar-se de si mesmo e tornar-se essa exterioridade para a qual ele é perpétuo “ultrapassamento”. O sujeito é inteiramente consagrado ao mundo, ele é-no-mundo, continuadamente fora-de-si, mas não pode jamais desfazer-se de si mesmo e tornar-se outro: a síntese hegeliana é travada antes de ela passar adiante, antes de converter-se em idealidade.
Esse sujeito existencialista – mais especialmente: o sujeito sartriano, pois aqui, agora, falamos apenas de Sartre – guarda alguns traços do seu homônimo mais célebre, o sujeito cartesiano, mas o cartesianismo de Sartre é mediado pelas leituras de Husserl, sua referência intelectual mais próxima. Sartre guarda o primado do cogito (é do cogito que se deve partir, ele diz); acontece que esse primado, em Descartes, é idêntico ao primado do pensamento, ele implica um sujeito de pensamento, de representações, de idéias: as idéias são em Descartes aquilo a que o sujeito deve se confinar se quiser buscar a verdade. Ora, o cogito sartriano não seria possível sem a crítica prévia de Husserl à noção de representação. Essa crítica vai implodir o sujeito clássico enclausurado em meio a suas idéias, pois dela sobressai a necessidade de distinguir ato e correlato, a consciência e aquilo de que ela é consciência.
Dito de outro modo: o efeito mais visível da crítica husserliana é a necessidade de voltar à descrição de modos de consciência, modos que a noção clássica de representação ignora (modo imaginativo, perceptivo, signitivo, intelectual etc.); assim, atos de perceber, de imaginar, de inteligir são diferentes modos de consciência e implica diferentes correlatos, diferentes modos de “objeto”. Ou, em termos mais conhecidos: toda consciência é consciência de alguma coisa, implicam um correlato, conforme reza a fórmula clássica da intencionalidade. Cada um dos diferentes atos de consciência possui sua estrutura própria, sua “essência”, e é isso que um clássico é levado a ignorar no momento em que, por um lado, traduz tais modos em termos de “faculdades” (faculdade de imaginar, de sentir etc.), como se essas fossem predicados de um sujeito, e, por outro, lida com o operador geral “idéia”. Resulta daí um duplo prejuízo: o sujeito cartesiano é um sujeito genérico, como que o suporte das diferentes faculdades, e a esse sujeito genérico corresponde uma idéia pouco clara de “idéia”, já que ela ignora, por sua vez, os diferentes modos do objeto.
Ora, essa crítica husserliana vai entusiasmar o jovem Sartre – que dela vai fazer um uso bem peculiar. Todos se lembram da história contada por Simone de Beauvoir, segundo a qual Raymond Aron teria estimulado o jovem Sartre a passar uma temporada na Alemanha para estudar Husserl. O episódio famoso se passou em um café, diante de um coquetel de damasco, e Aron teria dito: “Estás vendo, meu camaradinha, se tu és fenomenólogo, podes falar deste coquetel e é filosofia”. A partir daí, Sartre passaria longos anos debruçado sobre a obra husserliana e dela retiraria as possibilidades que ele buscava desde jovem: a de definir novamente o sujeito, a de superar o primado do conhecimento (tão marcante na filosofia francesa de então), a de fazer jus à diversidade da experiência humana. Daí a insistência no conceito de intencionalidade: em interpretação sartriana, dizer que a consciência é intencional é o mesmo que dizer que ela alcança o objeto em sua transcendência, que o mundo não pode ser convertido em minha representação, que a consciência não é um lugar de representações. Assim, perceber uma árvore não é desvanecer a árvore em uma miríade de sensações coloridas, táteis, térmicas etc., que seriam “representações”: não há elementos subjetivos imanentes, diz Sartre, de modo que perceber uma árvore é alcançá-la lá onde ela está, fora de nós. Daí a insistência de que Husserl libertou o mundo psíquico de um enorme peso ao lançar os conteúdos para fora e definir a consciência como intenção dirigida para o mundo.
A metáfora clássica da consciência como uma caixa, um continente onde conteúdos se alojariam, dá lugar à metáfora moderna de um movimento, um direcionar-se para algo, uma ação: a metáfora do continente é tipicamente espacial, ilusão oriunda do equívoco de pensar o sujeito a partir do mundo espacial; mas o sujeito é “esvaziado” de representações, ou antes, ele não é um “dentro” por oposição a um “fora”, um “interior” por oposição a um “exterior”; ele é uma intenção, uma visada; assim, em vez de espacial (e, por isso, estático e contemplativo), o sujeito será pensado em paradigma temporal (e, por isso, dinâmico e ativo). É assim que o sujeito se dessubstancializa (e só um sujeito temporal pode ser não substancial) e, por conta disso, ele deve ser definido não mais por aquilo que é, mas apenas por aquilo que fizer.
A via aberta por Husserl é imensa e um vasto campo de trabalho se abre para Sartre. Não é à toa que, ainda nos anos 1930, logo depois de ter voltado de Berlim, Sartre se dedique a fazer a fenomenologia de um desses territórios: servindo-se de instrumentos husserlianos, Sartre se volta para a imaginação; ele escreve A imaginação, obra crítica que procura explorar a confusão clássica entre diferentes modos de consciência, confusão que termina por ignorar a especificidade do ato de imaginar, e, logo depois, O imaginário, exercício de “psicologia fenomenológica” no qual aplica o princípio da intencionalidade e revela a essência desse modo de consciência.
Mas o principal da via aberta por Husserl não está aí. O principal está consubstanciado em duas obras: em um pequeno texto, escrito ainda em Berlim, A transcendência do ego, e na obra maior de Sartre, O ser e o nada. É que nessas obras, mais do que em qualquer outra, Sartre traz à luz a união de duas estratégias aparentemente antagônicas: voltar-se para o sujeito existente, para o sujeito concreto no mundo, por um lado, e afirmar o primado do cogito, por outro. Para isso, é preciso redefinir o cogito, mas, antes disso, é preciso mostrar que o ego descoberto pela reflexão é uma criação dela. O que isso significa? Significa que o campo da consciência, em sua pureza, é sem ego, sem persona; só uma reflexão purificadora pode descortinar uma tal consciência sem alma. Aqui, Sartre leva ao limite o princípio da intencionalidade, tornando o próprio ego um objeto, um objeto especial, certamente, mas um objeto transcendente visado por nós a cada vez que operamos uma reflexão, isto é, a cada vez que reunimos nossos atos perpetuamente fluentes em uma unidade e dizemos: “eu lia”, “eu tocava piano” etc. Com isso, Sartre deixa em aberto a possibilidade de descrever a consciência em ação no mundo, aquela de nossa experiência espontânea, irrefletida, tal como ela é antes que nosso olhar reflexivo lance sobre ela aquilo que ela, originalmente, não tem.
Mas daí não se segue que a experiência irrefletida seja inconsciente de si mesma. Todo ato é consciente de si mesmo sem a necessidade de um concurso da reflexão, cada ato se sabe a si mesmo de dentro porque cada um deles, autonomamente, faz unidade consigo mesmo, e cada um se sabe a si mesmo sem que um Eu, além desse ato, o veja realizar-se, como se houvesse um pequeno Eu dentro de cada um de nós (como uma identidade além do fluxo dos atos) que os veria fluir e permaneceria incólume a essa fluência. O ato é para si, ele não é para um Eu. Daí porque Sartre vai dizer que toda consciência é consciente (de) si – assim mesmo, com o “de” entre parêntesis, designando com isso que essa consciência (de) si não representa uma segunda instância, que ela não exige um novo ato. Esse apuro obedece ao princípio fenomenológico de ausência de pressupostos, aquele que pretende acolher o fenômeno em sua pureza.
Ora, visto de perto, cada um desses traços apontados por nós – da herança de Kierkegaard, que afirma o primado do existente, à interpretação de Husserl, segundo a qual a filosofia vai encontrar o fenômeno (isto é, ela será verdadeiramente radical) se voltar-se para a experiência irrefletida – aponta para um mesmo alvo: o existencialismo sartriano muito facilmente pode ser confundido com uma forma de antropologia, isto é, de um discurso que se coloca no mesmo plano das ciências empíricas e que por isso compete com elas. É esse risco que coloca a questão maior ao existencialismo, questão cuja resposta exige longas considerações, a questão relativa ao estatuto do seu discurso: afinal, que é o existencialismo?
Existencialismo é um conjunto de doutrinas filosóficas que tiveram como tema central a análise do homem em sua relação com o mundo, em oposição a filosofias tradicionais que idealizaram a condição humana.
É também um fenômeno cultural, que teve seu apogeu na França do pós-guerra até meados da década de 1960, e que envolvia estilo de vida, moda, artes e ativismo político. Como movimento popular, o existencialismo iria influenciar também a música jovem a partir dos anos 1970, com os góticos e, atualmente, os emos.
Apesar de sua fama de pessimista e lúgubre, o existencialismo, na verdade, é apenas uma filosofia que não faz concessões: coloca sobre o homem toda a responsabilidade por suas ações.
O escritor, filósofo e dramaturgo francês Jean-Paul Sartre (1905-1980), maior expoente da filosofia existencialista, parte do seguinte princípio: a existência precede a essência. Com isso, quer dizer que o homem primeiro existe no mundo - e depois se realiza, se define por meio de suas ações e pelo que faz com sua vida.
Assim, os existencialistas negam que haja algo como uma natureza humana - uma essência universal que cada indivíduo compartilhasse -, ou que esta essência fosse um atributo de Deus. Portanto, para um existencialista, não é justo dizer "sou assim porque é da minha natureza" ou "ele é assim porque Deus quer".
Ao contrário, se a existência precede a essência, não há nenhuma natureza humana ou Deus que nos defina como homens. Primeiro existimos, e só depois constituímos a essência por intermédio de nossas ações no mundo. O existencialismo, desta forma, coloca no homem a total responsabilidade por aquilo que ele é.
É também um fenômeno cultural, que teve seu apogeu na França do pós-guerra até meados da década de 1960, e que envolvia estilo de vida, moda, artes e ativismo político. Como movimento popular, o existencialismo iria influenciar também a música jovem a partir dos anos 1970, com os góticos e, atualmente, os emos.
Apesar de sua fama de pessimista e lúgubre, o existencialismo, na verdade, é apenas uma filosofia que não faz concessões: coloca sobre o homem toda a responsabilidade por suas ações.
O escritor, filósofo e dramaturgo francês Jean-Paul Sartre (1905-1980), maior expoente da filosofia existencialista, parte do seguinte princípio: a existência precede a essência. Com isso, quer dizer que o homem primeiro existe no mundo - e depois se realiza, se define por meio de suas ações e pelo que faz com sua vida.
Assim, os existencialistas negam que haja algo como uma natureza humana - uma essência universal que cada indivíduo compartilhasse -, ou que esta essência fosse um atributo de Deus. Portanto, para um existencialista, não é justo dizer "sou assim porque é da minha natureza" ou "ele é assim porque Deus quer".
Ao contrário, se a existência precede a essência, não há nenhuma natureza humana ou Deus que nos defina como homens. Primeiro existimos, e só depois constituímos a essência por intermédio de nossas ações no mundo. O existencialismo, desta forma, coloca no homem a total responsabilidade por aquilo que ele é.
Se o homem primeiro existe e depois se faz por suas ações, ele é um projeto - é aquele que se lança no futuro, nas suas possibilidades de realização. O que isso quer dizer?
Eu não escolho nascer no Brasil ou nos EUA, pobre ou rico, branco ou preto, saudável ou doente: sou "jogado" no mundo. Existo. Mas o que eu faço de minha vida, o significado que dou à minha existência, é parte da liberdade da qual não posso me furtar. Posso ser escritor, poeta ou músico. No entanto, se sou bancário, esta é minha escolha, é parte do projeto que eliminou todas as outras possibilidades (escritor, poeta, músico) e concretizou uma única (bancário).
E, além disso, tenho total responsabilidade por aquilo que sou. Para o existencialista, não há desculpas. Não há Deus ou natureza a quem culpar por nosso fracasso. A liberdade é incondicional e é isso que Sartre quer dizer quando afirma que estamos condenados a sermos livres: "Condenado porque não se criou a si próprio; e, no entanto, livre, porque uma vez lançado ao mundo, é responsável por tudo quanto fizer" (em O existencialismo é um humanismo, 1978, p. 9).
Portanto, para um existencialista, o homem é condenado a se fazer homem, a cada instante de sua vida, pelo conjunto das decisões que adota no dia-a-dia.
"Tive que cuidar dos filhos, por isso não pude fazer um curso universitário." "Não me casei porque não encontrei o verdadeiro amor." "Seria um grande ator, mas nunca me deram uma oportunidade de mostrar meu talento." Para Sartre, nada disso serve de consolo e não podemos responsabilizar ninguém pelo que fizemos de nossa existência. O que determina quem somos são as ações realizadas, não aquilo que poderíamos ser. A genialidade de Cazuza ou Renato Russo, por exemplo, é o que eles deixaram em suas obras, nada além disso.
Eu não escolho nascer no Brasil ou nos EUA, pobre ou rico, branco ou preto, saudável ou doente: sou "jogado" no mundo. Existo. Mas o que eu faço de minha vida, o significado que dou à minha existência, é parte da liberdade da qual não posso me furtar. Posso ser escritor, poeta ou músico. No entanto, se sou bancário, esta é minha escolha, é parte do projeto que eliminou todas as outras possibilidades (escritor, poeta, músico) e concretizou uma única (bancário).
E, além disso, tenho total responsabilidade por aquilo que sou. Para o existencialista, não há desculpas. Não há Deus ou natureza a quem culpar por nosso fracasso. A liberdade é incondicional e é isso que Sartre quer dizer quando afirma que estamos condenados a sermos livres: "Condenado porque não se criou a si próprio; e, no entanto, livre, porque uma vez lançado ao mundo, é responsável por tudo quanto fizer" (em O existencialismo é um humanismo, 1978, p. 9).
Portanto, para um existencialista, o homem é condenado a se fazer homem, a cada instante de sua vida, pelo conjunto das decisões que adota no dia-a-dia.
"Tive que cuidar dos filhos, por isso não pude fazer um curso universitário." "Não me casei porque não encontrei o verdadeiro amor." "Seria um grande ator, mas nunca me deram uma oportunidade de mostrar meu talento." Para Sartre, nada disso serve de consolo e não podemos responsabilizar ninguém pelo que fizemos de nossa existência. O que determina quem somos são as ações realizadas, não aquilo que poderíamos ser. A genialidade de Cazuza ou Renato Russo, por exemplo, é o que eles deixaram em suas obras, nada além disso.
O peso e a importância da liberdade
Mas ao escolher a si próprio, a sua existência, o homem escolhe por toda a humanidade, isto é, sua escolha tem um alcance universal. João é casado e tem três filhos: fez uma opção pela monogamia e a família tradicional. Já seu amigo José é filiado a um partido político e vai para o trabalho de bicicleta: acha correta a participação política e se preocupa com o meio ambiente. As escolhas de José e João têm um valor universal. Ao fazer algo, deveríamos nos perguntar: e se todos agissem da mesma forma, o mundo seria um lugar melhor de se viver?
E é por esta razão que o viver é sempre acompanhado de angústia. Quando escolhemos um caminho, damos preferência a uma dentre diversas possibilidades colocadas à nossa frente. Seguimos o caminho que julgamos ser o melhor, para toda humanidade.
Fugir deste compromisso é disfarçar a angústia e enganar sua própria consciência. É agir de má-fé, segundo Sartre. Neste caso, abro mão de minha responsabilidade. Digo: "Ah... nem todo mundo faz assim!", ou então delego a responsabilidade de meus atos à sociedade, às pessoas de meu convívio familiar e profissional ou a um momento de ira ou paixão. No entanto, para os existencialistas, esta é uma vida inautêntica.
À primeira vista, o peso da liberdade depositado no homem pelos filósofos existencialistas pode parecer excessivamente pessimista, fatalista, de uma solidão extrema no íntimo de nossas decisões. Mas, ao contrário, o existencialista coloca o futuro em nossas mãos, nos dá total autonomia moral, política e existencial, além da responsabilidade por nossos atos. Crescer não é tarefa das mais fáceis.
E é por esta razão que o viver é sempre acompanhado de angústia. Quando escolhemos um caminho, damos preferência a uma dentre diversas possibilidades colocadas à nossa frente. Seguimos o caminho que julgamos ser o melhor, para toda humanidade.
Fugir deste compromisso é disfarçar a angústia e enganar sua própria consciência. É agir de má-fé, segundo Sartre. Neste caso, abro mão de minha responsabilidade. Digo: "Ah... nem todo mundo faz assim!", ou então delego a responsabilidade de meus atos à sociedade, às pessoas de meu convívio familiar e profissional ou a um momento de ira ou paixão. No entanto, para os existencialistas, esta é uma vida inautêntica.
À primeira vista, o peso da liberdade depositado no homem pelos filósofos existencialistas pode parecer excessivamente pessimista, fatalista, de uma solidão extrema no íntimo de nossas decisões. Mas, ao contrário, o existencialista coloca o futuro em nossas mãos, nos dá total autonomia moral, política e existencial, além da responsabilidade por nossos atos. Crescer não é tarefa das mais fáceis.
Outros pensadores existencialistas
Desde Sócrates (470 a.C.- 399 a.C), muitos filósofos refletiram sobre a existência humana, passando pelos estóicos, Santo Agostinho (354-430), Blaise Pascal (1623-1662), Friedrich Nietzsche (1844-1900) e Henri Bergson (1859-1941), mas nem por isso podem ser chamados de filósofos existencialistas.
Mesmo entre os pensadores alinhados às doutrinas da existência, encontram-se posições diversas que vão do chamado existencialismo cristão, representado pelo dinamarquês Sören Kierkegaard (1813-1855) - considerado o precursor do movimento -, o francês Gabriel Marcel (1889-1973) e o alemão Karl Jaspers (1883-1969), até o existencialismo ateu, do próprio Sartre, do filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976) e dos escritores franceses Albert Camus (1913-1960) e Simone de Beauvoir (1908-1986).
Mesmo entre os pensadores alinhados às doutrinas da existência, encontram-se posições diversas que vão do chamado existencialismo cristão, representado pelo dinamarquês Sören Kierkegaard (1813-1855) - considerado o precursor do movimento -, o francês Gabriel Marcel (1889-1973) e o alemão Karl Jaspers (1883-1969), até o existencialismo ateu, do próprio Sartre, do filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976) e dos escritores franceses Albert Camus (1913-1960) e Simone de Beauvoir (1908-1986).