Através do olhar dos trabalhadores, a coordenadora científica do Centro Latino-Americano de Estudos sobre Violência e Saúde Jorge Careli (Claves/ENSP), Cecília Minayo, descreveu a história e as transformações da Empresa Vale do Rio Doce e de Itabira, cidade mineira em que a companhia nasceu. O livro De ferro e flexíveis: marcas do estado empresário e da privatização na subjetividade operária, publicado há quase uma década, acaba de ganhar edição em espanhol pela Buenos Aires: Lugar Editorial. A obra evidencia as condições de vida da classe trabalhadora no Brasil, analisando a Vale, no período de 1942 a 1997, por ocasião da sua privatização.
Como diz a própria autora, a saga do passado e do presente legitima os mineiros de ferro como portadores de uma experiência particular, específica e universal da classe trabalhadora brasileira, construída sobre a força e a rigidez de ferro e flexibilidade e insegurança da experiência competitiva. A publicação, agora intitulada De hierro y flexibles - Marcas del Estado empresario y consecuencias de la privatizacion en la subjetividad obrera é fruto do trabalho de campo em Itabira, que revela as consequências do neoliberalismo e da flexibilidade do trabalho expressos na história dos operários. A edição em espanhol integra a coleção Salud Colectiva, do Instituto de Salud Colectiva, da Universidad Nacional de Lanús.
O texto claro e o alto rigor acadêmico não impedem que apareça o jeito do trabalhador mineiro. Ele está presente de maneira contínua e foi mantido na tradução. No livro, Cecília expõe a formação do sentido de classe operária no mesmo momento em que a intensificação industrial adere à reestruturação produtiva de ordem mundial e mostra de que maneira a Vale utiliza como máscara a face paternalista do Estado e ‘promove’ a cidade de Itabira a um ponto esquecido nas estatísticas da empresa.
De acordo com Cecília, a trajetória dos trabalhadores da empresa em Itabira se divide em duas fases. A primeira é a da companhia estatal, em que os operários são convocados, treinados e disciplinados para produzir e exportar minério de ferro, em nome dos interesses do país. A segunda é aquela relativa à privatização da Vale do Rio Doce.
Curiosamente, a autora observou que, nessa conjuntura de insegurança provocada pela reestruturação produtiva e pela privatização da companhia, a sociedade itabirana voltou-se para suas raízes e reuniu suas forças. Assim, conseguiu elaborar projetos e propostas criativas para a diversificação produtiva, social e cultural.
Embora seja fruto de uma pesquisa etnográfica, o livro tem uma importância muito mais abrangente. Ele analisa um segmento operário que nasce com o processo de substituição da importação no Brasil: sua origem está no período getulista e do lançamento da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A análise vai até o momento da reestruturação produtiva, vivida nacional e internacionalmente pelas empresas e pela classe trabalhadora.