Se as discussões no Congresso Nacional nos primeiros seis meses do ano foram acaloradas por conta da reforma política, o segundo semestre promete elevar a temperatura dos debates sobre a reforma tributária. O tema deve entrar na pauta da Câmara em agosto, após o recesso parlamentar de meio de ano.
Especialistas em Direito Tributário, as professoras Nara Takeda Taga e Tathiane Piscitelli, da Escola de Direito de São Paulo (FGV Direito SP), avaliam que é fundamental repensar a carga tributária que incide sobre o consumo. “Do ponto de vista estrutural, partindo-se da premissa de que nosso sistema não é justo, já que os pobres são muito mais pesadamente tributados que os ricos, seria fundamental repensar a carga tributária que incide sobre o consumo, cuja natureza é necessariamente regressiva. O ICMS, nesse sentido, é um ótimo exemplo: para além das questões relativas à guerra fiscal, que precisam ser urgentemente trabalhadas, sua incidência ‘por dentro’ é danosa à transparência nas relações tributárias e prejudicial à cidadania fiscal”, explica Nara.
Outro ponto-chave para a reforma é o sistema não cumulativo do PIS e da COFINS, que agrega ainda mais complexidade e litigiosidade ao sistema brasileiro. Segundo as especialistas, a falta de definição precisa sobre os créditos passíveis de apropriação aumenta a insegurança jurídica e a instabilidade nas relações com o Fisco. Há, ainda, a questão que envolve a tributação da renda em bases mais progressivas.
“Esse ponto toca em questões estruturais sobre a tributação da renda em bases mais progressivas do que aquelas que possuímos hoje. Nesse sentido, sequer seria possível dizer que atualmente há progressividade do Imposto de Renda para pessoas jurídicas. Maior progressividade poderia representar uma distribuição mais justa da carga tributária e eventual desoneração daqueles que possuem menor capacidade contributiva”, frisa Tathiane.
Para a especialista, as reflexões que têm sido levantadas sobre tributação da propriedade, como o maior ônus na tributação das heranças, também é bastante saudável à luz da maior justiça distributiva que se agregaria ao sistema.
Apesar do Brasil ser um dos países com maior carga tributária do mundo, ambas as especialistas concordam que dificilmente haverá redução no peso dos impostos para o contribuinte, uma vez que as receitas tributárias são fundamentais para a manutenção do Estado e para assegurar a prestação efetiva dos serviços públicos. “Considerando o tamanho do nosso Estado, não parece que possamos abrir mão de receitas dessa natureza. Porém, essa constatação não afasta a necessária reflexão sobre a melhor forma de se tributar e, nem sequer, da premência de se fomentar um debate efetivo sobre o controle das contas públicas e eficiência dos gastos”, ressalta Nara.
Essa reflexão sobre o que se pretende alcançar com o sistema tributário, segundo Tathiane, é essencial para que haja equilíbrio entre o que é arrecadado pelo Estado e sobre o peso dos impostos para o contribuinte. “Partindo-se da premissa de que um Estado Democrático e Social de Direito como o nosso deve privilegiar a justiça distributiva, seria fundamental que o sistema tributário fosse pensado em termos mais gerais, a partir das bases possíveis de tributação. Com isso, seríamos capazes de refletir sobre como realizar a distribuição dos ônus entre tais bases, garantindo-se tanto o nível de receitas necessário para o Estado quanto uma tributação mais racional do ponto de vista distributivo”, esclarece.
Apesar das expectativas, assim como a reforma política que segue em discussão sem promover mudanças significativas, os debates sobre uma reforma tributária real não entusiasmam as professoras da FGV Direito SP. Para as especialistas em direito tributário, apesar de o tema ter passado por reformulações mais estruturais do sistema tributário, a complexidade do assunto e das discussões deve promover apenas mudanças pontuais.
“Tendo em vista que a reforma do sistema é muito mais complexa do que a simples majoração ou criação de algumas exações, dificilmente o resultado será diferente das vezes anteriores. O que se vê são reformas isoladas, focadas em tributos, as quais, por essa exata razão, não são resultantes de um processo de reflexão sobre o melhor sistema tributário possível, sobre o sistema que desejamos”, explica a professora Nara.