A medicalização é um processo complexo cada vez mais presente em nosso cotidiano. Buscamos médicos, psiquiatras, psicólogos e outros profissionais de saúde quando estamos doentes, mas também quando gozamos de saúde e queremos ficar ainda melhor. Publicado pela Editora Fiocruz,Medicalização em Psiquiatria - dos pesquisadores do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial do Departamento de Direitos Humanos, Saúde e Diversidade Cultural da ENSP Paulo Amarante e Fernando de Freitas -, investiga esse fenômeno, que é, ao mesmo tempo, de ordem cultural, política e econômica.
Os autores, profissionais da área da saúde mental, analisam a questão da medicalização e as consequências individuais e sociais que acarretam. Ainda que o assunto tratado seja de natureza complexa, o livro tem linguagem acessível ao público leigo para que a questão da medicalização do sofrimento psíquico seja compreendida também por aqueles que padecem com ela.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), os gastos com investimentos em saúde aumentaram nos últimos anos. “Estaríamos ficando cada vez mais doentes? Ou estaríamos, a cada dia, ficando mais saudáveis, já que gastamos mais com saúde?”, questionam os autores no texto de apresentação do livro. “Uma resposta muito comum é afirmar que estamos mais doentes em razão de causas inerentes à civilização; dentre as quais o grande vilão seria o estresse, por exemplo. Outra resposta é que a própria medicina e suas práticas afins são responsáveis pelo nosso adoecimento ao medicalizarem as experiências mais comuns e naturais da nossa existência”, explicam.
A problemática da medicalização do sofrimento psíquico é analisada a partir da aliança feita entre a psiquiatria e a indústria farmacêutica. Essa ligação é bem antiga e remonta ao período da Grécia antiga, mas ocorre, de fato, a partir da segunda metade da década de 1950. Vem daquela época a ideia de que os chamados problemas mentais poderiam e deveriam ser curados com o uso de drogas. Os autores destacam: é preciso reconhecer “que a atual aliança entre a indústria farmacêutica e a psiquiatria tem efeitos profundos em nossa existência.” Mas a quem essa aliança interessa? Ela nos deixa, de fato, mais saudáveis? Freitas e Amarante afirmam que não faltam pesquisas evidenciando o quão nefasta ela é para a saúde.
Eles ressaltam que um dos grandes desafios atuais é saber como prestar assistência psiquiátrica psicossocial nos serviços e dispositivos pós-manicomiais sem criar uma população que seja estigmatizada como ex-pacientes, sobreviventes da psiquiatria ou curados. Os autores sugerem a criação de medidas que regularizem a propaganda de medicamentos e a atuação da indústria farmacêutica na formação e atualização médicas, apoio a congressos e publicações científicas, financiamento de pesquisas em instituições públicas, além de ações de transparência e responsabilidade ética. Esse, de acordo com Freitas e Amarante, é o caminho para se criar uma política de saúde e não de mercado.
Autores
Fernando Freitas é psicólogo, doutor em psicologia pela Université Catholique de Louvain (Bélgica); professor e pesquisador do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial do Departamento de Direitos Humanos, Saúde e Diversidade Cultural da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz).
Paulo Amarante é médico psiquiatra, doutor em saúde pública pela ENSP/Fiocruz, com estágio de doutoramento em Trieste (Itália) e doutor honoris causa pela Universidad Popular Madres de Plaza de Mayo; professor e pesquisador titular (senior researche) do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial da ENSP/Fiocruz, vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, presidente de honra da Associação Brasileira de Saúde Mental, diretor de política editorial do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde e editor da revista Saúde em Debate.
Coleção
Temas em Saúde traz para estudantes, profissionais e público em geral panoramas sobre conceitos e conteúdos fundamentais das áreas da saúde. Em linguagem acessível, a coleção combina informação atualizada com reflexões baseadas em recentes produções científicas apresentadas por especialistas sintonizados com o contexto sociopolítico de produção e aplicação do conhecimento em saúde.