“O estigma, como expressão da violência, interfere na relação saúde e doença e pode agravar o sofrimento mental e gerar complicações orgânicas, como alergias e náuseas.” É o que revela a aluna Raquel Silva Barretto, em sua dissertação de mestrado em Saúde Pública da ENSP, sob orientação da pesquisadora Ana Elisa Bastos Figueiredo. A pesquisa, considerada inovadora, teve como objetivo estudar a percepção dos profissionais de saúde mental sobre a questão em relação aos pacientes com transtornos mentais internados em Unidade Psiquiátrica de um hospital geral do município do Rio de Janeiro. Seis profissionais da equipe de saúde mental - psiquiatras e enfermeiros - responderam a uma entrevista e apresentaram maior compreensão sobre violência, ao passo que não demonstraram familiaridade com o termo estigma, segundo Raquel. “Apesar disso, houve concordância sobre a relação do estigma com a violência. Reconhecem que esse fenômeno é presente em suas práticas profissionais, e o estigma como expressão da violência se dá de forma naturalizada, sendo difícil identificá-la no âmbito institucional.”
Alguns entrevistados mostraram a priori o desconhecimento ou incompreensão do conceito clássico de estigma, o que se evidenciou em algumas falas que o dividiram em positivo e negativo, explicou Raquel. “A doença mais relacionada ao estigma foi a hanseníase sugerindo, em um primeiro momento, a dificuldade de enxergar a estigmatização de seus próprios pacientes. Entretanto, levando em consideração que os profissionais que pontuaram a hanseníase se formaram antes de a Lei 10.216 ser instituída no Brasil, avaliou-se a necessidade de reciclagem ou capacitação desses profissionais”, informou a aluna. Essa lei dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.
Para a aluna, a fala do estigma permitiu aos profissionais refletirem sobre a necessidade de se repensar a Reforma Psiquiátrica como um processo contínuo, que ocorre até hoje, em que eles (os profissionais de saúde mental) são os principais agentes de mudança.
Raquel acredita que, se o Ministério da Saúde inclui em sua agenda a violência como um fenômeno relevante, para que haja a saúde, é necessário combatê-la, uma vez que, ao longo das próprias entrevistas, houve a confirmação de que a violência é uma barreira ao gozo pleno da saúde física e mental.
De acordo com a pesquisa, os profissionais de saúde mental se consideram agentes de mudança: eles têm um papel importante na desconstrução dos seus próprios estigmas e nas reproduções sociais, sendo necessário estarem capacitados e compreenderem sobre o campo no qual estão inseridos. Por meio da pesquisa, disse a aluna, evidenciou-se a necessidade da educação permanente no âmbito da atuação em saúde mental.
Além disso, para Raquel, o cenário atual aponta para uma luta e militância em que os dispositivos pós Reforma Psiquiátrica merecem destaque pela minimização do fenômeno da violência em relação às pessoas com transtornos mentais, permitindo maior integralidade na assistência e cuidado.
Segundo ela, é possível afirmar que muito se avançou após a Reforma Psiquiátrica em termos de novas possibilidades para os pacientes. Entretanto, a transformação da mentalidade social é um processo complexo. “Avalia-se a necessidade de repensar algumas práticas que ainda ocorrem nos dispositivos visando reorientar a formação não só dos profissionais, mas também da sociedade civil, para que não se fale em ‘acabar com o estigma’, e sim tomar consciência do fenômeno, reduzindo a intolerância frente aos diferentes devires”, concluiu.
Raquel Silva Barretto é psicóloga, graduada pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e possui experiência com pesquisas e projetos em diversos órgãos.