O poder de transformação e cura das células de embrião desafia os que só pensam em copiar seres humanos.
A cada aparição relâmpago, marcada por declarações imprecisas sobre clones humanos que estaria criando, o ginecologista italiano Severino Antinori rouba as esperanças de milhões de portadores de moléstias devastadoras, como diabetes, esclerose múltipla e mal de Alzheimer. Esse contingente expressivo sonha com o dia em que a construção de células e tecidos sob medida – a chamada clonagem terapêutica – possa reverter males incuráveis e reconstituir órgãos combalidos. O segredo está nas células-tronco, estruturas primitivas que se convertem em qualquer tipo de tecido. A grande promessa de um campo jovem da ciência, a medicina regenerativa, é produzir embriões clonados e, a partir de suas células-tronco, fabricar órgãos para transplante sem risco de rejeição.
Com seu discurso, Antinori encarna a figura do cientista onipotente e vaidoso. Quer “brincar de Deus”, fabricando seres humanos à imagem e semelhança de alguém que já existe ou existiu. Essa perspectiva produziu assombro mundial. Vários países preparam leis que vetam o investimento em todo tipo de clonagem, inclusive na que promete salvar vidas. “A autopromoção de Antinori confunde e cria um efeito político negativo para a clonagem terapêutica”, disse a ÉPOCA o prêmio Nobel de Economia Kenneth Arrow. Ao lado de outros 66 laureados pela Academia Sueca, Arrow é signatário de um manifesto em defesa das pesquisas com células-tronco.
CLONAGEM TERAPÊUTICA
O embrião que interessa às pesquisas é um aglomerado de cerca de 200 células, sem forma definida. Nessa fase, surgem estruturas capazes de se transformar em qualquer tipo de tecido
1 DIA - Formação do embrião
As células possuem a capacidade de construir um novo ser em seu interior.
5 DIAS - Estágio de blastocisto
É a fase de maior potencial. As células podem se transformar em qualquer tecido do organismo.Elas são extraídas e multiplicadas em um banho nutritivo de hormônios e fatores de crescimento. De acordo com a substância adicionada, as células-tronco originam o tecido desejado.
Os cientistas já conseguiram transformá-las em células de: Coração, Pâncreas, Cérebro, Fígado, Múculos, Rins e Ossos.
A clonagem terapêutica tem a ver com o método que originou a ovelha Dolly, em 1997, mas o produto final é diferente. Os cientistas injetam num óvulo vazio o núcleo de qualquer célula extraída do paciente. Ao rechear o óvulo, criam um embrião com material genético idêntico ao da célula original, sem precisar de espermatozóide para fecundá-lo. O ovo começa a se dividir até se tornar, no quinto dia de desenvolvimento, um aglomerado de aproximadamente 200 células. Os cientistas interrompem o crescimento do embrião nesse ponto – em vez de implantá-lo no útero, como Antinori diz ter feito. Em seguida, induzem aquelas células a se transformar num tipo específico de tecido. A depender das substâncias químicas adicionadas às células, elas se convertem em pele para queimados, neurônios para vítimas de mal de Parkinson e células de fígado para quem sofre de cirrose hepática, por exemplo.
Até agora, a maioria das descobertas foi realizada em estudos com camundongos. Alguns grupos, como o da Universidade da Califórnia, iniciaram experimentos com embriões humanos, mas interromperam o trabalho, enquanto aguardam aprovação de legislação específica. O grupo do cientista James Thomson, da Universidade de Wisconsin-Madison, um dos pioneiros das pesquisas com células humanas, fez um acordo de financiamento com a empresa de biotecnologia Geron para continuar os experimentos sem depender de dinheiro público. É tempo de avançar.
Na semana passada, a empresa americana Advanced Cell Technology (ACT) anunciou a primeira prova científica de que tecidos criados por clonagem terapêutica não são rejeitados pelo organismo. Pedaços de músculo cardíaco e de rins, desenvolvidos a partir de células clonadas de vacas, foram implantados com sucesso nesses animais, que dispõem de sistema imunológico sofisticado, semelhante ao humano. Antes desse estudo, opositores da técnica argumentavam que a idéia de construir órgãos compatíveis com o receptor era puramente teórica. “Já provamos as aplicações médicas da clonagem e condenamos qualquer tentativa de produzir gestações”, ressalta o presidente da ACT, Michael West.
AS PERSPECTIVAS
As pesquisas com células-tronco indicam novos caminhos para o tratamento de muitas doenças
Pele - Queimaduras
Olhos - Doenças na córnea e no cristalino
Coração - Enfarte
Ossos - Osteoporose e artrite
Pâncreas - Diabetes
Fígado - Hepatite e cirrose
Cérebro - Mal de Alzheimer, Parkinson, esclerose múltipla
Rins - Câncer
Sangue - Hemorragias, imunodeficiência
Medula óssea - Câncer
Pulmão - Câncer
A empresa provocou furor no fim do ano passado ao revelar o surgimento do primeiro clone humano, na verdade um embrião que só se desenvolveu até o estágio de seis células. A intenção dos pesquisadores era produzir células-tronco para mudar a vida de gente como o médico Judson Somerville, de 40 anos. Paraplégico desde 1991 devido a um acidente de bicicleta, o texano forneceu fragmentos de pele para criar o embrião clonado. O objetivo era reconstituir a medula com células novas. “Minha filha de 14 anos quer que eu a acompanhe ao altar quando se casar. Até lá, estarei em pé”, acredita Somerville.
Os testemunhos de recuperação impressionam. Em 1999, o americano James Ellison, de 37 anos, tornou-se um dos primeiros americanos com esclerose múltipla a receber um transplante de células-tronco, obtidas não de um embrião, mas da própria medula. A doença, produzida por uma desordem imunológica, ataca o tecido nervoso e causa paralisia. Ellison não está totalmente recuperado, mas voltou a andar alguns meses depois da cirurgia.
A perspectiva de cura sem trauma é revolucionária, mas reacende um velho dilema: até que ponto se pode dispor de embriões com objetivos terapêuticos? O material orgânico que interessa à ciência está longe de ser um daqueles fetos flagrados em exames de ultra-sonografia. Os pesquisadores buscam apenas um agrupamento microscópico de células. Não foi gerado pela união do homem com a mulher, e sim por um processo asséptico e artificial. Em tese, porém, poderia dar origem a um clone de carne e osso se fosse implantado no útero de uma mulher.
Os adversários da clonagem terapêutica dizem que a técnica pode transformar embriões numa commodity valiosa como ouro. Argumentam, com boa dose de razão, que as autoridades dificilmente conseguirão rastrear os embriões e saber se eles serão usados para fins terapêuticos ou reprodutivos. Há um consenso na comunidade científica sobre a inadequação da clonagem como forma de reprodução. Cada animal copiado exigiu a morte de centenas de fetos malformados. Fora isso, clones parecem envelhecer precocemente e suspeita-se que possam desenvolver doenças genéticas ao longo da vida. Ser Dolly não é simples.
Antinori, fixado na perspectiva de clonar humanos, não está sozinho na empreitada. O médico cipriota Panos Zavos, ex-colaborador do italiano, e a bioquímica canadense Brigitte Boisselier também alegam que estão prontos para criar bebês clonados. Contam com o apoio de casais inférteis obcecados pela idéia de ter um filho e de narcisistas radicais, interessados em produzir cópias de si mesmos. No mesmo bloco, há os fiéis de uma seita internacional com sede na Suíça, os raelianos. Eles acreditam que a vida na Terra tenha sido gerada por extraterrestres e querem perpetuar sua linhagem por meio de clones. Delírios como esses indicam a urgência de uma legislação internacional sobre o assunto.
O grande embate vai ocorrer ainda neste mês no Senado americano, que votará um projeto de lei altamente restritivo. A proposta do republicano Sam Brownback e da democrata Mary Landrieu pune com dez anos de prisão e multas pesadas quem realizar experiências de clonagem, seja para criar um bebê, seja para curar ä doenças. O projeto impede até a importação de remédios derivados de clonagem terapêutica ou o tratamento de cidadãos americanos no Exterior. O presidente George W. Bush já avisou que sancionará a lei se ela for aprovada. Há um ano, Bush limitou o investimento público apenas a pesquisas com material embrionário já existente.
Ao condenar a clonagem terapêutica, Bush se inspira nos mesmos grupos reacionários que sustentam a proibição do aborto nos Estados Unidos. Para eles, não há diferença entre a mulher que retira um filho indesejado e o cientista que quer obter células-tronco de embriões. Enquanto isso, clínicas de reprodução assistida estocam óvulos recém-fecundados e depois descartam os não utilizados. Se embriões hoje são jogados no lixo, por que não usá-los com o propósito de salvar vidas?
Para o cientista americano David Baltimore, laureado com o Prêmio Nobel de Medicina por suas pesquisas sobre câncer, uma massa de células com cinco dias de desenvolvimento não pode ser tratada como um ser humano. “Se enquadrarmos o uso de células-tronco como assassinato, vamos desperdiçar uma oportunidade enorme”, afirma. O debate traz de volta a divergência de conceitos sobre o momento em que a vida humana começa a existir. Para a Igreja Católica, isso ocorre no instante em que o óvulo é fecundado e começa a se dividir. Para os cientistas, só há vida depois que o embrião se prende ao útero, o que não acontece antes do sétimo dia de gestação.
A perspectiva de emperrar a pesquisa assusta investigadores sérios. A Coalizão para o Avanço da Pesquisa Médica – aliança de universidades, empresas e associações de pacientes – sustenta que a medida levará à evasão de cientistas americanos para países como Inglaterra, Israel e China, que apóiam experiências com embriões. Já serviria de exemplo o caso do cientista Roger Pedersen, que trocou o cargo de professor na Universidade da Califórnia por uma posição em Cambridge, na Inglaterra. ”Se passar, a lei trará uma intromissão governamental sem precedentes no processo científico”, diz Sean Tipton, um dos diretores da entidade.
Na falta de uma diretriz nacional, Estados americanos começam a criar leis locais. Dois deles, Iowa e Michigan, já baniram qualquer tipo de clonagem. Os cientistas americanos torcem para que o país adote um projeto de lei mais sensato, dos senadores democratas Dianne Feinstein e Edward Kennedy. A proposta proíbe a clonagem reprodutiva, sem restringir a pesquisa médica. Recentemente, a dupla conquistou uma adesão importante: o republicano Orrin Hatch, um reconhecido militante antiaborto.
O gabinete do doutor Antinori - Métodos polêmicos fazem o sucesso da clínica de Roma
O controvertido Severino Antinori ganhou notoriedade em 1994, quando uma de suas pacientes, Rosanna Della Corte, deu à luz aos 63 anos. O impacto do recorde mundial, considerado um experimento abusivo pelo Vaticano, quase provocou a perda da licença profissional do ginecologista. A Associação Médica Italiana ameaça cassá-la caso ele continue insistindo nos planos de clonagem. Aos 56 anos, Antinori não se sente intimidado. Afirma que três mulheres estão gerando clones e calcula que os bebês nasçam entre dezembro deste ano e janeiro de 2003. Segundo ele, as voluntárias vivem em países islâmicos e da ex-URSS.
O médico, que na juventude ajudava um tio veterinário a inseminar vacas, fez fama nos anos 80 graças a técnicas de reprodução inovadoras e questionáveis. Para a maioria dos cientistas, Antinori não passa de um criador de factóides. Isso não impede que a ante-sala de seu consultório transborde de clientes. Celular em punho, Antinori costuma circular de uma sala a outra em altos brados. É conhecido por explosões de temperamento, tais como atirar escada abaixo a câmera de uma equipe de TV. Na década passada, colecionou mais brigas na Justiça que publicações científicas. Contabiliza 30 ações contra jornalistas, colegas e "inimigos talebans", como se refere aos membros da Igreja Católica.
O esforço de legislar sobre uma área recente do conhecimento, cheia de perspectivas e incertezas, mobiliza a Organização das Nações Unidas. A entidade quer criar uma convenção internacional que permita o desenvolvimento da clonagem terapêutica e enquadre a reprodutiva na categoria de crimes contra a dignidade humana, comparáveis à tortura e ao terrorismo. A medida fincará obstáculos na busca por financiamento e transformará em párias os cientistas aventureiros. Em fevereiro, representantes de 80 países tentaram aprovar o documento. O acordo foi adiado para 2003 porque EUA, Itália e Espanha insistem em banir também a clonagem terapêutica.
No Brasil, a discussão começa a florescer. O Senado promove um seminário sobre o assunto nos dias 11 e 12. Cientistas, religiosos, advogados, donos de clínicas de fertilização e associações de pacientes debaterão um projeto de lei do senador Sebastião Rocha (PDT-AP), que barra a clonagem para gerar filhos e regulamenta a modalidade que interessa à medicina. Atualmente, uma norma da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança impede pesquisas com células de embrião, a contragosto de alguns acadêmicos. “Sinto-me de mãos atadas”, diz a geneticista Lygia da Veiga Pereira, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo. A equipe de Lygia é uma das poucas no Brasil que criaram linhagens de células-tronco embrionárias em camundongos. Os pesquisadores fizeram com que essas estruturas se convertessem em tipos variados de tecido. Lygia estusiasma-se ao observar que as células induzidas a virar músculo cardíaco pulsam sob a lente do microscópio. “Seria maravilhoso repetir o processo em humanos”, diz.
A sensação de urgência é compartilhada por vítimas de várias moléstias. Há dois anos, a mineira Edna Pupin, presidente da Associação dos Amigos dos Portadores de Distrofia Muscular de Ribeirão Preto, juntou-se a famílias de São Paulo para criar o Centro de Terapia Gênica, o primeiro do país, sustentado com economias particulares. No laboratório, o geneticista Sérgio Dani tenta reverter a doença que leva à falência dos músculos. Por enquanto, testa o tratamento em cães. Depois de colher células-tronco da medula óssea dos animais portadores da doença, Dani pretende agregar a elas o gene produtor de uma proteína fundamental ao bom funcionamento dos músculos. Em seguida, as sementes serão injetadas na corrente sanguínea do doador. Espera-se que elas formem colônias de tecido saudável e a técnica seja aprovada para testes em humanos.
FÁBRICA DE VIDA
Tesouros armazenados na Universidade de Wisconsin-Madison, uma das mais avançadas na pesquisa de clonagem terapêutica nos EUA.
Colônias de células-tronco (formas arredondadas) têm potencial de se transformar em qualquer tecido do organismo humano. Com elas, os cientistas já conseguiram criar as estruturas abaixo:
Células sanguíneas (glóbulos vermelhos) foram desenvolvidas a partir de embriões. No futuro, elas poderão abastecer bancos de transfusão ou beneficiar pacientes que sofreram transplantes.
Neurônios úteis à pesquisa contra os males de Parkinson e Alzheimer foram derivados de células-tronco após um banho de nutrientes.
Edna Pupin representará a ansiedade das famílias no seminário do Senado. Defenderá a liberação de pesquisas com embriões humanos paralelamente aos estudos em animais. Torce pela aprovação de uma legislação que permita ao menos a doação para a ciência dos milhares de embriões descartados pelas clínicas de reprodução assistida. ”Salvar a vida de alguém é um fim nobre para um embrião que será jogado fora de qualquer jeito”, diz Edna. A distrofia muscular já comprometeu os pulmões de seu filho, Murilo, de 23 anos, que vive ligado a um respirador artificial. “Se as células de um embrião pudessem salvá-lo, faria uma inseminação artificial só para isso”, afirma.
As convicções de Edna lançam lenha na fogueira da ética e da religião. Não há consenso sequer entre as famílias diretamente interessadas no avanço da medicina. A economista Maria Cecília de Siqueira e Mello perdeu a batalha contra o tempo depois de percorrer empresas em busca de doações para as pesquisas de distrofia muscular. Seu filho, Luís Filipe, morreu há dois meses. O rapaz de 20 anos deixou de andar na infância e tinha sérias deformações na coluna vertebral. “Jamais destruiria um embrião para salvar meu filho”, diz Maria Cecília.
Ela prefere apostar em formas alternativas de obtenção de células-tronco. Essas estruturas primitivas são encontradas, por exemplo, no cordão umbilical. Os médicos pretendem criar bancos de cordões em todo o Brasil para guardar o material doado pelas mães no momento do parto. Querem copiar o exemplo da China, que já conseguiu estocar milhares de bolsas da matéria-prima promissora. Aidéia é montar uma rede com células derivadas dos mais diversos perfis genéticos. Assim qualquer cidadão poderia encontrar células compatíveis com seu organismo quando precisasse de tratamento.
Outra opção ao uso de embriões é a busca de células-tronco no organismo de seres humanos adultos. Isso equivale a procurar uma agulha no palheiro: calcula-se que apenas uma em cada 1 milhão de células da medula óssea tenha de fato um grande potencial de criar diversos tipos de tecido. Em adultos, as sementes promissoras também foram encontradas, sempre em pequenas quantidades, na pele, no cérebro e até no couro cabeludo. Ainda não se mostraram tão fartas ou capazes de se transformar em qualquer tecido do organismo como as células de embrião. Os brasileiros investem nessa linha, enquanto a manipulação de embriões permanece uma possibilidade remota. O Instituto do Milênio de Bioengenharia Tecidual, criado pelo governo federal, financia atividades em 13 centros de pesquisa que investigam a capacidade de criação de tecidos humanos – do nervoso ao ósseo.
Um dos expedientes prediletos de quem quer impedir as pesquisas com embriões é afirmar que células-tronco extraídas de adultos cumprem o mesmo papel do embrião clonado, com a vantagem de eliminar o dilema ético e religioso. “Isso é falso”, diz o Nobel de Medicina David Baltimore. “Ainda não foi demonstrado que as células de adultos tenham o potencial de se transformar em qualquer tecido do organismo”, explica. Dois estudos publicados na revista Nature no início de abril indicam que células-tronco extraídas de ratos adultos simplesmente se fundem com outras células do receptor, sem criar o tecido desejado. O cientista Naohiro Terada, da Universidade da Flórida, adverte que a conclusão não invalida os bons resultados obtidos em voluntários humanos.
Por enquanto, as experiências brasileiras são realizadas com células extraídas da medula óssea dos próprios pacientes. Em dezembro, o aposentado José Carlos Rosa, de 54 anos, recebeu implantes de célula-tronco no Hospital Pró-Cardíaco, no Rio de Janeiro. Vítima de isquemia cardíaca, falta de irrigação sanguínea, José Carlos teve 100% de recuperação. Injetadas no braço, as células-tronco chegaram ao coração e criaram outras artérias. “Ganhei vida nova”, diz. Até o início de julho, a experiência será repetida em 30 pacientes vitimados pela doença de Chagas, em Salvador.
Nos Estados Unidos, pessoas com lesões nos ossos aguardam o lançamento de uma alternativa menos traumática que os implantes tradicionais. O cientista Yunhua Hu, da Universidade Carnegie Mellon, em Pittsburgh, desenvolveu um polímero que transporta células-tronco para as áreas do corpo desejadas. Em contato com a região danificada, elas se transformam em células de osso e recuperam o tecido lesado. O potencial das células-tronco extraídas de adulto jamais teria sido descoberto sem pesquisas realizadas com embriões abortados ou descartados pelas clínicas de fertilização. Graças a experimentos polêmicos, os cientistas começam a entender os mecanismos que levam uma célula matriz a se transformar em pele ou neurônio, cabelo ou músculo cardíaco. As sociedades científicas sustentam que, apesar dos anúncios de sucesso com células adultas, é um equívoco impedir as pesquisas com embriões.
O presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, Esper Cavalheiro, um entusiasta da clonagem terapêutica, espera com ansiedade a aprovação de uma legislação avançada. “Temos de discutir se a proibição de pesquisas com embriões é restritiva demais e rouba esperança de milhões de brasileiros”, afirma. Com o objetivo de desvincular as pesquisas sérias das tentativas de produzir clones de carne e osso, cientistas propuseram uma alteração no jargão acadêmico. Querem que a clonagem terapêutica seja rebatizada como “transferência nuclear de célula somática”. O americano Charles Krauthammer, membro do Conselho de Bioética que assessora George W. Bush, faz piada. Segundo ele, a mudança equivale a dizer: ”Sexo? Nada disso. Isso é apenas a introdução do pênis na vagina”. A clonagem que promete salvar vidas não precisa de eufemismos.
O que é clonagem terapêutica?
Se pegarmos este mesmo óvulo cujo núcleo foi substituído por um de uma célula somática e, em vez de inseri-lo em um útero, deixarmos que ele se divida no laboratório, teremos a possibilidade de usar estas células, que são totipotentes, para fabricar diferentes tecidos. Isso abriria perspectivas fantásticas para futuros tratamentos, porque hoje só se consegue cultivar em laboratório células com as mesmas características do tecido em que foram retiradas. Por isso, o grande alarde da empresa americana Advanced Cell Technology quando noticiou, no fim de 2001, que havia conseguido em laboratório o primeiro clone humano.
Infelizmente, a experiência divulgada por esses pesquisadores não foi nenhum sucesso, porque o embrião parou de se dividir com seis células. É importante que as pessoas entendam que na clonagem para fins terapêuticos serão gerados só tecidos em laboratório, sem implantação no útero. Não se trata de clonar um feto até alguns meses dentro do útero para depois retirar-lhe os órgãos, como alguns acreditam. A clonagem terapêutica teria a vantagem de evitar rejeição se o doador fosse a própria pessoa. Seria o caso, por exemplo, de reconstituir a medula em alguém que se tornou paraplégico após um acidente, ou substituir o tecido cardíaco em uma pessoa que sofreu um infarto.
Entretanto, essa técnica tem suas limitações. Ela não serviria para portadores de doenças genéticas como, por exemplo, um afetado por distrofia muscular progressiva que necessita substituir seu tecido muscular. Além disso, se houver redução no tamanho dos telômeros, as células clonadas teriam a idade do doador e não seriam necessariamente células jovens. Uma outra questão em aberto seria o comportamento dos genes de imprinting , que poderiam inviabilizar o processo dependendo do tecido ou do órgão a ser substituído. Em resumo, por mais que sejamos favoráveis à clonagem terapêutica, trata-se de uma tecnologia muito cara e com limitações importantes. Por esse motivo, a grande esperança vem não da clonagem, mas da utilização de células-tronco de outras fontes, como veremos a seguir.
Cronologia da descoberta do DNA
1865 - O botânico e monge austríaco GREGOR MENDEL descobre as leis da hereditariedade depois de um extenso estudo com ervilhas.
1953 - 28/02 - O americano JAMES WATSON e o inglês Fancis Cick desvendam a estrutura da dupla hélice do DNA, a molécula que carrega o Código Genético.
25/04 – A descoberta é publicada num artigo de uma página na revista Nature, sem chamar a atenção da comunidade científica.
1973 - O bioquímicos americanos Staley Cohen e Hebert Boyer inserem o gene de um sapo africano no DNA de uma bactéria e dão inicio a engenharia genética.
1982 - O governo americano aprova o uso de INSULINA feita a partir de uma bactéria alterada geneticamente. É o primeiro remédio produzido pela engenharia genética.
1994 - Os EUA aprovam o primeiro alimento tansgenico, um TOMATE que demora a amadurecer.