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segunda-feira, 19 de maio de 2014

Pesquisa relaciona espaço social e obesidade

Com o objetivo de analisar as percepções, interpretações e práticas em torno da alimentação e do corpo obeso com base na valorização do contexto social, a aluna de doutorado em Saúde Pública da ENSP, Vanessa Alves Ferreira, elaborou sua tese intitulada Desigualdades sociais, pobreza e obesidade feminina. A escolha do tema partiu de uma análise, cujo resultado reconhece que as intervenções atuais direcionadas à problemática da obesidade tendem a desvincular o fenômeno do contexto social no qual os indivíduos obesos vivem, subestimando ou negligenciando o papel do espaço social na conformação do perfil de corpo desses indivíduos. Para a pesquisa, foi realizado um estudo de caso exploratório sobre a experiência das famílias residentes em Diamantina, no Vale do Jequitinhonha/MG.
 
A obesidade entre as mulheres pobres entrevistadas nesta pesquisa revela um fenômeno social complexo, que expressa as diversas situações de vulnerabilidade social vividas pelo grupo, bem como os múltiplos aspectos imbricados nesta dinâmica multifacetada, tais como alimentação, cultura, corpo, papéis sociais, gênero, educação, direitos sociais, trabalho e lazer. Fundamentalmente, o fenômeno traz à tona questões humanitárias e éticas que estão relacionadas à liberdade e à autonomia destas mulheres, à questão da cidadania, do respeito a cultura e as tradições locais e, ainda à temática da justiça social distributiva. 
 
“A obesidade feminina entre a população mais vulnerável socialmente é uma questão que deve estar, portanto, no cerne da agenda pública, assim como ocorreu com o programa Bolsa Família, instituído no ano de 2004. O tema deve mobilizar a sociedade civil, o poder público, os setores privados e as instituições acadêmicas e de pesquisa. Não há dúvidas de que este é um debate de natureza intersetorial”, opinou Vanessa.
 
De acordo com a aluna, o fenômeno da obesidade no contexto local não era uma questão da família, mas particularmente, uma problemática das mulheres. “Foi possível perceber uma questão de gênero presente nessa dinâmica. Assim, todos os indivíduos obesos entrevistados na pesquisa foram mulheres. Não encontramos homens e/ou crianças com obesidade nessas famílias. Dessa forma, constatamos que o corpo obeso retratava e traduzia fielmente a vida das entrevistadas. As mulheres apresentam pouca escolaridade, estão desempregadas ou subempregadas, têm filhos e/ou netos pequenos, vivem sozinhas ou em relações conflituosas, são moradoras de áreas geográficas distantes e isoladas dos grandes centros urbanos e residem em casas precárias, sendo muitas sem saneamento. Algumas não têm acesso à coleta de lixo e nem ao transporte público. Essas mulheres vivem dilemas diários, inclusive aqueles relacionados à má alimentação”, explicou.
 
A obesidade, segundo ela, expõe uma outra face da pobreza e das desigualdades sociais na contemporaneidade. Essa característica nas mulheres entrevistadas no Vale do Jequitinhonha esteve intimamente associada à pobreza e à questão de gênero. Um fenômeno extremamente desafiador, conforme explicou a aluna, porque põe à tona o desencontro entre a realidade social e cultural das mulheres entrevistadas e as ações públicas de intervenção na obesidade no contexto local.
 
A obesidade se apresenta hoje como um dos maiores desafios do campo da saúde pública em todo o mundo, inclusive no Brasil. Com isso, o objetivo da pesquisa, segundo a doutoranda, foi transpor análises convencionais e tradicionais nesta área de investigação, procurando integrar campos disciplinares e utilizar instrumentos de pesquisa complementares na tentativa de respaldar este trabalho com argumentos mais consistentes, que possibilitassem de alguma forma explicar o fenômeno da obesidade em um contexto singular, marcado por desigualdades sociais e pobreza, tal como a cidade de Diamantina. O percurso metodológico adotado na tese incorporou uma perspectiva construtivista, a fim de compreender a problemática da obesidade em indivíduos e famílias que vivenciavam situações de pobreza e vulnerabilidade social.
 
Para isso foram utilizados levantamento documental, pesquisa bibliográfica e estudo de caso exploratório, com a realização de 24 entrevistas semiestruturadas em profundidade, e três grupos focais com famílias cadastradas em unidades da Estratégia de Saúde da Família e beneficiárias do Bolsa Família. A proposta foi realizada a partir da seleção de famílias pobres, com casos de obesidade em um de seus componentes. "Trata-se de um estudo de caso interpretativo de um determinado grupo, em um contexto específico, buscando apreender ações, interações sociais e significados culturais dentro de uma abordagem de pesquisa compreensiva e interpretativa", destacou a aluna. 
 
Para Vanessa, enfrentar a obesidade feminina na população pobre de Diamantina é uma tarefa árdua, de longo prazo, porque obriga mais do que uma mudança estrutural de ordem política, econômica e social: impõe mudanças culturais a partir de um compromisso ético não só do Estado, mas de toda a sociedade brasileira. “No Brasil, como bem sinaliza o antropólogo Roberto DaMatta, prevalece ainda a cultura da ‘desigualdade sobre a igualdade’, resquícios de uma trajetória histórica de políticas estatais extremamente desiguais adotadas pelo país. Por essa razão, enfrentar a obesidade entre as mulheres pobres do Vale impõe também uma mudança de natureza cultural em toda a sociedade, para que se repudiem as injustiças sociais”, concluiu.
 
Vanessa Alves Ferreira, graduada em nutrição pela UFRJ, possui especialização e mestrado em Saúde Pública pela ENSP. Sua tese intitulada Desigualdades sociais, pobreza e obesidade feminina, foi defendida no dia 21 de março sob a orientação da professora Rosana Magalhães.