FOTOGRAFIAS

AS FOTOS DOS EVENTOS PODERÃO SER APRECIADAS NO FACEBOOCK DA REVISTA.
FACEBOOK: CULTURAE.CIDADANIA.1

UMA REVISTA DE DIVULGAÇÃO CULTURAL E CIENTÍFICA SEM FINS LUCRATIVOS
(TODAS AS INFORMAÇÕES CONTIDAS NAS PUBLICAÇÕES SÃO DE RESPONSABILIDADE DE QUEM NOS ENVIA GENTILMENTE PARA DIVULGAÇÃO).

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Segurança pública é garantia de acesso a direitos


O Departamento de Estudos sobre Violência e Saúde Jorge Careli (Claves/ENSP), em parceria com a Coordenadoria de Cooperação Social da Fiocruz e a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/ENSP), realizou o seminário Cooperação e construção de conhecimento em territórios marcados pela violência. O encontro contou com a participação da professora do Departamento de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Luciana Boiteux, que ressaltou, em sua fala, ser a segurança pública a garantia de acesso a direitos; porém, atualmente, é vista como exclusão de direitos. Durante o evento, também foi lançado o livro ‘Saúde e Segurança Pública: desafios em territórios marcados pela violência’, organizado por Leonardo Brasil Bueno e outros membros da Coordenadoria de Cooperação Social da Fiocruz. A publicação é uma contribuição para o aprofundamento de reflexões que orientem o debate a respeito de saúde e segurança pública na instituição, em diálogo com o Estado e a sociedade civil.

O coordenador da Cooperação Social na Fiocruz, Leonídio Madureira, e o chefe da Diretoria de Recursos Humanos (Direh/Fiocruz), Juliano Lima, formaram a mesa de abertura do encontro. Conforme destacou Leonídio, a Fiocruz parte de um conceito ampliado de saúde, que vai além do apenas fazer ciência. “Vivemos, hoje em dia, um contexto de violação de direitos, principalmente dos grupos mais vulnerabilizados, como a população do território de Manguinhos, por exemplo. Então, falar em saúde hoje é falar em um contexto de violação de direitos. Mas sabemos que é possível ter uma política de segurança pública que dê direitos a toda a sociedade”, destacou ele.

Juliano Lima reforçou que é fundamental promover essa reflexão, pois o tema da violência está colocado na ordem do dia no Brasil e no mundo. “Em territórios vulnerabilizados, a violência se dá num impacto muito maior que em outros locais. A Fiocruz é uma instituição de elevada reputação científica, e nos propomos a construir conhecimento, porém com envolvimento e participação do nosso entorno. Isso, por si só, já é uma inovação. Estamos sempre buscando pensar nosso trabalho inserido no contexto em que vivemos, envolvendo o trabalhador nessa discussão e pensando verdadeiramente nosso papel”, defendeu o chefe da Direh.

O território de Manguinhos e suas vulnerabilidades 

Dando início ao seminário, foi exibido um vídeo produzido por moradores de Manguinhos a partir da Educação de Jovens e Adultos (EJA), do olhar de quem vive na comunidade. Em seguida, Leonardo Bueno Brasil, da Assessoria de Cooperação Social da Fiocruz e professor da EJA na Escola Politécnica em Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), apresentou a pesquisa "Militarização do território e condições de vida de moradores de favela: reflexões a partir da experiência de Manguinhos, Rio de Janeiro", que buscou enfatizar as tensões e os impactos no cotidiano de moradores de favela em decorrência da continuidade do processo de militarização do território das favelas do Complexo de Manguinhos.

Relacionando as consequências da militarização no território, Leonardo apresentou uma tabela, construída em 2012, de aulas perdidas na EJA devido a confrontos armados na região, entre outros atos de violência. Segundo ele, o perfil de mortalidade hoje é sobretudo de jovens entre 14 e 21 anos, negros e moradores de periferias. Leonardo apontou, ainda, a existência de uma relação direta entre militarização e adoecimento, e raramente essa relação de adoecimento é relacionada aos confrontos armados. “Ainda que entre 2012 e 2013 exista redução dos conflitos armados e homicídios, essa tendência não ditou a lógica da ocupação da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) no território de Manguinhos. A continuidade do processo de militarização do território continua a ter um impacto negativo intenso para o desenvolvimento da Educação de Jovens e Adultos da Escola Politécnica, em parceria com a Rede CCAP, assim como para o trabalho em Cooperação Social e o apoio a ações territorializadas”, afirmou Leonardo.

Com forte e longa militância na área jurídica, Luciana Boiteux, professora do Departamento de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) citou a política de drogas e sua interface com a segurança pública destacando o papel central da Fiocruz nesse território, inclusive fisicamente. Segundo ela, a política de drogas atual é pensada numa lógica de militarização, que sempre enxerga o outro como inimigo. “O Estado sempre chega nesses territórios com repressão; saúde e segurança pública não é o que vemos nesses territórios. E segurança pública é garantia de acesso a direitos. Porém, atualmente, é vista como exclusão de direitos”, lamentou Luciana.

A professora destacou ainda a relação entre segurança pública e outras políticas sociais. Segundo ela, a formação da polícia militar, por exemplo, deve ser repensada para uma lógica que acompanhe a perspectiva de direitos. “Com base no Mapa da Violência, vemos os altos índices de homicídios, e o Estado tem o dever de intervir sobre isso. A militarização nos territórios vulneráveis tem apenas um alvo: o jovem negro. Essa lógica de repressão e violência no combate ao tráfico não resolve nada. A culpa não pode ser de um policial, mas de que tipo de polícia nós estamos usando”, advertiu ela.

Luciana citou também os efeitos da atuação repressiva do Estado e sua relação com o estresse pós-traumático para os moradores de comunidades. Em sua opinião, para mudar a política repressiva atual, é necessário ter registros confiáveis e disponíveis a fim de mudar essa lógica perversa de redução de acesso a direitos. “Existe, hoje, enorme falta de acesso a tratamentos e a políticas sociais; é mais fácil que a demanda venha por repressão, e isso reforce cada vez mais a militarização. Ou seja, estamos falando de uma exclusão social muito clara e objetiva.”

Por fim, a professora apontou alguns efeitos da PEC 241 nas políticas sociais demostrando como a PEC vai influenciar na redução de políticas públicas. “Com a redução das políticas sociais, o controle das populações que vivem em territórios marcados pela violência vai ser sempre a militarização. Precisamos construir mecanismos que fujam dessa saúde da repressão”, concluiu Luciana. Encerrando a atividade, houve lançamento do livro Saúde e Segurança Pública: desafios em territórios marcados pela violência, organizado por Leonardo Bueno Brasil e colaboradores. A publicação é uma contribuição para o aprofundamento de reflexões que orientem o debate a respeito da saúde e segurança pública na instituição em diálogo com o Estado e a sociedade civil.