“A alma de uma mulher e a alma de uma porca são quase o mesmo, ou seja, não valem grande coisa.” (Arnaud Laufre).
“Toda mulher se regozija de pensar no pecado e de vivê-lo.” (Bernard de Molas).
“Quem bate numa mulher com uma almofada, pensa aleijá-la e não lhe faz nada” (Provérbio da época).
Por estes pensamentos da época já da para se ter uma idéia da visão que o homem tinha da mulher. Mas aí é que está, não se pode concluir como era a vida da mulher apenas pela visão masculina. Pois esta pode estar distorcida, ser apenas fruto de sua imaginação. É necessária que seja feita uma avaliação também da visão feminina. Aqui mostramos essa avaliação da visão de ambos os sexos. Para tentar concluir como era a vida das mulheres na Idade Média.
As filhas eram totalmente excluídas da sucessão, quando contraiam matrimônio recebiam um dote, constituído de bens que seriam administrados pelo marido. A linhagem beneficiava apenas componentes do sexo masculino, e a herança só era passada para o primogênito, isso como forma de evitar a divisão dos bens da família. Quando a mulher se casava passava a fazer parte da família do esposo. Nessa nova família, quando viúva, não tinha direito à herança.
O casamento era um pacto entre duas famílias, seu objetivo era simplesmente a procriação. A mulher era ao mesmo tempo doada e recebida, como um ser passivo. Sua principal virtude, dentro e fora do casamento, deveria ser a obediência, submissão. Filha, irmã, esposa: servia somente de referência ao homem que estava servindo.
A inferioridade feminina provinha da fragilidade do sexo, da sua fraqueza ante aos perigos da carne. No centro da moral cristã existia uma aguada desconfiança em relação ao prazer. Ele, segundo os moralistas, mantinha o espírito prisioneiro do corpo, impedindo-o de se elevar em direção a Deus.
Na prática do sexo, sempre com o objetivo único da procriação, a mulher não deveria demonstrar sensação de prazer, a posição deveria ser o homem sobre a mulher. Essa posição obrigatória da prática do sexo indicava a situação de submissão que dela se esperava.
Seguramente, na concepção dos religiosos, o marido que amasse excessivamente sua esposa era visto como adúltero. Não deveria usá-la como se fosse uma prostituta. A mulher não podia tratar o marido como se ele fosse seu amante. Por intermédio do casamento, o corpo da mulher passava a pertencer ao seu esposo. Mas a alma dela deveria sempre permanecer na posse de Deus.
Na época, buscava-se justificar o desprezo dos homens pelas mulheres de todas as formas. Para os pensadores da época, a palavra latina que designava o sexo masculino, Vir, lembrava-lhes Virtus, isto é, força, retidão. Enquanto Mulier, o termo que designava o sexo feminino lembrava Mollitia, relacionada à fraqueza, à flexibilidade, à simulação.
Aos homens, pais ou maridos cabia o direito de castigá-las como uma criança, um doméstico, um escravo. Este desdém revela ao mesmo tempo desconfiança e temor. Os homens receavam o adultério por parte da esposa. Temiam que lhes oferecessem certos filtros mágicos que os levassem a impotência. Esterilidade, esta, que assustava os homens.
Na época, a mulher era vista como um ser que foi feito para obedecer. Não era bom que uma mulher soubesse ler e escrever, a não ser que entrasse para a vida religiosa. Uma moça deveria, isso sim, saber fiar e bordar. Se fosse pobre, teria necessidade do trabalho pra sobreviver. Se fosse rica, ainda assim deveria conhecer o trabalho para administrar e supervisionar o serviço de seus domésticos e dependentes.
Entretanto, não devemos pensar na mulher como um grupo compacto e oprimido pelos homens. As diferenças sociais foram sempre tão fortes como as diferenças de sexo. Muitas vezes a opressão era exercida pelas mulheres poderosas sobre as suas dependentes.
As camponesas deveriam, quando casadas, acompanhar seus maridos em todas as atividades desempenhadas no domínio senhorial onde trabalhava. Quando viúva trabalhava com os filhos ou sozinha. Já às aristocratas cabia a tarefa de ser dona de casa, função difícil na época, pois a economia doméstica era bastante complicada, exigiam muita habilidade e senso de organização da dama. O suprimento de alimentos e vestimentos da vasta família estava sob sua responsabilidade. Tinha de administrar o trabalho dos domésticos, acompanhar passo a passo à fabricação dos tecidos, controlar e supervisionar o abastecimento de alimentos.
É difícil sustentar a hipótese de uma marginalização generalizada da mulher na Idade Média. O casamento, tornando-a responsável pela reprodução biológica da família, garantia-lhe papel de relevo na estabilidade da ordem social. Juridicamente despersonalizada, esteve reduzida ao meio familiar e doméstico.
Em alguns casos não se tratava apenas de marginalização de mulheres. A heresia, por exemplo, teve seguidores dos dois sexos.
Os movimentos heréticos representavam perigo para a doutrina oficial da Igreja em vários momentos desde a afirmação do cristianismo como religião preponderante no Ocidente. As heresias, doutrinas contrárias ao que se foi estabelecido pela Igreja, levados, pela independência na interpretação de textos sagrados, ao confronto com os dogmas estabelecidos, e outras vezes de velhas tradições pagãs não assimiladas pelo cristianismo e refutadas por esse motivo.
Na heresia, ao contrário das normas da Igreja, existia espaço para a pregação ao sexo feminino. Em uma das doutrinas hereges, as mulheres poderiam se tornar “perfeitas”, um grau superior nesta doutrina. Ao que tudo indica, esta mulher “perfeita” poderia prestar os mesmos serviços espirituais que o um homem, tendo os mesmos direitos e o mesmo apoio que eles gozavam.
Outra questão que levava a marginalidade feminina era a prostituição. Parece surpreendente o fato de uma atividade oposta aos rígidos padrões morais da época ter sido tão amplamente desenvolvida, tornando-se mesmo pública entre as pessoas que estabeleciam os fitos padrões. A prostituição, na verdade, foi sempre ambígua, considerada um “mal necessário”. Em última instância, a prostituição, imoral, colaborava para a sanidade da sociedade.
A prostituição resolvia o problema dos jovens. A difusão da prostituição em meio urbano diminui a turbulência característica desse grupo. O recurso aos “casarões noturnos” diminuiu a possibilidade de estupros, arruaças e violências generalizadas cometidas pelas agremiações juvenis. Resolvia também o problema da homossexualidade masculina. A prostituição servia ainda de remédio às fraquezas dos clérigos diante dos prazeres da carne.
Assim, de pernicioso aos olhos dos moralistas, pela garantia da moralidade pública, o meretrício, mais que tolerado, foi estimulado. Entretanto as “marcadoras do prazer” jamais foram bem vistas. Pelo contrário, era preciso afastá-las das “pessoas de bem”.