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sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Artigos: Humanismo e Renascimento



O século XVI, econômica e politicamente, caracterizou-se por seu aspecto revolucionário, cujos reflexos se expandiram no pensamento e na estética. Em consequência, surgiu uma nova visão do homem. A exaltação do valor humano, como meio e finalidade, fundamentou o chamado Humanismo Renascentista, que perseguida o ideal de reviver a Antigüida­de clássica, considerada um modelo uniforme.
Embora os humanistas julgassem os séculos que os prece­deram obscuros e bárbaros, é necessário lembrar que o hu­manismo percorreu caminhos inovadores e fecundos, calcados no passado medieval. Portanto a revolução espiritual e artística do século XVI apoiou-se, sem dúvida, em realizões anteriores.


1. O Humanismo

Fala-se em humanismo sempre que o valor fundamental de uma doutrina é a pessoa humana, o sentimento, a origina­lidade e a superioridade do homem sobre as forças obscuras da natureza.
Essa palavra, entretanto, possuí uma conotação históri­ca, localizada no tempo e no espaço: designa um movimento estético, filosófico e religioso que, preparado pelas correntes do pensamento medieval, surgiu na Itália no século XV e di­fundiu-se através da Europa no século XVI, caracterizando-se por um esforço em avaliar o homem em sua essência, pro­pondo uma arte de vida em que ele se perpetuasse.


2. Os Fundamentos do Humanismo

O humanismo fundamentou-se inicialmente na herança medieval, mesmo contrapondo-se ao sistema existente. Assim, através dos tempos, a Sagrada Escritura forneceu aos homens uma cosmologia, uma história, uma moral e uma finalidade existencial, enquanto a Idade Média edificara uma filosofia de início submissa à teologia, mas tendendo progressivamente a explicar sobretudo os pontos em que a Bíblia não mais satis­fazia a curiosidade do espírito humano. Criou-se então uma ciência que permitiu ao homem compreender o mundo para tentar dominá-lo.
A filosofia e a ciência baseavam-se em Aristóteles, conheci­do integralmente a partir do século XIII, por intermédio de tra­dutores e comentadores árabes e judeus. Através de tradu­ções, conheceu-se uma lógica, um modo racional, uma concep­ção do conhecimento e um corpo científico.
Tomás de Aquino, frente a um pensamento tão completo e totalmente estranho ao cristianismo, introduziu uma solução global, proclamando a unidade profunda da verdade através do acordo da fé com a razão. Contudo, no fim do século XV, apenas alguns pensadores defendiam o tomismo, pois o nominaIismo de Guilherme D'Occam (1280-1349) passara a dominar os ensinamentos universitários. Para D'Occam, as verdades da fé não comportavam uma análise racional, enquanto a razão, a partir das aparências sensíveis, podia elaborar uma ciência pu­ramente experimental, que nada devia à Escritura. Esse conhe­cimento individualizava os conceitos que os homens usavam para designar as espécies.
Esse divórcio entre a fé e a razão trouxe inúmeras conse­quências nos domínios religioso, filosófico e científico, configu­rando a crise do pensamento medieval, a qual explica a hostili­dade dos humanistas à Escolástica e o sucesso dos novos pen­samentos.
A fonte mais viva do humanismo talvez seja a redescober­ta da Antiguidade. Embora a Idade Média não ignorasse tal período, via-o de modo truncado e deformado. Truncado, por­que não conhecia a maior parte da literatura grega, senão através das análises latinas (por exemplo, Homero, através de Virgílio, ou os estóicos, através de Cícero). Deformado, por aquelas obras satisfazerem apenas politicamente as instituições do Estado Romano.


3. A Filosofia Humanista

Com a revelação da filosofia de Platão, avaliaram-se nova­mente as doutrinas de Aristóteles. Averróis (1126-1189) pro­pôs uma nova interpretação de Aristóteles: a separação total da filosofia e da fé. Em Pádua, Pietro Pompanazzi (1462-1525) fundamentou a doutrina filosófica naturalista. Outros pensadores da Pádua continuaram seus ensinamentos, que in­troduziram no universo um estrito determinismo, não cedendo lugar à intervenção divina. O averroísmo paduano foi bastante importante durante todo o século, influenciando desde Rabelais a Copérnico.
Entretanto a verdadeira filosofia humanista, impregnada pelo pensamento de Platão, consolidou-se com Marsilo Ficino (1433-1499), protegido por mecenas como Cosme e Lourenço, o Magnífico. Ficino escreveu a Teologia Platônica, em que criou uma ontologia para o neoplatonismo: "Deus é o ser de que emanam todos os outros seres, hierarquizados segundo suas ordens de pureza. As almas austrais e anjos são puras criaturas celestiais, imortais e perfeitas, que asseguram a marcha que compõe o universo incorruptível. Em contraposição, encon­tra-se o universo material, composto por criaturas e idéias próximas de Deus, que necessitam de formas sensíveis para exis­tir, mas estas formas não são mais que traduções imperfeitas e corruptíveis dos arquétipos divinos". Em síntese, no centro do cosmos, o homem era alma imortal, imagem de Deus, criatura privilegiada entre todas, embora sendo material. Sua vocação para o conhecimento ultrapassava o mundo das aparências sen­síveis e atingia as idéias, que lhe permitiam alcançar Deus.
Porém o homem podia assemelhar-se a Deus, primeira­mente, e depois identificar-se com ele, se Deus o quisesse, pela criação. O homem era, como Deus, um artista universal. O "homem viu bem a ordem dos céus, a origem dos seus movimentos, sua progressão, sua distância e sua ação. Quem poderia, portanto, negar que ele possui o próprio gênio do criador e que seria capaz de moldar os céus, se tivesse os instrumentos e a matéria celeste? O homem é o Deus de todos os seres materiais que ele trata, modifica e transforma". (MOUSNIER, Roland. História Geral das Civilizações. São Paulo, Difel, v. 9, p. 22)
Essa filosofia, profundamente idealista, baseada na procu­ra do divino, caracterizou o pensamento dos humanistas ita­lianos no fim do século XV e início do século XVI.


4. A Difusão do Pensamento Humanista

As idéias humanistas, apesar das fronteiras e dos conflitos europeus, propagaram-se e, se não atingiram profundamente grande parte dos homens, difundiram-se pela elite intelectual.
A imprensa  adquiriu um papel importante nesse sentido. A fundação da oficina de Gutemberg, em 1348, e a invenção de tipos móveis criaram as técnicas necessárias à impressão. Os manuscritos dos primeiros livros humanistas foram larga­mente difundidos. Nos séculos XV e XVI, multiplicaram-se consideravelmente os centros impressores na Europa, geran­do a maior circulação de obras antigas e contemporâneas, que se tornaram veículos fundamentais das idéias huma­nistas. Ainda se deve considerar a importância das relações permanentes feitas através das viagens e das correspondên­cias, como a de Erasmo na Itália e na Inglaterra.


5. As Propostas Humanistas

O humanismo propôs uma estética em que a contempla­ção da beleza era o meio superior do conhecimento real. Este, belo, harmonioso e equilibrado, aproximava-se do divino. De todas as belezas naturais, o belo humano era o elemento mais próximo do ideal estético. Estudando o corpo humano, ima­gem reduzida do mundo e imagem de Deus, descrevendo os sentimentos e as paixões humanas, o artista dava o melhor de seus sentidos, considerando as obras da antiguidade incompa-ráveis modelos. Essa postura permitiu à arte traduzir os gran­des mitos que simbolizavam o destino humano, fosse profano ou santo.
No início, o humanismo voltava-se mais para a literatura; posteriormente passou a influenciar as artes figurativas. A arquitetura traduziu a ordem natural, a harmonia das "divi­nas proporções" e o equilíbrio das massas. A escultura imor­talizou o corpo humano, na sua nudez. Mas foi a pintura, ocu­pando destacada posição, que recriou a natureza, pois, ao retratar o homem numa infinidade de situações e sentimentos, fixou os grandes momentos da humanidade. Toda a Renas­cença estruturou-se no idealismo estético.
Tendo revolucionado os antigos conceitos, o humanismo propôs ainda as bases de um novo método científico que esti­mulou o progresso do conhecimento. Em conseqüência das in­fluências de Pitágoras, Nicolau Cues (1401-1464) lançou a ba­se do conhecimento matemático, e Leonardo da Vinci, um sé­culo antes de Galileu, constatou que "O universo esconde em suas aparências uma espécie de matemática real". A geometria enriqueceu-se com a trigonometria, já que as exigências do co­mércio provocaram uma alteração nos métodos de cálculo. A álgebra progrediu igualmente.
Graças aos progressos matemáticos, a astronomia reno­vou-se. O movimento dos astros contestou o geocentrismo, afirmado por Ptolomeu e pela Escritura. Nicolau Copérnico (1473-1543), baseado em antigos astrônomos, elaborou a revolucionária teoria do heliocentrismo, proposta em sua obra Revolução na Órbita Celeste. "Em torno do Sol, centro do uni­verso, giram as esferas celestes, entre as quais a Terra".
A física ainda estava submetida aos conceitos de Aris­tóteles. Contudo vários trabalhos, entre os quais os de Leo­nardo da Vinci, formalizaram o conhecimento das soluções dos problemas de força, balística e dinâmica dos fluidos, sem entretanto, configurarem uma teoria.
Esses conhecimentos, que enriqueceram o corpo científi­co, ligam-se intimamente ao grande século das ciências (XVII), em que se destacaram Galileu e Descartes.
Portanto, se a arte foi o meio de se conhecerem os misté­rios da natureza, a ciência tornou-se seu instrumento.


6. A Ética

O homem, por ser o centro da reflexão humanista, elabo­rou uma ética individual e social.
A moral humanista individual repousava sobre o otimisto: criatura priviliegiada, o homem era naturalmente bom e estava próximo ao plano divino. Embora essa doutrina se chocasse com a do pecado original, afirmava que a razão humana, Ins­truída pela filosofia e sustentada pela graça divina, possibilitava a todos a ordem da harmonia da natureza. Assim, a moral individual era o respeito do homem por si mesmo e sua obediência às aspirações naturais e boas que descobria em seu interior.
No plano coletivo e social, essa moral individual preserva­va a liberdade e tudo aquilo que permitisse ao homem uma es­colha racional do bem. Erasmo e Rabelais, nos seus escritos políticos, elaboraram a maneira de governar segundo esta con­cepção: "O bom príncipe deve se valer do bem comum, deve respeitar os direitos de cada um, deve fazer reinar a paz, re­nunciar às conquistas ambiciosas, lutar contra o luxo e proteger os pobres".
Thomas More foi mais longe ao descrever, em sua obra Utopia (1516), uma sociedade ideal. Condenando o absolutismo, por reduzir a liberdade natural dos homens, os privilégios, por estimularem o espírito de proveito, e o poder do dinheiro, concluiu: "Onde a propriedade é um direito individual, todas as coisas se medem pelo dinheiro, não se poderá jamais organizar a justiça e a prosperidade social".
O humanismo também inspirou o pensamento realista de Nicolau Maquiavel (1469-1527). Em sua obra O Príncipe (1513), contrariando teorias políticas medievais, ele estabele­ceu o pricípio da autoridade, de sua aquisição e conservação, propondo a noção de poder legítimo: "O poder deve ser toma­do pela força, criado pelo direito. Para guardar o seu trono, o príncipe deve criar barreiras, inspirar a estabilidade, eliminar seus inimigos potenciais e sacrificar aqueles que se tornam in­submissos. A razão do Estado é o único motor da ação políti­ca". (M0USN1ER, Roland. A História Geral das Civilizações. v. 9, p. 49). Aqui a ética da liberdade individual proposta pelo humanismo termina em alienação coletiva.
Assim, além de o humanismo construir para o homem o ideal do belo, deu-lhe regras para a vida, meios para dominar o cosmos e ainda estruturou uma teologia. Os humanistas estudaram os manuscritos, compararam-nos e criticaram-nos, retornando ao grego e ao hebreu, para organizar novas ver­sões dos santos textos e novas traduções.
Os humanistas abordaram ainda os mistérios divinos so­bre a Trindade e a encarnação, indiferentes às formas dogmá­ticas. Erasmo, Rabelais e More propuseram que apenas alguns dos dogmas contidos na Escritura bastariam à religião. O resto a construção humana dominava.
Todos esses pensadores consideraram a Igreja uma insti­tuição aceita por Deus para ajudar os homens na salvação, servindo-lhes como exemplo e nunca como punição. Além disso, rejeitaram as supertições, as obrigações tradicionais, aceitando apenas o papel moralista da Igreja, fundado sobre a fé nas mensagens do Evagelho.