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quarta-feira, 18 de maio de 2016

Política de residência multiprofissional encerra XI Ciclo de Debates


O último dia do XI Ciclo de debates - Conversando sobre a Estratégia de Saúde da Família, realizado na ENSP entre os dias 2 e 6 de maio, foi dedicado ao tema da residência multiprofissional. A proposta era debater a Política Nacional de Residências, a formação dos profissionais e a necessidade de se enfrentar o uso da residência como um substitutivo de mão de obra no sistema de saúde. Na mesa coordenada pela pesquisadora da ENSP Maria Alice Pessanha, estiveram presentes Laura Camargo Feuerwecker, da USP, no papel de conferencista, e Alice Mariz, da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, como debatedora. A tarde ocorreu a formatura da turma 2014/2016 da Residência Multiprofissional da ENSP.

Laura Camargo começou sua fala lembrando do surgimento da residência multiprofissional e de como a conjuntura política vem influenciando na luta para que ela seja implementada plenamente. “Quando surgiu a residência, estávamos vivendo o debate do ato médico e havia uma tensão muito grande. Havia uma proibição formal de que os médicos participassem de qualquer residência multiprofissional. Em seguida, houve o escândalo do Mensalão e negociaram o Ministério da Saúde para o PMDB. Projetos como o Ver-SUS, a Educação Permanente, as residências deixaram de ser prioridade. A ideia passou a ser a de que bastava levar os estudantes para a Estratégia de Saúde da Família (ESF)”.

Segundo Laura, também havia uma dificuldade de se compreender o papel que profissionais como fisioterapeutas ou assistentes sociais desempenhariam na ESF. Além disso, a proposta sofria resistência por parte dos médicos. “As enfermarias estão organizadas a partir de uma lógica médica. As outras profissões não estão organizadas desse modo. Então, acabávamos construindo um dispositivo de residência multiprofissional para se produzir mudanças. Isso começou a trazer questões incômodas para a residência médica”.

Uma outra conjuntura que trouxe dificuldades para a implementação da residência multiprofissional, segundo a pesquisadora, se deu com o surgimento do programa Mais Médicos. “O Ministério da Saúde escolhe qual briga vai comprar. Então, com o Mais médicos, já se tinha que comprar tanta briga com o Ministério da Educação que a residência multiprofissional deixou de ser prioridade”.

A avaliação da pesquisadora é de que a residência multiprofissional, que pode ser uma ferramenta de produção de mudanças importantes no sistema de saúde, ainda está em seus estágios iniciais, bem longe de corresponder aos ensaios de seus idealizadores. “Temos uma política muito precária para a residência multiprofissional, porque várias questões importantes deixam de ser tratadas e debatidas. A memória do que foi a luta vai se perdendo por causa das muitas interrupções. A luta acaba ficando desarticulada. Do ponto de vista de pensar a residência como uma política estamos nos passos iniciais. Ela não se consolidou como uma aposta compartilhada em que, inclusive, outros atores que não estão participando dessem sustentação. O Conass e o Conasems (Conselhos de secretários estaduais e municipais de saúde) participam, mas acabam se envolvendo mais em outros temas, assim como o próprio Ministério da Saúde. A proposta do SUS ser uma escola, a educação permanente, são apostas que entraram fragilmente na agenda dos gestores. Nunca é uma agenda prioritária. Acontece em alguns municípios, mas não emplaca”.

Entre os problemas levantados durante a fala de Laura, estava a quantidade de pessoas que ficam sob a responsabilidade das equipes, que chegam a cuidar de até 8 mil usuários cada uma. Também há a dificuldade de se estabelecer uma dinâmica que permita que os médicos saiam das unidades. “O residente tem que se sentir o responsável pela equipe, do contrário, não tem como aprender. Esse mergulho na prática não pode ser mais ou menos. O médico precisa também andar por outros lugares. Quem vai para o território mesmo é, principalmente, o agente comunitário de saúde e o pessoal do Núcleo de Assistência às Famílias (NAF), então o reconhecimento dos modos de viver no território não é vivenciado e isso é mortal para a construção da Estratégia de Saúde da Família como achamos que deve ser”.

Encerrando sua fala, Laura lembrou que em momentos de crise econômica, o subfinaciamento do SUS tende a aumentar e com ele o perigo do uso das residências como mão de obra. “O SUS sempre tem problemas de falta de recursos, mas estamos numa situação muito difícil. Nesse momento, a tendência de querer usar a residência como mão de obra aumenta. Então, a briga tem que ser forte. É uma tensão permanente, uma aprendizagem pelo trabalho. Essa é diferença entre o estágio na graduação e a residência, mas é preciso que ela seja pensada de modo a que promova mudanças em lógicas existentes”.

Ao dar início ao debate, Alice Mariz, que é enfermeira, lembrou da dificuldade que os profissionais de saúde enfrentam ao se inserirem na prática sem ter passado por uma residência adequada. “Eu sei as dores de quem é inserido diretamente no campo sem preparação. Eu pensava que nove anos depois teríamos avançado, mas infelizmente não é o que aconteceu.  Estamos distantes ainda de uma formação para o SUS. A atenção primária piorou”.

Alice acredita que a residência é capaz de superar o risco de se transformar numa ferramenta da substituição de mão de obra. “A gente escutou muito isso: vocês estão numa residência que é substituição de mão de obra. E eu acho que é diferente. O que eu vejo como possibilidade de formação é a aposta numa residência em que se vivencie o mundo real. O Programa tem que estar organizado de forma que o residente viva o mundo real com suporte, com um preceptor adequado, com critica reflexiva”.

Entre outras propostas para garantir a efetividade da residência multiprofissional, segundo Alice é importante pensar a formação e na gratificação dos preceptores. “Além da remuneração, é preciso uma formação específica. A maioria dos preceptores se tornaram preceptores do dia para a noite e têm questões educacionais específicas que precisam ser tratadas. Precisamos ter o residente mais próximo da construção do curso, garantir bolsa para todos os preceptores, já que, atualmente, só os médicos recebem”. 

A enfermeira, que durante seu mestrado na ENSP estudou burnout, distúrbio que se caracteriza por um intenso esgotamento físico e mental dos trabalhadores, causado pelas condições de produção a que estão submetidos, vê algo semelhante acontecer com muitos profissionais da Estratégia de Saúde da Família. “O processo que acontece na estratégia de saúde da família é esse, o de um trabalho que é impossível de ser realizado da forma como idealizamos. Atender 40 pessoas traz muito sofrimento. Como vamos reorganizar o acesso sem fazer com que as pessoas sofram? No final do burnout a pessoa vai embora e a gente vê muito isso acontecer na ESF. Na enfermagem, por exemplo, vemos muito. Cria-se uma expectativa, mas nem sempre se consegue dar conta, não se tem nas unidades estratégias de educação permanente, as reuniões são adiadas por conta de demanda, etc.”.

Essas reuniões e dinâmicas para se pensar o processo de trabalho, segundo Aline, são fundamentais na formação dos profissionais das residências. “A gente luta para que exista esse momento teórico prático de reflexão. Isso é essencial. Toda vez que sabemos que isso não está acontecendo a gente tenta intervir, porque não estamos brincando de fazer formação em saúde. Nós achamos isso essencial na formação dos profissionais”.

Residência Multiprofissional em Saúde da Família forma profissionais para o SUS

O XI Ciclo de Debates – Conversando sobre a Estratégia de Saúde da Família chegou ao fim com a realização da tradicional formatura dos alunos do curso de Residência Multiprofissional em Saúde da Família, uma parceria da ENSP com a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (SMS/RJ) e o Núcleo do Estado do Rio de Janeiro do Ministério da Saúde (Nerj/RJ). Com aproximadamente 20 profissionais formados, a turma 2014/2016 recebeu seu diploma ouvindo as palavras do diretor da Escola, Hermano Castro, reforçando que aquele momento representava a finalização de um ciclo. “Espero que vocês saiam daqui levantando a bandeira que aprenderam ao longo de todo esse curso, que é a de um SUS fortalecido”. A cerimônia contou também com a presença da vice-diretora de Ensino, Tatiana Wargas e da coordenadora geral do curso, Maria Alice Pessanha de Carvalho.

Ressaltando a emoção e felicidade do dia, a vice-diretora Tatiana Wargas lembrou que a residência é um espaço diferente de formação que olha especialmente para a Atenção Básica. “A cada ano a formação de vocês se supera, pois ela consegue reunir aquilo que há de mais difícil: ensino, pesquisa e ações voltadas para o território. Outra questão fundamental é o trabalho de equipe, e vocês fazem isso na prática diariamente e com muito louvor. Atualmente não temos um cenário fácil, mas temos que enfrentar tudo isso e precisamos ser críticos, é necessário levantar pautas importantes, como, por exemplo, a valorização do trabalhador da saúde. E preciso refletir juntos, criar estratégias de projetos que preservem a saúde universal, integral e participativa”.

A coordenadora geral da Residência fez um discurso emocionado agradecendo a todos os envolvidos que contribuem para a realização do curso ressaltando as dificuldades de todo processo de formação complexo da Residência. “Sabemos o quão difícil é juntar R1, R2, R3, docentes, preceptores, secretárias de saúde e CAPS em todo esse processo que reforça a função da Escola de produzir espaços de aprendizado. Esse é mais um ciclo que se fecha, mas dando espaço para um novo que se inicia. Vocês saem daqui, mas serão para sempre enspianos”, comemorou Maria Alice Pessanha de Carvalho.