FOTOGRAFIAS

AS FOTOS DOS EVENTOS PODERÃO SER APRECIADAS NO FACEBOOCK DA REVISTA.
FACEBOOK: CULTURAE.CIDADANIA.1

UMA REVISTA DE DIVULGAÇÃO CULTURAL E CIENTÍFICA SEM FINS LUCRATIVOS
(TODAS AS INFORMAÇÕES CONTIDAS NAS PUBLICAÇÕES SÃO DE RESPONSABILIDADE DE QUEM NOS ENVIA GENTILMENTE PARA DIVULGAÇÃO).

quinta-feira, 9 de julho de 2015

Alunos de escola pública colaboram na produção de conceitos de saúde e violência


Como você percebe a saúde? Essa foi a pergunta norteadora da pesquisaInterdisciplinaridade e intersetorialidade na construção do conhecimento em saúde em escolas públicas do território de Manguinhos, no RJ, coordenada pela pesquisadora do Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental da ENSP Marta Velloso. A metodologia, desenvolvida em 2011, foi adaptada, ajustada e replicada em 2014 em uma escola de ensino fundamental localizada no Complexo de Manguinhos, por meio de uma parceria com o Teias-Escola Manguinhos e oFINANCIAMENTO da Fundação para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico em Saúde (Fiotec). A pesquisa-ação foi dividida em duas etapas e contou com uma série de encontros. No primeiro momento, os alunos demonstraram uma visão assistencialista e higienista sobre a saúde. Na segunda fase, quando participaram de uma oficina de audiovisual em saúde coletiva e discutiram o tema com diversos profissionais, expressaram uma visão crítica da realidade que vivem e, como um bom resultado, demonstraram ampliação de seu conhecimento sobre saúde.

O que a escola faz para melhorar a saúde dos alunos? O que ela poderia fazer para tanto? Orientados por estas duas perguntas os alunos apontaram aspectos positivos e negativos, que, com a análise dos dados das redações, foram distribuídos em três categorias: visão higienista, visão assistencialista, e bem-estar.

Na visão higienista, explicou Marta, os aspectos negativos foram identificados como condições físicas e sanitárias inadequadas no ambiente escolar: temperatura, alimentação, falta de higiene, barulho, água poluída e lixo. Quanto aos aspectos positivos, os alunos mencionaram a presença de uma enfermaria na escola, a distribuição de kits odontológicos e palestras sobre doenças transmissíveis.

Os aspectos positivos da visão assistencialista foram associados a melhoria das condições físicas e sanitárias, que atendem às necessidades de higiene e segurança: ar condicionado ou ventiladores nas salas de aula, bebedouros, alimentação saudável, e higiene nos banheiros, nas salas e no refeitório. Os aspectos negativos dessa categoria foram a falta de medicamentos e de assistência médica; falta deINVESTIMENTO do governo solicitando mais médicos e hospitais; unidade de pronto atendimento próxima à escola; medicamentos; e profissionais de saúde como psicólogos, nutricionistas e dentistas.

A terceira e última categoria analisada, que diz respeito ao bem-estar, apontou como aspectos negativos a falta de acesso às atividades culturais e exercícios físicos. O ponto positivo foi associado ao estado de bem-estar no cotidiano.

O objetivo deste estudo foi subsidiar o processo de construção do conhecimento entre alunos do ensino fundamental com a participação de professores, famílias e líderes comunitários, articulando diferentes disciplinas e, instituições, como a Secretária de Educação, de Saúde, a escola pública, universidades e a Fiocruz. Marta explicou que, para a construção da pesquisa, os espaços institucionais - inclusive as escolas - foram analisados como componentes da interação saúde e ambiente, que constitui um complexo de possibilidades de intervenção e de produção do conhecimento.

A pesquisa teve como um pano de fundo determinante o território de Manguinhos. Ele, atualmente, apresenta o quinto pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da cidade do Rio de Janeiro. Segundo o cadastro realizado pelas Equipes de Saúde da Família, vivem no complexo mais de 13 mil famílias que somam cerca de 37 mil pessoas. O território possui 14 unidades escolares com cerca de três mil alunos. “Portanto é necessário potencializar a visibilidade do Programa de Saúde na Escola (PSE) e refletir sobre os determinantes sociais e de saúde nesta localidade.

O estudo trabalhou com alunos do nono ano por apresentarem a maturidade necessária para a realização das atividades propostas pelo projeto. Além disso, disse Marta, “por estarem cursando o último ano do ensino fundamental, julgou-se oportuno desenvolver o conhecimento sobre saúde com esses jovens, que estão vivenciando uma fase de transição importante em suas vidas”.

Na primeira etapa de elaboração do diagnóstico foi pedido aos alunos que desenvolvessem uma redação sobre a opinião deles em relação à saúde. Já a segunda etapa foi orientada no sentido de problematizar os dados coletados na fase anterior, por meio de uma oficina de audiovisual em saúde coletiva, que conduziu à reflexão capaz de gerar ações com vistas a tentar resolver os problemas levantados nas redações.

Os encontros e a inserção no tema da saúde

Marta contou que foram realizados diversos encontros com os alunos e também dinâmicas de grupo e entrevistas com professores, pais de alunos e líderes comunitários. “Todos os dados coletados foram analisados e categorizados por meio da técnica de análise de conteúdo e encaminhados como propostas sugeridas pelos alunos para discussão no conselho político pedagógico da escola, com o intuito de fomentar o processo de transformação da realidade em que estão inseridos”, disse ela.

“Inicialmente um grupo de oito alunos se mostrou interessado em participar das atividades e debates que eram realizados semanalmente. Com o decorrer da pesquisa, outros alunos se integraram ao grupo que participou da Oficina de Audiovisual em Saúde Coletiva. Ao longo dos meses foram realizados diversos encontros e os alunos foram despertados a refletirem sobre a saúde e os fatores objetivos e subjetivos que podem interferir na saúde individual e coletiva”, complementou a pesquisadora.

Durante os encontros, os alunos foram incentivados a produzir um olhar crítico sobre a escola e seu entorno. Para tanto, foram apresentados a três tipos diferentes de câmeras utilizadas pelo mercado de trabalho. “Com o auxílio de um profissional da área Maria Luiza Lastres, eles aprenderam a operar as câmeras e, de posse do equipamento e com conhecimentos básicos de operação, os alunos realizaram entrevistas com os colegas e registraram, dentro da escola, o que na percepção deles se relacionava à saúde. Da mesma forma, eles também foram estimulados a fazer registros fora do espaço escolar com seus celulares e câmeras pessoais para que produzissem uma visão crítica também da comunidade e do ambiente onde vivem”, contou Marta, relatando ainda que, a partir daí eles começaram a filmar e fotografar coisas do cotidiano e a expressarem, mesmo que de forma inibida, seus sentimentos.

Segundo ela, eles começam a perceber a doença como um processo associado à interação de vários e diferentes fatores, presentes tanto no ambiente físico da comunidade como àqueles veiculados às emoções. Paralelamente à oficina de audiovisual, foram realizadas dinâmicas em grupo e entrevistas com diretoras e professores da escola, que abordaram questões de saúde de naturezas diversas.

Um aspecto ressaltado por todos os participantes da pesquisa – alunos, pais, diretores, professores, líderes comunitários, entre outros -, é que a violência gerada pelo confronto dos policiais das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) com a comunidade é um grave fator de risco à saúde dos moradores como um todo. Outro grave fator de risco para a saúde e a educação dos adolescentes percebido durante as entrevistas foi a ausência da família, dos pais ou responsáveis.

Durante o desenvolvimento do estudo, relatou Marta, foi percebido um processo de construção do conhecimento em saúde entre os alunos. “Isso foi muito satisfatório para nós. A princípio, os alunos apresentavam uma visão restrita, muito higienista e assistencialista sobre a saúde. Com o tempo, os encontros e as discussões propostas no projeto eles ampliaram a visão – do ambiente escolar ao ambiente da comunidade”, disse ela.

Na segunda etapa de análise, foram utilizados os dados de registrados durante as atividades na oficina com alunos (entrevistas, debates, fotografias, desenhos e filmagens) assim como os obtidos nas entrevistas e dinâmicas em grupo com professores e líderes comunitários. Estes, foram analisados no seu conteúdo e nomeados, segundo os fatores de risco à saúde, em cinco categorias: Aspecto físico e emocional, Desamparo, Aspecto sanitário e ambiental do entorno da escola, Violência, e Políticas públicas e cidadania.

A categoria sobre aspectos físicos e emocionais apresentou o maior índice nas falas entre os alunos. Eles identificam o barulho excessivo na escola durante as aulas e na comunidade como um fato que prejudica o aprendizado. “A música e os ruídos intensos prejudicam o sono e o aprendizado, que por sua vez, também é dificultado pela falta de concentração nas aulas. Gravidez, ausência de lazer e de atividades físicas na comunidade também aparecem entre os fatores. Para os alunos, a categoria Desamparo representa o sofrimento causado pela ausência de apoio e de afeto da família, que se encontra desestruturada e sem capacidade de orientar seus filhos. Além do descaso da sociedade pelas condições de vida precárias na comunidade.

Sobre os Aspectos Sanitários e Ambientais, a pesquisa aponta a grande quantidade de lixo na comunidade como a pior característica. “Os alunos jogam lixo no chão das salas e nos corredores. Os objetos desprezados são jogados no rio que fica no entorno das residências, causando aparência de abandono e de sujeira no local onde vivem. No entanto, simultaneamente, focalizam a falta de recipientes armazenadores de lixo e a problemas na frequência na coleta de resíduos no território”, destacou Marta.

A categoria Violência ocupa o quarto lugar na percepção dos alunos. “Vale ressaltar”, falou Marta, “que, durante a oficina, o processo de pacificação da comunidade foi questionado diversas vezes e a percepção foi unânime. Para eles, a violência permanece a mesma, semelhante àquela ocasionada pelo tráfico de drogas. Os participantes também identificam a violência contra a mulher, tanto sexual como moral”.

A quinta e última categoria estabelecida - Políticas Públicas e Cidadania -, está diretamente associada à inadequação do ambiente escolar e do seu entorno. Marta explicou que os jovens, revoltados com a qualidade de vida carente, costumam depredar bens públicos na escola e na comunidade onde vivem. Contudo, identificam fatores positivos importantes para transformar a sociedade. Eles percebem que é preciso a união entre eles, para reivindicarem possíveis mudanças objetivas e subjetivas na sociedade”. Outro fator enfatizado é a busca pela profissionalização.

A pesquisa Interdisciplinaridade e intersetorialidade na construção do conhecimento em saúde em escolas públicas, na qual foi elaborada a metodologia aplicada em Manguinhos, foi desenvolvida em 2011 comFINANCIAMENTO da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), e teve como desdobramento a publicação do livroInterdisciplinaridade na construção do conhecimento em saúde: uma experiência em escola pública. Já os resultados do estudo feito no território de Manguinhos foram publicados no artigoConstruindo conhecimento em saúde nas escolas públicas, que integra o livro de Atas do I Congresso da Associação Internacional de Ciências Sociais e Humanas em Língua Portuguesa, publicado no início de 2015. O artigo está disponível para acesso livre e pode ser conferido na íntegra na página 957. Já os vídeos idealizados durante as oficinas podem ser acessados no YouTube.

Este projeto ainda prevê outros desdobramentos. A intenção, segundo Marta, foi trabalhar com uma escola piloto para depois reproduzir a metodologia em rede nas escolas públicas do território de Manguinhos. “A meta é que o projeto seja referência para o desenvolvimento de novas tecnologias sociais, incorporando a participação de não-especialistas, que são os atores sociais das situações problematizadas, como alunos moradores da comunidade, neste caso, a fim de tornar o espaço escolar menos estressor, promovendo um ambiente apropriado ao desenvolvimento da criatividade. E ainda articular os diferentes saberes que se encontram dispersos em várias disciplinas e religando-as em sua complexidade na construção do conhecimento em saúde”, detalhou ela.