A prática ilegal do garimpo na Terra Indígena Yanomami e os efeitos provocados por essa atividade no ambiente e na saúde da população que ali reside estimularam o desenvolvimento de uma parceria envolvendo a Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), o Instituto Socioambiental (ISA), o Laboratório de Química da PUC e a Hutukara Associação Yanomami (HAY). A cooperação, que visa reunir elementos para denunciar a prática aos órgãos de fiscalização, prevê a avaliação da contaminação ambiental e humana por mercúrio. O resultado da análise, constituída por 243 pessoas, majoritariamente mulheres e crianças menores de cinco anos, está em fase de análise química e estruturação do banco de dados.
O projeto de pesquisa que avaliou a contaminação ambiental e humana por mercúrio na Terra Indígena Yanomami, em Roraima, é coordenado na ENSP pelos pesquisadores Paulo Basta e Sandra Hacon, do departamento de Endemias Samuel Pessoa. Segundo eles, a proximidade da atividade garimpeira nos rios e córregos do território aponta uma grande preocupação em relação à contaminação por metil mercúrio – forma química mais perigosa para a exposição humana e conhecida como neurotóxica, tendo como grupos críticos a exposição às gestantes e crianças. "A contaminação nesse local é considerada o ponto crítico de todo o trabalho. Vale ressaltar que selecionamos justamente a população de maior risco nessa área indígena e que a contaminação ocorre a partir da alimentação de peixes", afirmou Paulo.
O pesquisador Marcos Wesley de Oliveira, do ISA, destacou que o estudo da contaminação do mercúrio é fundamental para reunir elementos que criminalizem a prática do garimpo. De acordo com ele, não adianta apenas o governo realizar missões para retirada dos garimpeiros. É necessário que os responsáveis pela atividade sejam penalizados pela degradação ambiental e pela nocividade à saúde.
“O trabalho, além de estar preocupado com a saúde dos Yanomami, visa criminalizar os garimpeiros pelo caos sanitário e pela degradação ambiental e social. A Fiocruz e os demais parceiros estão analisando os dados para retorná-los à população indígena e encaminhá-los aos órgãos competentes como a Polícia Federal, o Ibama, a Funai e o Ministério Público”, explicou.
Paulo Basta informou que o pedido de cooperação partiu da Hutukara e, a partir da sua implementação, o projeto seguiu todos os protocolos de pesquisa e foi aprovado pelo Comitê de Ética. Inclusive, uma das principais lideranças dos Yanomami, o Davi Kopenawa, participou da abertura de uma disciplina de inverno da ENSP - ocasião em que conheceu a Fiocruz e o trabalho desenvolvido pela instituição.
“A formalização chegou para nós em 2013. O trabalho de campo teve início em dezembro de 2014, quando coletamos amostras de cabelo de 243 pessoas, em aproximadamente 15 aldeias. Agora, a análise laboratorial está em fase de conclusão para levarmos os resultados à população indígena Yanomami e aos demais parceiros. Os dados antropométricos das comunidades participantes também estão sendo analisados. Vale ressaltar a importância do ISA na participação deste projeto, que viabilizou toda a infraestrutura para a entrada e o desenvolvimento da pesquisa no território Yanomami e do laboratório de química da PUC na realização das análises de mercúrio”.
O mercúrio encontrado na população indígena Yanomami é neurotóxico, sendo capaz de atravessar a placenta durante a gestação e afetar o sistema nervoso central do indivíduo. Porém, Sandra Hacon informa que a primeira etapa do trabalho não contemplou a avaliação clínica das comunidades expostas, mas a existência, ou não, da contaminação por mercúrio na população indígena Yanomami.
O garimpo nas terras Yanomami
O pesquisador da ISA presente na reunião lembrou que a Terra Indígena Yanomami ocupa uma área de 9 milhões de hectares, e que a atividade de garimpo é bastante explorada na região desde a década de 1980, quando cerca de 40 mil garimpeiros invadiram a área. Ele revela que a crise econômica vivida na Europa e nos Estados Unidos, durante 2008 e 2009, elevou a cotação do ouro e intensificou novamente a presença dos garimpeiros na região.
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"Acompanhamos o aumento das denúncias pelos próprios indios a partir de documentos e radiofonia. Ali, na área dos Yanomami, perto da região do Papiú, há um grupo indígena Yanomai isolado, na Serra da Estrutura. Esse local durante muitos anos foi utilizado pelos garimpeiros como centro de distribuição. Há três anos a Funai expulsou os garimpeiros da região e criou um posto de fiscalização (justamente para proteger a comunidade isolada). No entanto, nos últimos meses, por conta da diminuição dos recursos da Funai, o posto foi reocupado pelos garimpeiros”.