Os DIREITOS SOCIAIS surgiram na tentativa de resolver uma profunda crise de desigualdade social que se instalou no mundo no período pós-guerra. Fábio Konder Comparato, acrescenta ainda que, fundados no princípio da solidariedade humana, os direitos sociais foram alçados a categoria jurídica concretizadora dos postulados da justiça social, dependentes, entretanto de execução de políticas públicas voltadas a garantir amparo e proteção social aos mais fracos e pobres.
Direitos sociais são direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria das condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado democrático, pelo art. 1º, IV, da Constituição Federal1.
São direitos fundamentais de segunda geração, assim como os direitos econômicos e culturais. Podem ser entendidos como direitos fundamentais a prestações, os quais procuram obter do Estado as condições jurídicas e materiais indispensáveis para o seu exercício. Os direitos sociais prestacionais, manifestam-se como “barreiras defensivas do indivíduo perante a dominação econômica de outros indivíduos”2.
Para que os direitos sociais sejam efetivados, depende-se da existência de recursos por parte do Estado, ou seja, serão efetivados na medida do possível; a isso costuma-se chamar de RESERVA DO POSSÍVEL, ou dependência da existência de recursos econômicos, instituto oriundo do direito alemão.
A reserva orçamentária que é a receita que o Estado pode empregar para cumprir seus deveres é diferente da reserva do possível.
O importante é que, mesmo que se aceite a teoria do mínimo existencial, deve-se tentar ampliar ao máximo o núcleo essencial do direito, de modo a não reduzir o conceito de mínimo existencial à noção de mínimo vital. Afinal, se o mínimo existencial fosse apenas o mínimo necessário à sobrevivência, não seria preciso constitucionalizar os direitos sociais, bastando reconhecer o direito à vida. Hoje se deve buscar a idéia da máxima efetividade, ou seja, devemos lutar não pelo padrão mínimo de existência, e sim o padrão máximo possível dentro do que o Estado possa cumprir.
O autor alemão Andreas J. Krell, conhecedor da realidade do Estado Brasileiro, onde vive desde 1993, enfatiza que: “vários autores brasileiros tentam se valer da doutrina constitucional alemã para inviabilizar um maior controle das políticas sociais por parte dos tribunais. Invocando a autoridade dos mestres germânicos, estes autores alegam que os direitos sociais deveriam também no Brasil ser entendidos como ‘mandados’, ‘diretrizes’ ou ‘fins do Estado’, mas não como verdadeiros Direitos Fundamentais. Afirmam que – seguindo a ‘linha alemã’ – seria teoricamente impossível construir direitos públicos subjetivos a partir de direitos sociais e que o Poder Judiciário não estaria legitimado para tomar decisões sobre determinados benefícios individuais. Essa interpretação é duvidosa e, na verdade, não corresponde às exigências de um Direito Constitucional Comparado produtivo e cientificamente coerente. Não podemos isolar instrumentos, institutos ou até doutrinas jurídicas do seu manancial político, econômico, social e cultural de origem”. Alerta ainda o autor, para o fato de que: “Devemos nos lembrar também que os integrantes do sistema jurídico alemão não desenvolveram seus posicionamentos para com os direitos sociais num Estado de permanente crise social e milhões de cidadãos socialmente excluídos. Na Alemanha – como nos outros países centrais – não há um grande contingente de pessoas que não acham uma vaga nos hospitais mal equipados da rede pública; não há a necessidade de organizar a produção e distribuição da alimentação básica a milhões de indivíduos para evitar sua subnutrição ou morte; não há altos números de crianças e jovens fora da escola; não há pessoas que não conseguem sobreviver fisicamente com o montante pecuniário de ‘assistência social’ que recebem etc. Temos certeza de que quase todos os doutrinadores do Direito Constitucional alemão, se fossem inseridos na mesma situação sócio-econômica de exclusão social com a falta das condições mínimas de uma existência digna para uma boa parte do povo, passariam a exigir com veemência a interferência do Poder Judiciário, visto que este é obrigado de agir onde os outros Poderes não cumprem as exigências básicas da constituição (direito à vida, dignidade humana, Estado Social)”5.
A chamada reserva do possível foi desenvolvida na Alemanha, num contexto jurídico e social totalmente distinto da realidade histórico-concreta brasileira. Apesar das grandes contribuições que a doutrina estrangeira tem dado ao direito brasileiro, proporcionando indiscutivelmente consideráveis avanços na literatura jurídica nacional, é preciso deixar bem claro, contudo, que é extremamente discutível e de duvidosa pertinência o traslado de teorias jurídicas desenvolvidas em países de bases cultural, econômica, social e histórica próprias, para outros países cujos modelos jurídicos estão sujeitos a condicionamentos socioeconômicos e políticos completamente diferentes6. Os institutos jurídico-constitucionais devem ser compreendidos a partir da história e das condições socioeconômicas do país em que se desenvolveram, de modo que é impossível “transportar-se um instituto jurídico de uma sociedade para outra, sem se levar em conta os condicionamentos a que estão sujeitos todos os modelos jurídicos”7.
Apesar de haver autores que entendem de modo diverso do apresentado nesse trabalho, concordamos com o entendimento de que é muito importante a atuação do poder judiciário, sobretudo para afastar o princípio da RESERVA DO POSSÍVEL (incompatibilizando-a com os direitos sociais) nos casos em se perceba a utilização, por parte do Estado, desse instituto como uma forma de “desculpa” da administração para não implementar políticas públicas (efetivação de direitos sociais, por exemplo), mesmo havendo dotação orçamentária que possa “cobrir” essa atuação. Isso seria um retrocesso. A efetividade ultrapassa a exigibilidade do direito fundamental. Não é apenas o direito em ser reconhecido pelo cidadão como sendo concretizado, e sim, além disso, estar consciente dos meios necessários para protegê-lo e garanti-lo junto aos órgãos públicos e aos particulares. Os direitos sociais são direitos caros que exigem custos, e consequentemente vão ultrapassar as limitações orçamentárias e políticas do poder público. Só admitiríamos a compatibilização da reserva do possível com os direitos sociais num caso de absoluta impossibilidade de recursos por parte do Estado, pois o mesmo tem limites e não pode o poder judiciário vir a determinar que se faça algo que não for possível. Aí sim, somente nesse caso, admitiríamos a compatibilização da Reserva do possível, buscando uma máxima efetivação dentro do possível, ao invés de buscar apenas o mínimo para a existência da população.
Como base para esse nosso entendimento, citaremos aqui mais uma vez, um trecho da obra do grande mestre, professor Dirley da Cunha Júnior, o qual afirma: “Em suma, nem a reserva do possível nem a reserva de competência orçamentária do legislador podem ser invocados como óbices, no direito brasileiro, ao reconhecimento e à efetivação de direitos sociais originários a prestações. Por conseguinte, insistimos, mais uma vez, na linha da posição defendida por este trabalho, que a efetividade dos direitos sociais – notadamente daqueles mais diretamente ligados à vida e à integridade física da pessoa – não pode depender da viabilidade orçamentária”. E ainda: “Nesse contexto, a reserva do possível só se justifica na medida em que o Estado garanta a existência digna de todos. Fora desse quadro, tem-se a desconstrução do Estado Constitucional de Direito, com a total frustração das legítimas expectativas da sociedade”8.
Com a criação de uma sociedade participativa será possível discutir como os valores arrecadados poderão ser empregados, clamando pelo direito que a sociedade quer ver cumprido e enfatizado. Precisamos rever urgentemente o nosso planejamento econômico, social e cultural para depois poder falar em defesa dos direitos humanos fundamentais.
1MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 13ª. ed. – São Paulo: Atlas, 2003, página 202.
2MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Eficácia das normas constitucionais sobre justiça social.
3SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 15ª ed. – Malheiros editores Ltda. – São Paulo – SP, página 466.
4MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. Ed. Atlas: São Paulo, 2008.
5Adreas J. Krell, Direito Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos de um Direito Constitucional “comparado”p. 107-108-109.
6CUNHA JUNIOR, Dirley da. A efetividade dos Direitos Fundamentais Sociais e a Reserva do Possível. Leituras Complementares de Direito Constitucional: Direitos Humanos e Direitos Fundamentais. 3. ed., Salvador: Editora Juspodivm, p. 349-395, 2008. Material da 4ª aula da disciplina Teoria Geral dos Direitos e Garantias Fundamentais, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito do Estado – UNIDERP/REDE LFG.
7Ivo Dantas, Direito Constitucional Comparado, p. 66.
8CUNHA JUNIOR, Dirley da. A efetividade dos Direitos Fundamentais Sociais e a Reserva do Possível. Leituras Complementares de Direito Constitucional: Direitos Humanos e Direitos Fundamentais. 3. ed., Salvador: Editora Juspodivm, p. 349-395, 2008. Material da 4ª aula da disciplina Teoria Geral dos Direitos e Garantias Fundamentais, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito do Estado – UNIDERP/REDE LFG.
BIBLIOGRAFIA
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