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segunda-feira, 16 de maio de 2016

Saúde da Família: modelo avança, mas ainda é permeado de contradições

Contrastes, divergências e paradoxos marcaram as apresentações do XI Ciclo de Debates - Conversando sobre a Estratégia de Saúde da Família, que abordou o tema Contradições entre a expansão da Estratégia de Saúde da Família e o modelo assistencial. Para tanto, recebeu o secretário municipal de Saúde do Rio de Janeiro, Daniel Soranz, e o pesquisador do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal Fluminense Aluísio Gomes. Segundo ressaltou Daniel, vivemos um tempo de debate bem menos intenso no que se refere ao modelo assistencial adotado. Conforme apontado por Aluísio, o fortalecimento da Atenção Primária como solução para a reordenação dos sistemas de saúde apresenta contradições na medida em que os discursos de universalização são, na realidade, dirigidos a uma atenção primária pouco resolutiva, voltada para pobres e fragmentada, ou seja, “a manifestação prática desse discurso é um contrassenso. Por isso, deve-se pensar sempre sobre qual atenção primária se está falando”, comentou. 
 
O debate, realizado no dia 4 de maio, foi coordenado pela pesquisadora da ENSP Roberta Gondim. No início de sua apresentação, o secretário de Saúde, Daniel Soranz, anunciou a mais recente edição da Revista Ciência & Saúde Coletiva (vol. 21, nº 5, maio de 2016), que traz análises da trajetória da organização sanitária na cidade do Rio de Janeiro e dá ênfase especial à Reforma da Atenção Primária à Saúde, que teve início no ano de 2009 com a implantação de um novo modelo de governança e de suporte administrativo das unidades municipais. Em especial, ele recomendou o artigo Trajetória histórica da organização sanitária da Cidade do Rio de Janeiro: 1916-2015. Cem anos de inovações e conquistas: “Bem rico e interessante”, disse Soranz. 
 
“Vivemos um tempo de debate bem menos intenso no que se refere ao modelo assistencial. Em outro momento, pensávamos em ampliar a Estratégia de Saúde da Família (ESF). Hoje, essa já é uma realidade”, comentou ele, lembrando, ainda, que “em 2008, de todo recurso gasto em saúde pela prefeitura, 82% era com a atenção hospitalar. Só 3,3% eram gastos com a cobertura de saúde da família. Tínhamos 68 equipes completas, um modelo essencialmente hospitalocêntrico e, como resultado disso, um dos maiores gastos per capita com saúde do país. Além do mais, a cidade também apresentava um dos piores indicadores de saúde, havia crescimento expressivo dos planos privados de saúde e um sistema muito fragmentado”, detalhou. 
 
Em 2009, aconteceu a virada desse cenário, pois houve mudança de gestão e com ela a oportunidade de escolher qual caminho e modelo assistencial seguir. “Adotamos a saúde da família como modelo assistencial e fizemos isso baseados em evidências científicas. Não foi um processo simples, e a adoção desse modelo não era um consenso entre os gestores da cidade. A reforma contou com três componentes muito fortes: reforma do modelo assistencial, administrativa e do modelo organizacional e a principal influência foi a questão dos cuidados primários em Portugal. De 2009 a 2011, o Rio de Janeiro foi o município que mais cresceu em relação à Saúde da Família, com uma expansão de 59% das equipes implantadas no país. Em 2015, chegamos a 54% de cobertura, mas a nossa meta é alcançar 70%. Sabemos que é uma meta ousada, demanda financiamento muito grande, mas a prefeitura continua investindo em seu plano de expansão voltado para a Saúde da Família”, assegurou ele. 
 
Sobre as perspectivas, o secretário ressaltou esperar que os cariocas atinjam a maior expectativa de vida do país; que a redução de leitos hospitalares ocorram espontaneamente como consequência da melhora da resolutividade do Saúde da Família; que a Ficha A – modelo de ficha para cadastramento das famílias adotada pela SMS – seja a principal fonte de informações para a formulação de políticas intersetoriais; e que haja redução expressiva nas desigualdades entre os indicadores sociais. “Esse é o maior desafio. Não basta melhorarmos na saúde, precisamos trabalhar de forma articulada e intersetorial para reduzir as desigualdades. Já caminhamos muito no que se refere à mudança do modelo assistencial, porém esse é um processo infindo. No entanto, temos clareza de que as evidências científicas mostram que se quisermos ter um sistema de saúde em que as pessoas vivam mais e melhor, ele precisa ser pautado na Estratégia de Saúde de Família”, defendeu Daniel Soranz.
 
Em contraponto ao que foi apresentado pelo secretário de Súde, o pesquisador da UFF Aluísio Gomes da Silva defendeu que a discussão sobre a adoção da Estratégia de Tenção Primária é pontuada por contradições. “Falando sobre a política de expansão e olhando o Brasil como um todo e em suas várias experiências, vejo que as contradições se manifestam de várias maneiras. Existe um senso comum que aponta que a construção de uma Atenção Primária forte é a solução para se reordenar sistemas de saúdes, principalmente se o desejo é atingir a universalização. Porém, lembramos que essa discussão é pontuada de contradições na medida em que os discursos de universalização são, na realidade, dirigidos a uma atenção primária pouco resolutiva, voltada para pobres e fragmentada, ou seja, a manifestação prática desse discurso é um contrassenso. Por isso, deve-se pensar sempre sobre qual atenção primária estamos falando”. 
 
A respeito do financiamento em saúde, segundo ressaltou Aluísio, em nosso país, ele “margeia o ridículo. Portanto, essa é uma discussão que deve ser enfrentada sempre. Em muitos lugares, a questão do financiamento vem se manifestando como um investimento em algum modelo em que existe certa dualidade entre a prática assistencialista, trabalhando a noção de pobres, e a ideia de uma oferta de serviços, que aquece o mercado consumidor de saúde. A concepção de fetiche do produto saúde construído como uma imagem de cidadania de consumo. Ou seja, um panorama crítico, pois as pessoas vislumbram em sua conquista de cidadania o consumo de bens em que a saúde também é um desses itens. E as políticas de atenção à saúde, principalmente a expansão da atenção básica, às vezes, se confundem com essa discussão de popularização do acesso aos bens da saúde. Então, essa perspectiva não pode ser esquecida quando discutimos o papel da atenção primária”, considerou Aluísio.
 
Já sobre o ponto de vista do processo de trabalho, Aluísio comentou que atualmente se trabalha a questão de romper com o modelo biomédico clássico no sentido da ampliação da clínica. “Não falo sobre o conceito de Clínica Ampliada, mas sim do aspecto genérico, que é a ideia de uma clínica que possa ter aportes de outros tipos de conhecimento e a capacidade de ver indivíduos na sua subjetividade, no seu contexto e isso refletir as intervenções. Sem ela é impossível se efetivar mudanças dentro do sistema, porque assim reproduziremos em escala industrial o modelo biomédico. Atualmente, há um certo privilégio de dotar o nível primário de um adensamento tecnológico para as internações. A ideia de um nível primário resolutivo é bastante interessante, visto que ela lida com situações crônicas, convive com a violência, entre outros. Ou seja, é uma atenção primária que enfrenta problemas muito complexo e que uma abordagem simples pode não são tão bem-sucedida”, ressaltou.