O excesso de intervenções obstétricas e o baixo uso de boas práticas na atenção ao parto permanecem no Brasil. Os novos dados da pesquisa Nascer no Brasil: inquérito nacional sobre parto e nascimento foram divulgados na quinta-feira (1/12), na Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), e revelam que a taxa de prematuridade brasileira (11,5%) é quase duas vezes superior à observada nos países europeus, sendo 74% desses prematuros tardios (34 a 36 semanas gestacionais). Muitos casos podem decorrer de uma prematuridade iatrogênica, ou seja, retirados sem indicação, em mulheres com cesarianas agendadas ou avaliação incorreta da idade gestacional. O Nascer no Brasil é um inquérito nacional de base hospitalar, realizado em 191 municípios, com 23.894 mulheres entrevistadas.
A pesquisadora Maria do Carmo Leal, coordenadora do estudo, alertou para as possíveis consequências. “A prematuridade se constitui no maior fator de risco para o recém-nascido adoecer e morrer não apenas imediatamente após o nascimento, mas também durante a infância e na vida adulta. Os prejuízos extrapolam o campo da saúde física e atinge as dimensões cognitivas e comportamentais, tornando esse problema um dos maiores desafios para a Saúde Pública contemporânea”, admitiu.
Quanto às formas de ocorrência, a prematuridade espontânea (com ou sem ruptura de membranas) correspondeu a 59%. Já a prematuridade terapêutica (quando provocada por intervenção médica por indução do parto ou cesariana anteparto) foi de 41%, e quase a sua totalidade (90%) ocorreu por cesariana sem trabalho de parto. Nos países desenvolvidos, essa taxa é de 30%.
“A taxa de prematuridade no Brasil foi elevada, predominou entre os prematuros tardios, ocorreu na maioria das vezes de forma espontânea, mas apresenta alta frequência de início por intervenção médica, predominantemente por cesariana anteparto, com menos de 10% de indução do trabalho de parto. A prematuridade terapêutica esteve associada à assistência privada ao parto e à gravidez em idade mais avançada, condições características de populações que apresentam melhor nível de emprego formal, escolaridade e renda. Foi maior na Região Sudeste e mais frequente nas capitais, cidades que têm maior número de hospitais de referência para atendimento a mulheres e recém-nascidos de risco”, completou Maria do Carmo Leal.
Gravidez não planejada
A prevalência de gravidez não planejada no Brasil é de 55,4% das puérperas. De acordo com a pesquisa, 25,5% das mulheres preferiam esperar mais tempo para engravidar e 29,9% simplesmente não desejavam engravidar em nenhum momento, atual ou futuro. Dados das Nações Unidas de 2012 revelaram que 40% das gestações no mundo (ou cerca de 85 milhões de gestações) não foram planejadas, sendo as maiores proporções encontradas na América Latina e Caribe.
Um perfil bastante distinto, de acordo com a pesquisadora, foi observado entre as mulheres que desejavam engravidar em relação àquelas que queriam esperar mais tempo ou não queriam engravidar. Comparando-se os três grupos, as mulheres brancas (52,7%), de maior escolaridade (59,3%), com idade acima de 35 anos (52%) e que tem relações estáveis (casadas ou com companheiro – 49,5%) são as que planejam adequadamente sua vida reprodutiva, isto é, escolhem qual o melhor momento de engravidar. “Melhor compreender esse fenômeno é um desafio para a Saúde Pública, uma vez que quase 70% das mulheres em idade de 15 a 49 anos e com vida sexual ativa utilizam métodos contraceptivos”, reconheceu Maria do Carmo.
Assistência ao parto
Com relação ao parto assistido por enfermeiras/obstetrizes, o Nascer identificou que apenas 8% do total de partos no Brasil são assistidos por enfermeiros. Na França e Inglaterra, são 85%. "No setor privado, essa porcentagem chega a 0,5%", disse. Para os partos vaginais, as enfermeiras/obstetrizes atendem mais nas Regiões Norte (24,1) e Sudeste (23,5), com uma pequena diferença: "Essas profissionais estão mais presentes na Região Norte pela ausência de médicos e, na maioria dos casos, não têm tanta formação em obstetrícia, diferente do Sudeste, onde há capacitação. A participação direta de enfermeiras na assistência ao parto proporcionou o uso de boas práticas e intervenções obstétricas em maternidades.”
Reproductive Health
Os novos resultados da pesquisa Nascer no Brasil estão no suplemento (3) 2016;13 da revista Reproductive Health. José Belizan, editor científico da revista, Catherine Deneux-Tharaux, do Institut National de la Santé et de la Recherche Médicale (Inserm), Paris, e o doutor Rodolfo de Carvalho, da Unicamp, participaram do evento.
“Estou impressionada com a qualidade da pesquisa. Os resultados são muito informativos. O Brasil possui elevada taxa de cesariana, e precisamos entender essa magnitude, uma vez que impacta a saúde da mãe e do bebê. Muitos outros países com elevadas taxas não possuem informações como vocês. Os resultados mostram como o modelo de organização do cuidado influencia as práticas de assistência ao parto. Na França, temos uma taxa de cesariana de cerca de 20%, e incentivamos o nascimento vaginal. Agora, é hora de vocês utilizarem esses dados para trabalhar. Sei que intervenções já estão sendo feitas, mas o Brasil deve pensar em quais são as melhores práticas e qual tipo de cuidado deve implementar”, destacou Catherine Deneux-Tharaux.
Belizan afirmou: “É de extrema importância um país possuir esse tipo de informação, justamente para não ser influenciado pela realidade de outros países. É uma questão de soberania, de se autoconhecer, saber para onde dirigir as ações e quais são seus problemas prioritários. Sofremos muita influência dos desenvolvidos, e, muitas vezes, os fundos para pesquisa orientam as prioridades dos seus países. O que foi apresentado aqui, hoje, nos enche de orgulho. Além disso, a pesquisa indica ações de baixo custo para promover grandes mudanças, por exemplo, o cuidado pelas enfermeiras. Que coisa maravilhosa! Uma ação tão simples, de baixo custo, que foca a formação de profissionais, de enfermeiras obstétricas melhora a atenção, melhora os resultados. Isso é simples e traz grandes custos."
Rodolfo de Carvalho alertou para as desigualdades apontadas pelo estudo. “A mulher que peregrina pelos serviços de saúde tem dez vezes mais chance de ter uma complicação no parto. Isso é a expressão da falta de direitos, da falta de equidade da oferta do sistema e dos serviços de saúde para a mulher. E quando essa mulher chega ao hospital, encontra uma situação de inadequação de estrutura. Essa é uma realidade ultrajante.”
Nascer no Brasil
Até 2012, o Brasil não dispunha de informação nacional sobre a taxa de prematuridade, pois o Sistema Nacional de Informação sobre Nascidos Vivos não apresentava dados confiáveis a respeito desse indicador. Resultados da “Pesquisa Nascer no Brasil” mostraram prevalência de 11,5%; entretanto, desconhecia-se a relação entre as intervenções obstétricas no parto - especificamente as cesarianas e seus efeitos na taxa de prematuridade no país -, tampouco os impactos no comportamento temporal desse indicador.
O país tem a maior taxa de cesarianas do mundo, correspondendo atualmente a 56% dos partos e a quase 90% no setor privado, o que leva a supor que essas cirurgias estão sendo realizadas por motivos não clínicos. De acordo com os resultados da pesquisa, a cesariana foi realizada em 45% das mulheres de baixo risco, sem nenhuma complicação obstétrica e que, simultaneamente, tornaram-se mães de recém-nascidos saudáveis.