O escambo apresenta alguns problemas no que se refere ao desenvolvimento das atividades econômicas de uma maneira geral. Ele exige uma dupla coincidência de desejos, porque quem pescasse e quisesse, por exemplo, um machado, teria que achar uma outra pessoas que fabricasse machados e quisesse, exatamente, peixes. Outro problema diz respeito à indivisibilidade dos objetos nas trocas diretas. Montoro Filho (1992) exemplifica esse problema salientando a dificuldade que um fabricante de canoas teria se quisesse tomar um cafezinho.
A primeira revolução agrícola foi modificando o sistema baseado no escambo. A vida nômade foi gradativamente cedendo lugar para sedentária e a produção passou a diversificar-se com a introdução de utensílios de trabalho. A divisão social do trabalho começa a se manifestar e os integrantes do grupo ganham funções específicas como guerreiros, agricultores, pastores, artesãos e sacerdotes Dessa maneira, a divisão do trabalho provocou sensíveis mudanças na vida social. A atividade econômica tornou-se mais complexa; o numero de bens e serviços exigidos para satisfação das necessidades do grupo aumentou, por consequência, a "dupla coincidência de desejos" torna-se mais difícil; a troca torna-se fundamental para a sobrevivência do grupo social
A partir de então, alguns bens de aceitação são eleitos como intermediários de trocas, exercendo, portanto, função de moeda.
A moeda pode ser conceituada como um intermediário de trocas "que serve como medida de valor e que tem aceitação geral. (...) esta aceitação geral é um fenômeno essencialmente social. Além disso, como a moeda representa um poder de aquisição, desde o momento em que é recebida até o momento em que é dada em pagamento de outra transação, ela também se caracteriza como uma reserva de valor" (LOPES e ROSSETTI, 1991: 18).
As primeiras moedas foram mercadorias e deveriam ser suficientemente raras, para que tivessem valor, e, como já foi dito, ter aceitação comum e geral. Elas tinham, então, essencialmente valor de uso; e como esse valor de uso era comum e geral elas tinham, conseqüentemente, valor de troca). O abandono da exigência do valor de uso dos bens, em detrimento do valor de troca, foi gradativo.
Entre os bens usados como moeda estão o gado, que tinha a vantagem, de multiplicar-se entre uma troca e outra — mas, por outro lado, o sal na Roma Antiga; o dinheiro de bambu na China; o dinheiro em fios na Arábia.
"As moedas-mercadorias variaram amplamente de comunidade para comunidade e de época para época, sob marcante influência dos usos e costumes dos grupos sociais em que circulavam" . Assim, por exemplo, na Babilônia e Assíria antigas utilizava-se o cobre, a prata e a cevada como moedas; na Alemanha medieval, utilizavam-se gado, cereais e moedas cunhadas de ouro e prata; na Austrália moderna fizeram a vez de moeda o rum, o trigo e até a carne.
Com o tempo, as moedas-mercadorias foram sendo descartadas. As principais razões para isso foram:
♦ Elas não cumpriam satisfatoriamente a característica de aceitação geral exigida nos instrumentos monetários. Além disso, perdia-se a confiança em mercadorias não homogêneas, sujeitas à ação do tempo (como no caso dos gados citado acima), de difícil transporte, divisão ou manuseio.
♦ A característica valor de uso e valor de troca tornava o novo sistema muito semelhante ao escambo e suas limitações intrínsecas.
Os metais preciosos passaram a sobressair por terem uma aceitação mais geral e uma oferta mais limitada, o que lhes garantia um preço estável e alto. Além disso, não se desgastavam, facilmente reconhecidos, divisíveis e leves. Entretanto, havia o problema da pesagem.
Em cada transação, os metais preciosos deveriam ser pesados para se determinar seu valor. Esse problema foi resolvido com a cunhagem, quando era impresso na moeda o seu valor. Muitas vezes, entretanto, um soberano recontava as moedas para financiar o tesouro real. Ele recolhia as moedas em circulação e as redividia em um número maior, apoderando-se do excedente. Esse processo gerava o que conhecemos como inflação, uma vez que existia um maior número de moedas para uma mesma quantidade de bens existentes.
Os primeiros metais utilizados como moeda foram o cobre, o bronze e, notadamente, o ferro. Por serem, ainda, muito abundantes, não conseguiam cumprir uma função essencial da moeda que é servir como reserva de valor. Dessa maneira, os metais não nobres foram sendo substituídos pelo ouro e pela prata, metais raros e de aceitação histórica e mundial. O desenvolvimento de sistemas monetários demandaram o surgimento de um novo tipo de moeda: a moeda-papel. A moeda-papel veio para contornar os inconvenientes da moeda metálica (peso, risco de roubo), embora valessem com lastro nela. Assim surgem os certificados de depósito, emitidos por casas de custódia em troca do metal precioso nela depositado. Por ser lastreada, essa moeda representativa poderia ser convertida em metal precioso a qualquer momento, e sem aviso prévio, nas casas de custódia A moeda-papel abre espaço para o surgimento da moeda fiduciária, ou papel-moeda, modalidade de moeda não lastreada totalmente. O lastro metálico integral mostrou-se desnecessário quando foi constatado que a reconversão da moeda-papel em metais preciosos não era solicitada por todos os seus detentores ao mesmo tempo e ainda quando uns a solicitavam, outros pediam novas emissões. A passagem da moeda-papel para o papel-moeda é tida como uma das mais importantes e revolucionárias etapas da evolução histórica da moeda A falência do sistema privado de emissões (quando, em diversos momentos da História, todos resolviam reconverter seus papéis-moeda em metais preciosos) levou o Estado a controlar o mecanismo das emissões e a exercer seu monopólio. Após o uso de diversos sistemas de conversão que se mostraram fracassados, os sistemas monetários de quase todos os países, depois da Grande Depressão gerada pela crise de 1929-33, com a exceção dos Estados Unidos — que mantiveram o lastro metálico proporcional até 1971 —, adotaram o sistema fiduciário. Hoje, esses sistemas apresentam inexistência de lastro metálico, inconversiblidade absoluta e monopólio estatal das emissões Desenvolve-se, juntamente com a moeda fiduciária, a chamada moeda bancária, escritural (porque corresponde a lançamentos a débito e crédito) ou invisível (por não ter existência física). O seu desenvolvimento foi acidental (LOPES e ROSSETTI, 1991), uma vez que não houve uma conscientização de que os depósitos bancários, movimentados por cheques, eram uma forma de moeda. Eles ajudaram a expandir os meios de pagamento através da multiplicação de seu uso. Hoje em dia, a moeda bancária representa a maior parcela dos meios de pagamento existentes.
Criada pelos bancos comerciais, essa moeda corresponde à totalidade dos depósitos à vista e a curto prazo e sua movimentação é feita por cheques ou por ordens de pagamento — instrumentos utilizados para sua transferência e movimentação Atualmente, as duas formas de moeda utilizadas são a fiduciária e a bancária, que têm apenas valor de troca.
Os grupos humanos organizados acumulam renda através da produção. A parte da renda utilizada chama-se consumo e a não consumida transforma-se em poupança. Assim, a renda é a soma do consumo e da poupança; e a poupança, por sua vez, é a diferença entre a renda e o consumo.
Para captar poupanças e recursos de investimento são criados os títulos e valores mobiliários para satisfazer os motivos acima citados. São títulos de crédito as Letras de Câmbio, Certificados de Depósito Bancário (CDB), quotas de fundos de renda fixa etc. Aplicação de recursos (dinheiro ou títulos) em empreendimentos que renderão juros ou lucros, em geral em longo prazo. Num sentido amplo, o termo se aplica tanto à compra de máquinas, equipamentos e imóveis para instalação de unidades produtivas, como à compra títulos financeiros (letras de câmbio, ações etc.). Nesses termos, investimento é toda aplicação de dinheiro com expectativa de lucro. Assim, o agente que quiser aumentar seu patrimônio através do investimento, no sentido de aplicar dinheiro "com expectativa de lucro", poderá buscar essas rendas monetárias nos mercados acionários oferecidos nas Bolsas de Valores.
O ponto de partida para uma abordagem séria e objetiva da problemática da pobreza é a constatação de que, tal como existe no Brasil - são cerca de 44 milhões de pessoas que sobrevivem em condições extremamente precária, com uma renda mensal inferior a meio salário mínimo1 -, a pobreza não é um fenômeno isolado, conjuntural ou residual, que possa ser resolvido pela via filantrópica ou assistencialista, nem constitui uma "deformação" do funcionamento da economia e da sociedade brasileiras. Pelo contrário, a pobreza, assim como a desigualdade e a exclusão social, é uma manifestação inerente à dinâmica de um mesmo processo - o desenvolvimento e funcionamento do capitalismo nas condições específicas da realidade brasileira. Em conseqüência, a natureza destes fenômenos só pode ser plenamente apreendida em sua relação com os fatores estruturais que determinam a geração e reprodução contínua, sob diferentes modalidades em cada fase da nossa evolução histórica, dos estados de pobreza e marginalidade social. As características estruturais da sociedade brasileira, marcadas pelo passado colonial e escravocrata- um padrão de inserção externa subordinada e dependente e uma organização social interna calcada no monopólio da terra, na concentração brutal da riqueza e em profundas desigualdades sociais e regionais -, embora tenham assumido expressões distintas pari passu as transformações no sistema de produção, não alteraram seus elementos constitutivos essenciais. Um traço predominante foi o padrão autoritário de intervenção do Estado na economia e na sociedade, construído a partir de uma estrutura de poder em que o monopólio institucional da elite e a escassa representatividade dos interesses populares nas instâncias de decisão política e econômica restringiram a vigência efetiva dos direitos individuais e sociais da maioria da população. Em síntese, as relações de produção que se estabelecem ao longo do tempo, apesar das modificações no contexto social (urbano e rural) e político, tenderam a preservar e reproduzir os elementos de heterogeneidade e polarização da estrutura social, que são os determinantes imediatos dos fenômenos de pobreza, desigualdade e exclusão social.
Nesta perspectiva, o eixo central da problemática da pobreza é a desigualdade na distribuição da riqueza e, em grande medida como subproduto desta, a concentração da renda. Outros vetores - a estrutura altamente regressiva do sistema tributário vigente no país, o padrão de acumulação historicamente baseado no arrocho salarial, o mercado de trabalho fundado na precarização do emprego, o padrão de gasto público que reproduz a exclusão social, o baixo grau de escolaridade e a precariedade do ensino público, e os efeitos da inflação, por exemplo - amplificam e realimentam o processo de concentração e polarização da estrutura distributiva2 . Dentro deste contexto, a pobreza é a expressão extrema da desigualdade social. É a ausência total de garantias de direitos sociais básicos.
A questão da concentração da riqueza e da renda em nosso país pode ser avaliada de diversas perspectivas, mas seus indicadores, em todos os casos, são dramaticamente absurdos.
Comecemos pela terra, cuja apropriação originariamente concentrada, com o conseqüente controle exercido sobre a mão de obra, determina o padrão distributivo que se perpetuaria no país. Completados mais de quatro séculos e meio do processo de monopolização territorial e formação do latifúndio inaugurado com as capitanias hereditárias e preservado, em sua versão pós-colonial, pela Lei de Terras de 1850, o grau de concentração da propriedade agrária no país atinge ainda níveis extraordinariamente elevados.
Segundo o Censo Agropecuário de 1995/6, existiriam no país 5.050.307 estabelecimentos rurais, ocupando uma área total de 353.611.247 hectares. A comparação entre os pontos extremos da estrutura fundiária é ilustrativa do grau de concentração e polarização existente. Os estabelecimentos com menos de 10 hectares - são 2.518.628 unidades - ocupam uma área de 7,9 milhões de hectares, inferior à área ocupada por somente 37 estabelecimentos com 100.000 hectares ou mais de superfície, que é da ordem de 8,3 milhões de hectares. A superfície média destes 37 estabelecimentos é de mais de 224.000 hectares, ou seja mais de 74.000 vezes o tamanho médio do grupo de pequenos estabelecimentos com menos de 10 hectares, que é de apenas 3,0 hectares .
É precisamente neste segmento de pequenos produtores - ao qual haveria que adicionar a maior parte da população agrícola excluída do acesso à terra - que se concentram os fenômenos de pobreza relativa e absoluta no campo. Agregue-se o fato de que o desenvolvimento do capitalismo na agricultura, ao gerar uma concentração da propriedade do capital ainda maior do que a da propriedade da terra, contribuiu para reproduzir e amplificar o processo de concentração e polarização da distribuição da renda no setor rural. O quadro geral do país não difere substancialmente deste perfil das áreas rurais. De acordo com um estudo recente de caráter global4 , que considera o conjunto da população brasileira e, além da terra, inclui outros ativos, 1% da população, pouco mais de 1,5 milhão de pessoas equivalentes a cerca de 400 mil famílias, controla 17% da renda nacional e 53% do estoque líquido de riqueza privada do país, que em 1995 era avaliado em 2.022 bilhões de dólares. Só para comparar, nos Estados Unidos, por exemplo, que não são propriamente um modelo em termos de distribuição eqüitativa da renda e da riqueza, os percentuais correspondentes ao 1% mais rico da população são de 8% e 26% respectivamente.
A renda familiar média deste grupo atinge US$ 400.000 por ano - 25 vezes maior que a renda média dos restantes 99% da população - e sua riqueza familiar média alcança US$ 2.700.000 - equivalente a cerca de 110 vezes a riqueza média do restante da população.
Ampliando a análise para os 10% mais ricos da população, segmento que envolve uma população de cerca de 16 milhões de habitantes e cerca de 4 milhões de famílias, as disparidades continuam enormes. A participação deste segmento na renda total atinge aproximadamente 48%, com o que sua renda média familiar anual se situa em torno de US$ 96.000.
No outro extremo da escala de distribuição, 40% da população - ou seja 64 milhões de pessoas, em torno a 13 milhões de famílias - se apropriam de aproximadamente 8% da renda nacional, o que eqüivale a uma renda familiar média de US$ 1.000 por ano.
Somados, os 20% mais ricos - uma população de 32 milhões de pessoas e 8 milhões de famílias - se apropriam de quase 65% da renda nacional, ficando 27% para os restantes 40% da população que integram os extratos de rendas médias e médias-baixas.
Este quadro se reflete, com maior ou menor gravidade, nas diversas regiões do país5 . A melhor distribuição se verifica em São Paulo, onde o 40% mais pobres da população detém 10,3% da renda estadual enquanto os 10% mais ricos recebem 42,1%. No outro extremo, a região Nordeste apresenta a pior distribuição: os 40% mais pobres recebem 7,5% da renda regional, contra 52,1% recebidos pelos 10% mais ricos. A questão da pobreza têm uma territorialidade, as desigualdades regionais aprofundam o processo de empobrecimento da população e sua superação deve estar no centro de um novo modelo de desenvolvimento.
Não é por acaso o Brasil possui um dos piores padrões de distribuição de renda e riqueza de toda economia mundial. E este é o fator determinante da pobreza.
Os efeitos da concentração da riqueza - terra, ativos imobiliários, bens de capital, ativos financeiros, etc - sobre a renda são amplificados pelas políticas públicas regressivas adotadas pelos governantes de turno.
A política tributária é um exemplo emblemático nesta matéria. Nossa estrutura tributária está fortemente calcada sobre as transações de bens e serviços (impostos indiretos). Segundo um estudo recente, em 1998 a carga tributária sobre o consumo alcançou 41%, enquanto a incidente sobre o capital foi de apenas 24%6 . Nos países da OCDE, para citar um padrão de comparação, a situação é inversa: em 1990, os bens de consumo representavam 30% da arrecadação total e a tributação sobre os lucros e rendimentos chegava a mais de 38%.
Além disso, no Brasil o trabalho é tributado mais intensamente do que o capital. Enquanto nos países da OCDE as alíquotas efetivas médias no período 1980/91 eram da ordem de 32,8% sobre o trabalho e 38,4% sobre o capital, no nosso caso a tributação efetiva atingia 19,3% para o trabalho e apenas 8,2%. Um outro estudo mais recente confirma esta distorção do sistema tributário: a carga tributária incidente sobre os salários varia entre 32% para os que ganham até 2 salários mínimos e 37% para os segmentos com níveis de remuneração acima de 30 salários mínimos, enquanto a carga tributária média do conjunto da economia, nos últimos anos, tem girado em torno a 29% ou 30% do PIB9 .
No outro extremo, 42% dos 66 maiores bancos que atuam no país não recolheram imposto de renda no ano de 1998 e mais da metade das 530 maiores empresas também não pagam imposto de renda, além do fato que circulariam na economia cerca de 825 bilhões de reais - quase um outro PIB - que não tem registros na contabilidade da Receita Federal .
O resultado de tudo isso é que o peso dos tributos para as famílias de baixa renda é maior do que para aquelas com níveis mais elevados de renda, o que acentua a desigualdade provocada pela concentração da riqueza. No caso dos alimentos, por exemplo, cuja carga tributária média é da ordem de 13,48% nas grandes regiões metropolitanas, os mais prejudicados são as pessoas que ganham menos de R$ 372 mensais. Enquanto no grupo de renda superior a 30 salários mínimos o peso dos impostos varia entre 0,29% e 0,38%, no caso das famílias mais pobres, que ganham até dois salários-mínimos e que gastam a maior parte de sua renda em alimentos, a mera isenção de impostos sobre os produtos da cesta básica representaria um ganho entre 4% (Rio de Janeiro, S. Paulo e Belo Horizonte) e 8% (Brasília, Fortaleza, Belém e Salvador).
Um outro fator relevante na configuração e reprodução do quadro de desigualdade e pobreza que caracteriza a sociedade brasileira tem sido a administração dos salários através de diversas políticas e mecanismos econômicos, institucionais e de coação extra-econômica, seja para "socializar" os custos de ajustes cíclicos da economia ou de flutuações do mercado externo, seja para viabilizar ou aumentar a lucratividade do capital aplicado nas diferentes esferas do sistema econômico. Em consequência, os salários médios têm sido mantidos em patamares baixos - quando não são reduzidos em termos reais - inclusive em fases de acelerada expansão econômica.
Durante a ditadura, por exemplo, que levou a extremos o modelo autoritário de intervenção do Estado no mercado de trabalho - revogando o poder normativo da justiça do trabalho, limitando brutalmente as liberdades sindicais e debilitando a capacidade de negociação dos trabalhadores - os salários foram fortemente comprimidos embora a economia tenha alcançado taxas de crescimento sumamente elevadas (11,2% entre 1968 e 1973 e 6,7% de 1974 a 1980). O padrão de acumulação vigente neste período levou a um significativo aumento das desigualdades sociais: a participação dos 10% mais ricos da população na renda nacional passou de 39,66% em 1960 para 47,89% em 1980, enquanto a parte correspondente aos 40% mais pobres caiu, no mesmo intervalo, de 11,45% para 9,73% .
Conotação similar tiveram as políticas de corte inflacionário e a maior parte dos planos de estabilização, que penalizaram sistematicamente os salários, ao tempo em que asseguravam as rendas relativas à propriedade e ao capital. Exemplo recente foi a fase inicial de preparação do Plano Real, quando a implantação da URV deixou livre os preços mas fixou os salários com base na média dos 4 meses anteriores, reduzindo, de fato, seu poder de compra. De outro lado, os ganhos salariais que ocorreram imediatamente após todos os processos de estabilização monetária foram logo a seguir corroídos pelo processo econômico, como também ocorreu, ainda que menos abruptamente, com o Plano Real.
Uma análise da evolução da situação salarial na Grande São Paulo mostra que desde 1985, quando recrudescem as tensões inflacionárias, até maio de 1995, o rendimento médio real dos ocupados acumulou uma queda de 42%13 . A trajetória do salário mínimo apresenta um padrão similar. Depois de alcançar seu valor relativo mais alto nos anos 50, quando chegou a representar 2,7 vezes a renda per capita nacional - hoje representa algo em torno de 30% -, o valor real do salário mínimo foi sistematicamente corroído pela inflação. Medido em reais de junho de 1996, o valor real do salário mínimo passou de R$ 592,96 em 1940 para R$ 373,71 em 1980, R$175,96 em 1990 e R$ 107,14 em junho de 1996 .
Não é de estranhar então que o salário mínimo no Brasil seja um dos menores da América Latina e corresponda a aproximadamente um sétimo dos valores vigentes em países como Grécia e Espanha, que constituem a periferia imediata do mundo industrializado.
Estas tendências de deterioração da situação salarial estão presentes inclusive no período mais recente, quando prevaleceu uma relativa estabilidade de preços. Em efeito, no final do ano passado os salários na indústria de transformação já estavam 15% mais baixos do que em meados de 1994, mostrando que as perdas acumuladas a partir de 1995 não só consumiram todo o ganho inicial do Plano Real como fizeram com que os rendimentos dos assalariados regredissem ao mesmo nível do início da década. Isto estaria indicando que os substanciais aumentos de produtividade alcançados pela indústria nos últimos dez anos não foram sequer parcialmente repassados para os trabalhadores, tendo sido apropriados, segundo tudo indica, pelas empresas e pelos bancos15. Paralelamente, a porcentagem dos assalariados que trabalham mais que a jornada legal na ocupação principal, na região metropolitana de São Paulo, aumentou entre 1994 e 1997 nos setores indústria de transformação, comércio e serviços.
O efeito destas políticas regressivas - não só da inflação - se expressa na tendência à contínua redução da participação dos salários da renda nacional. que de 55,5% em 1959 caiu para menos de 40% em meados dos anos 80. Outros dados, de uma revisão das contas nacionais que está sendo realizada pelo IBGE, indicam que a participação dos salários no PIB passou de 45% em 1990 e para 38% em 1996. Neste último período, o excedente operacional bruto (que engloba lucros, juros e aluguéis) aumentou seu peso relativo de 33% para 41%. Comparem-se essas cifras com a proporção dos rendimentos salariais na renda nacional em alguns países desenvolvidos (os dados são do período 1982/86): 63,5% na Inglaterra, 59,2% nos Estados Unidos, 58,8% no Japão, 54,5% na França e 52,6% na Alemanha17 .
Em resumo, do período ditatorial, em que o arrocho salarial se justificava pela tese de que "primeiro é preciso crescer para depois distribuir" - a economia de fato cresceu mas a distribuição, como se viu, foi regressiva - ao neoliberalismo contemporâneo, que agregou a estabilidade como "pré-condição do crescimento" - e os preços foram, de fato, relativamente estabilizados, mas a economia se estagnou e o desemprego explodiu - a tão esperada redistribuição vai sendo postergada e a desigualdade continua aumentando. Os trabalhadores vivem sempre correndo atrás das perdas, antes derivadas da inflação e agora resultantes da manutenção de uma aparente estabilidade, que mantém controlados os preços às custas de uma deterioração contínua dos fundamentos macroeconômicos, de uma instabilidade social crescente e da desestruturação da economia nacional.
Os magníficos resultados financeiros da colonização agrícola do Brasil abriram perspectivas atraentes à utilização econômica das novas terras. Sem embargo, os espanhóis continuaram concentrados em sua tarefa de extrair metais preciosos. Ao aumentar a pressão de seus adversários, limitaram-se a reforçar o cordão de isolamento em torno do seu rico quinhão. A forma como estavam organizadas as relações entre Metrópole e colônias criava uma permanente escassez de meios de transporte; e era a causa de fretes excessivamente elevados. A política espanhola estava orientada no sentido de transformar as colônias em sistemas econômicos o quanto possível auto-suficientes e produtores de um excedente líquido -na forma de metais preciosos-que se transferia periodicamente para a Metrópole.
Sendo a Espanha o centro de uma inflação que chegou a propagar-se por toda a Europa, não é de estranhar que o nível geral de preços tenha sido persistentemente mais elevado nesse país que em seus vizinhos, o que necessariamente teria de provocar um aumento de importações e uma diminuição de exportações. Em conseqüência, os metais preciosos que a Espanha recebia da América sob a forma de transferências unilaterais provocavam um fluxo de importação de efeitos negativos, sobre a produção interna, e altamente estimulante para as demais economias européias.
O abastecimento de manufaturas das grandes massas de população indígena continuou a basear-se no artesanato local, o que retardou a transformação das economias de subsistência preexistentes na região.
Cabe portanto admitir que um dos fatores do êxito da empresa colonizadora agrícola portuguesa foi a decadência mesma da economia espanhola, a qual se deveu principalmente à descoberta precoce dos metais preciosos.
Referências bibliográficas
Singer,Paul .Aprender Economia, Editora Contexto.São Paulo. 2002
Furtado,Celso, Editora Companhia Nacional . São Paulo.