Todos os anos o Governo Federal, os Estados e os Municípios gastam cerca de 190 bilhões de reais em compras de materiais que serão utilizados em obras e nos órgãos públicos. Este montante, que representa algo em torno de 10% do PIB brasileiro, se aplicado da forma correta tem o poder de fomentar o desenvolvimento de um mercado voltado para produtos sustentáveis. É o que vem constatando governos do mundo todo através de uma atitude que por aqui recebeu o nome de “Compras Públicas Sustentáveis” (CPS).
Também chamadas de “licitação sustentável”, “ecoaquisição”, “compras verdes”, “licitação positiva” ou “compra ambientalmente amigável”, as CPS têm como objetivo utilizar o poder de compra dos governos para influenciar uma postura sustentável das empresas que terão de se adequar às exigências caso queiram vender para o setor público.
Países como França, Japão, Inglaterra e Espanha, por exemplo, já adotaram a idéia. Na Suíça, onde o Banco da União adotou critérios de compra de eletroeletrônicos baseados no uso eficiente de energia. A iniciativa resultou no desenvolvimento, pela Samsung Eletronics, de monitores mais eficientes que consomem menos energia. Na Alemanha, otrabalho conjunto de diversas prefeituras resultou na aquisição conjunta, a baixo custo, de equipamentos de aquecimento de piscinas públicas ao ar livre baseados na energia solar, que ainda por cima, reduziram custos para o setor público. No Reino Unido, em Leicester, foi proibida a compra de produtos que contenham substâncias prejudiciais à camada de ozônio.
A licitação sustentável baseia-se em uma nova interpretação da premissa de que o comprador público deve utilizar a licitação como ferramenta para realizar a “compra do melhor produto/serviço pelo menor preço”. E trata de colocar em prática o que já era lei desde a Constituição Federal de 1988 que traz entre seus princípios a obrigação do poder público de garantir um meio ambiente equilibrado (Art. 225), além de incluir, desde 2003, a “defesa do meio ambiente” como um dos princípios gerais da atividade econômica (Art. 170).
O fato é que a inversão de valores, da compra pelo simples critério de menor preço para a compra baseada em princípios mais amplos de sustentabilidade ambiental e social, vem de encontro com o que já é sabido há muito tempo: de que não dá mais para manter o modelo de desenvolvimento e consumo vigentes até então, sem levar em consideração aspectos de sustentabilidade. Até porque, a idéia de que produtos “não sustentáveis” ambiental e socialmente custam mais barato por exigir menos investimentos é inválida. Ainda mais para o poder público que é quem acaba arcando com os custos indiretos gerados pela poluição, por exemplo, como os gastos com a saúde pública no tratamento de doenças pulmonares, muito comuns em grandes e poluídos centros.
Ao analisar os custos de tais aquisições os governos devem levar em consideração não só o preço imediato dos produtos adquiridos, mas todos aqueles envolvidos em seu ciclo de vida (fabricação, consumo, destinação final) e as economias indiretas relacionadas ao incentivo às práticas sustentáveis.
Produtos não-tóxicos, por exemplo, além de não agredir o meio ambiente ainda exigem menos cuidado no manuseio, armazenagem e destinação final oferecendo menos riscos aos usuários e até mesmo, em alguns casos, dispensando o uso de equipamentos de proteção individual o que gera economia. Lâmpadas fluorescentes, que a princípio custam mais que as incandescentes, duram até 10 vezes mais e consomem 75% menos energia. (Guia de Compras Públicas Sustentáveis).
O problema, no caso de alguns produtos sustentáveis, é que alguns deles ainda não atingiram a economia de escala e por isso tem seus preços menos competitivos que seus similares não-sustentáveis. Mas uma forma de se minimizar ou até mesmo eliminar essa diferença é a realização de compras centralizadas nos órgãos públicos evitando-se que as mesmas sejam realizadas aos poucos uma vez que a maior quantidade de material adquirido contribui para a redução do preço dos produtos. Com o mesmo princípio, a realização de licitações compartilhadas, regulamentada pela Lei N.º 11.107/05 e pelo Decreto N.º 6.017/07, visa garantir a viabilidade na adoção de critérios sustentáveis nas compras públicas. Exemplos de sucesso neste sentido podem ser encontrados na Europa onde doze cidades de países diferentes criaram o Projeto Zeus pelo qual conseguiram o fechamento de contratos com empresas automobilísticas para o fornecimento de veículos com baixa ou nenhuma emissão e baseados em fontes renováveis de energia.
Para se evitar que a adoção de critérios de sustentabilidade nas compras públicas faça com que haja uma supervalorização dos preços dos produtos podem ser definidos preços máximos para grupos específicos de produtos ou serviços.
Também devem ser evitadas compras desnecessárias e desperdícios de materiais. Duas atitudes que vão contra a idéia de sustentabilidade das CPS e, de quebra, podem reduzir custos para os órgãos públicos.
Na mesma linha das compras públicas sustentáveis o Governo de Minas Gerais através do Sistema Estadual de Meio Ambiente lançou um “Manual de Obras Públicas Sustentáveis” que traz princípios a serem adotados pelos órgãos públicos estaduais na realização de obras. (http://www.meioambiente.mg.gov.br/obras-sustentaveis). Minas Gerais criou também o “Catálogo de Materiais Sustentáveis” com mais de mil itens que podem ser adquiridos pelos órgãos públicos.
Outro catálogo, que pode ser acessado pela internet, foi desenvolvido pela Eaesp/FGV (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas) . O “Catálogo de Compras Sustentáveis” (http://www.catalogosustentavel.com.br/) traz informações sobre produtos e serviços que foram avaliados por uma equipe de especialistas do Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV de acordo com critérios sócio-ambientais e metodologia própria.
Em São Paulo a iniciativa das CPS também vem gerando frutos. Em 2007 foi publicado o Decreto N.º 48.114 que cria um grupo de trabalho com a responsabilidade de instituir uma política municipal para a realização de CPS. O município também está testando a adoção de ônibus movidos por um sistema híbrido de células combustíveis (que usam como combustível o hidrogênio) e energia elétrica, que não emite poluição sonora e tem como único resíduo gerado o vapor de água. No Estado de São Paulo já é lei desde 1998 (Decreto N.º 42.836/98) a obrigatoriedade da aquisição de veículos a álcool para a frota especial do Estado e desde 1997 é proibida a aquisição pela administração direta e indireta de produtos que contenham substâncias nocivas a camada de ozônio, listadas no Protocolo de Montreal (Decreto N.º 41.629/97).
Fontes:
Guia de Compras Públicas Sustentáveis. ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade, Secretariado para América Latina e Caribe (LACS) e Centro de Estudos em Sustentabilidade da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas. 2008. 2ª Edição.http://www.iclei.org/fileadmin/user_upload/documents/LACS/Portugues/Servicos/Ferramentas/Manuais/Compras_publicas_2a_ed_5a_prova.pdf
Manual de Obras Públicas Sustentáveis. Sistema Estadual de Meio Ambiente. Minas Gerais. 2008. Versão Preliminar.http://www.meioambiente.mg.gov.br/obras-sustentaveis