"As Comissões da Verdade são importantes para que o nosso país possa afirmar sua identidade e para pensarmos se temos a democracia pela qual tanto lutamos", disse a pesquisadora aposentada da Fiocruz e da UFRJ Annamaria Testa Tambellini, durante a cerimônia de lançamento da Comissão da Verdade da Reforma Sanitária. Essa é uma iniciativa da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), cuja intenção é investigar as violações dos direitos humanos por agentes do Estado ocorridas de 1946 a 1988. O projeto tem o apoio irrestrito da ENSP, e sua coordenação está a cargo de Annamaria. Em seu lançamento, ocorrido no 6º Congresso Brasileiro de Ciências Sociais e Humanas em Saúde, foi realizada uma homenagem ao advogado dos perseguidos políticos ao longo da ditadura militar, Modesto da Silveira, que também é ex-deputado, jurista e patrono dessa comissão.
Para Annamaria Testa Tambellini, a iniciativa tem um papel histórico, pois trata-se de “uma forma de desvendar os porões da ditadura trazendo à luz esses casos. O processo também iluminará a todos nós, para pensarmos em uma possibilidade de democracia em que esses fatos jamais voltem a acorrer", disse ela. A mesa de abertura da solenidade de lançamento da comissão contou com a presenças do diretor da ENSP, Hermano Castro, de Annamaria Tambellini, do médico sanitarista da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, José Ruben Bonfim, do presidente da Comissão da Verdade do Estado do Rio de Janeiro, Wadih Damous (OAB/RJ), e do diretor do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), Umberto Trigueiros.
O trabalho da comissão abrangerá todos os trabalhadores independentemente do cargo, sejam médicos, enfermeiros, auxiliares, que estejam ou tenham trabalhado no sistema de saúde, em universidades, em clínicas privadas, entre outros. O trabalho não é restrito ao funcionalismo público e não se limitará ao levantamento dos casos de pessoas violadas. “Vamos querer saber também como os trabalhadores da saúde ajudaram a ditadura, como foi o caso de alguns colegas médicos, que colaboraram diretamente nas sessões da tortura”, afirma Annamaria.
Desde 1974, foram constituídas em todo o mundo 44 Comissões da Verdade, sendo 15 delas na América Latina. A mais famosa e com resultados admiráveis pela realização de seus objetivos foi a Comissão de Reconciliação e Verdade, da África do Sul, em que 23 mil vítimas foram ouvidas. Ela foi instalada nesse país após a queda de um regime de segregação racial jamais visto no mundo e se constitui como modelo e exemplo para todas as comissões que a sucederam. A Comissão da Verdade da Reforma Sanitária (CNRS) foi criada a partir de uma norma publicada pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), que permitia a criação de comissões da verdade locais (estaduais, municipais, das câmaras legislativas, de associações de trabalhadores, de mulheres, dos índios, de trabalhadores rurais etc.). Na mesma norma, a CNV passava a investigar as violações orquestradas pela Operação Condor, envolvendo Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai, que incluía não só o intercâmbio de metodologias e práticas de tortura, mas a troca de prisioneiros em uma articulação dos aparelhos repressivos da América Latina.
Annamaria comentou que a existência de casos de tortura em todo o país mobilizou os integrantes da Comissão. Ela ressaltou que muitos casos de trabalhadores ou ex-trabalhadores da área de saúde que sofreram violações são conhecidos e alguns deles já tiveram os direitos políticos restaurados, mas outros continuam desaparecidos ou nunca foram identificados.
Compõem a comissão, além de Anamaria e José Rubem Bonfim, o diretor da ENSP, Hermano Castro, a presidente do Cebes, Ana Maria Costa, o pesquisador da USP, Danilo Costa, o pesquisador da ENSP Fermin Roland Schramm, o pesquisador da UNB Heleno Correa, a integrante do Cebes/Pará Larissa Mendes, a pesquisadora da UFPR e da Anvisa Letícia Rodrigues da Silva, a professora da Faculdade de Medicina da UFPE Lia Giraldo da Silva Augusto, o presidente da Abrasco, Luis Eugenio Portela, o diretor do Icict/Fiocruz, Umberto Trigueiros, e o professor da UFMT Wladir Bertulio.