Nos últimos anos, o regime de cheias e vazantes do rio Negro, em Manaus, tem superado as marcas históricas registradas. Ao pesquisar a variabilidade do nível do rio e o impacto dos eventos extremos na saúde da população, o aluno de mestrado em Epidemiologia em Saúde Pública Diego Ricardo Xavier Silva constatou que os casos de febre tifoide apresentaram associação, com defasagem de um mês, em relação ao nível do rio Negro, temperatura máxima e índice de Oscilação Niño (ONI). Já os casos de malária associaram-se, com defasagem de dois meses, à chuva e cotas acima 27,5 metros, durante o período de subida do nível do rio. E, ainda, as cotas do rio acima de 28 metros em períodos de chuva apresentaram ligação positiva com as notificações de casos de leptospirose. O estudo foi orientado pela pesquisadora Cláudia Torres Codeço.
Segundo Silva, o rápido crescimento urbano sem planejamento levou à exclusão e, por consequência, pode gerar um aumento da criminalidade; desemprego e subemprego; queda dos níveis reais dos salários e aumento do custo de vida. “Os habitantes da cidade possuem uma estreita relação com os rios, o que torna a cidade extremamente vulnerável a mudanças nos padrões de cheias e secas dos rios. A história de Manaus apresenta diversos episódios de alteração na estrutura social e no ambiente que tiveram efeitos imediatos na região, a médio e a longo prazo à saúde das populações.”
O aluno traçou um panorama da região. Manaus apresenta peculiaridades em relação às mudanças ambientais e climáticas. A sazonalidade das chuvas, níveis dos rios, produção de alimentos, pesca e condições de transporte condicionam a economia regional e influem sobre a vida na cidade. O nível da água do rio Negro tem sido um regulador da dinâmica econômica e social da cidade, desde sua fundação. A persistência de casas de madeira construídas sobre palafitas é um exemplo de adaptação da população local à variabilidade climática. A altura das casas, pontes e trapiches sobre estacas revela uma conformação dos habitantes locais a variações esperadas do regime dos rios, ao mesmo tempo em que impõe um limite aceitável, além do qual torna-se inviável a moradia e as atividades econômicas e, consequentemente, geram agravos a saúde.
Quanto ao perfil populacional, Silva informou que, a partir dos anos de 1970, houve a ocupação das margens dos vários igarapés da cidade de modo mais intenso. “Essa situação perdura até os dias atuais e pode se agravar com a intensificação dos fluxos migratórios para Manaus, revelando a incapacidade de se expandir a infraestrutura de forma planejada, e contribuindo para a deterioração da qualidade de vida urbana em geral.” Como resultado destes processos, disse ele, evidencia-se a proliferação de favelas na periferia da cidade e ao longo de igarapés, formadas por meio de invasões de terrenos de propriedade pública e privada sem condições de habitação.
De acordo com Silva, o poder público realiza obras de infraestrutura que têm gerado debates e controvérsias no município. É o Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus (Prosamim), que beneficia apenas 80.000 pessoas (números não oficiais). Inicialmente, continua Silva, o programa seria totalmente implementado até 2013, mas existe a possibilidade de extensão desse prazo até 2020 e para outros igarapés. “O governo está canalizando e drenando os igarapés em áreas estratégicas da cidade, sobretudo áreas centrais. Os habitantes das margens dos igarapés nas áreas, onde foi implementado o programa, recebem a proposta de ganharem pelo imóvel o valor de 21 mil reais em espécie, ou um outro imóvel em outro lugar da cidade, ou adquirir um novo imóvel na área que foi recuperada.”
Entretanto, acrescenta o aluno, existem críticas quanto ao planejamento urbano em relação à expansão da cidade, o desmatamento das margens dos igarapés e descaracterização do município. “Grandes áreas da cidade estão se tornando impermeáveis com o aterramento de igarapés e leitos de rios. Esse processo tende a aumentar a intensidade de alagamentos após as chuvas intensas e criação de ilhas de calor devido ao clima da região e a diminuição da cobertura vegetal.”
Sobre o autor
Diego Ricardo Xavier Silva é graduado em Enfermagem pela Universidade do Estado de Mato Grosso (2009). Técnico em Sistemas de Informação Geográfica (SIG) com ênfase em saúde pública, atualmente atua como pesquisador bolsista no Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica da Fiocruz, na pesquisa e ensino de Geografia da Saúde. A defesa da dissertação, intitulada Variabilidade climática, vulnerabilidade ambiental e saúde: os níveis do rio Negro e as doenças relacionadas à água em Manaus, ocorreu em 10/3, na ENSP.