De um lado a necessidade constante por produção de mais energia, minério e instalação de empreendimentos, acompanhados de milhares de ofertas de emprego. Do outro, comunidades tradicionais mais preocupadas em manter suas rotinas e tradições do que com um desenvolvimento que não pediram. As visões diferentes se chocam e geram conflitos, a maioria por causas ambientais. Somente Santa Catarina possui 16 zonas onde interesses se confrontam, segundo o Mapa de Conflitos, que envolve injustiça ambiental e saúde no Brasil, elaborado pela Escola Nacional de Saúde Pública, um braço da Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz). O estudo desenvolvido desde 2008 apresentava 17, mas um dos entraves já foi resolvido.
O mapeamento mostra que a maior parte dos conflitos no país está ligada à Amazônia e a outros locais com grandes áreas florestais. Em SC, os embates estão relacionados a causas diferentes, que vão desde a construção de um grande empreendimento, como uma usina geradora de energia, até a duplicação de uma rodovia ou a demarcação de terras indígenas.
– Vários conflitos são muito específicos em Santa Catarina. Como a questão das hidrelétricas, por exemplo, e a mineração de carvão. Mas também há conflitos indígenas de demarcação de terras, e não são poucos – avalia o pesquisador Marcelo Firpo, um dos autores do Mapa.
Negociações precisam ser antecipadas
Firpo explica que apenas as questões em que os impactos sofridos acabaram levando as populações locais a se organizar para fazer protestos estão documentadas no estudo. A intenção é dar visibilidade a esses grupos que se juntam para demonstrar o que Firpo chama de “injustiças ambientais”, sejam eles moradores unidos em torno de uma causa ou ONGs criadas para defender aquela posição.
O presidente da Câmara de Qualidade Ambiental da Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc), que também é gerente de Meio Ambiente da Tractebel, José Lourival Magri, diz que, nos casos que envolvem grandes empreendimentos, o que sempre ocorre é uma tensão entre interesses público e privado.
– O problema é que as negociações não vêm em primeiro lugar. Parte-se direto para os conflitos. Tem-se que sentar à mesa e buscar aquilo que é justo – avalia Magri.
Ele relata também que pelo modo atual como essas negociações são feitas, ambos os lados – seja no caso de um empreendedor privado ou do Estado – já partem do pressuposto de que o outro quer enganar. Uma cultura que, para ele, precisa ser mudada para se chegar a melhores soluções.
Mudança de modelo reduziria impactos nas comunidades, segundo especialistas
Para mudar o cenário apresentado no Mapa, Firpo propõe que a lógica seja mudada. Ao invés de se pensar em uma solução gigantesca de forma apressada, ele aponta que deve-se investir na resolução de pequenos problemas. Para ele, é preciso apostar em formas de menor impacto, ao mesmo tempo em que se busca soluções para tornar mais eficiente o que já está feito. Como exemplo, ele cita que apenas na transmissão de energia elétrica, o Brasil perde cerca de 20% de toda produção – enquanto no Chile o número é de 6% e na Europa, 7%.
– Em nome do progresso de curto prazo, do superávit fiscal, de aumentar as exportações – que até são aspectos legítimos – assuntos prioritários a médio e longo prazo acabam sendo ignorados – diz.
Ele reflete que no cenário atual, isso é uma prática utópica, mas toda transformação começa por um primeiro passo.
– Talvez a gente tenha que rever a legislação. Se há uma necessidade de maior discussão com os impactados, tudo bem. O empreendedor sério, que olha a questão social e ambiental como estratégica, vai fazer uma boa discussão porque quer minimizar riscos lá na frente – diz o presidente da Câmara de Qualidade Ambiental da Fiesc, José Lourival Magri.
Mas ele também alerta que a maior parte das empresas faz hoje apenas o que está previsto na legislação pelo fato de muitas tentativas de empreendimentos terem ido parar na Justiça.
“O grande problema está na concentração de poder”, explica Marcelo Firpo
Para o pesquisador responsável pelo estudo, o objetivo do Mapa é tornar visível a realidade de sofrimento e de degradação ambiental que comunidades vêm passando.
A lógica econômica de onde colocar empreendimentos difere da lógica ambiental na maior parte dos casos. Alguma das duas tem que ser colocada à frente?
Marcelo Firpo - Não é uma solução trivial. Primeiro porque a questão que tem que ser respondida é: será que é necessário esse tal empreendimento? Quem vai se beneficiar com ele? Você precisa justificar quais os encargos e os riscos envolvidos. Deveria haver um processo mais intenso antes da realização, para discutir se eles vão produzir impactos relevantes para as comunidades e, a partir daí, se discutir alternativas.
Há um exemplo mais concreto?
Firpo - Se eu faço um empreendimento de expansão do agronegócio baseado na monocultura de grãos, a soja, por exemplo, essa opção pode ser importante para o crescimento econômico e para a balança comercial, mas ela vai ter impactos no curto, no médio e no longo prazo para a redução da biodiversidade. E até, eventualmente, impedir projetos de agricultura familiar. Há uma outra alternativa que seria pensar estratégias de desenvolvimento que apoiem essa mesma agricultura familiar ou outros projetos de “agroecologia” que convivem bem com o meio ambiente. Existem certos modelos que fazem parte de um paradigma de desenvolvimento econômico que, por vezes, é incompatível e vai chegar um momento que ele vai produzir problemas.
O que leva aos conflitos?
Firpo - O grande problema está na concentração, seja do poder econômico, poder político ou fundiário. Esses riscos e benefícios se discutem dentro de uma assimetria de poder, em que os efeitos negativos sempre vão pender para o lado mais fraco. Pode haver mineração, por exemplo. E, certamente, há interesses estratégicos, mas é preciso que se aprofundem mecanismos democráticos de participação no processo todo para que se chegue a melhor solução. Garantir que ela não seja boa apenas para grupos já poderosos.
Não dá para mudar a realidade da noite para o dia. O que seria necessário fazer primeiro?
Firpo - Deixar claro que esse modelo de desenvolvimento é injusto e insustentável em vários aspectos. A ideia de dar viabilidade a esses conflitos não é para criar uma agenda negativa. É tornar mais visível e clara a realidade de sofrimento e de degradação ambiental que muitos territórios e comunidades vêm passando em função de um modelo que expande os monocultivos do agronegócio, usa intensivamente eletricidade e faz prospecção de minério desrespeitando a população local.