O pesquisador do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA) Maurício Barreto foi o expositor convidado para a palestra comemorativa dos 30 anos do Centro de Referência Prof. Hélio Fraga da ENSP e que deu início ao mestrado profissional em Epidemiologia e Controle da Tuberculose. Após o descerramento da placa em homenagem a data, teve início a palestra Controlando a tuberculose no século XXI: novas tecnologias, novos riscos e os persistentes determinantes sociais. “Quando entendemos o que é a tuberculose, conseguimos perceber esse mestrado como uma maneira de entender o mundo, pois a tuberculose faz parte da trajetória da humanidade”, considerou o professor. Maurício descreveu a doença, sua transmissão e a maneira como ela infecta o pulmão. Ele ressaltou ainda que a TB é uma doença crônica e que todo modelo de cuidado utilizado no tratamento da tuberculose poder ser aplicado para o tratamento de outras doenças crônicas.
O pesquisador contou também um pouco da história da doença, que começou infectando seres humanos acerca de dez mil anos atrás e no século XIX tinha maior prevalência nas cidades europeias e norte-americanas. Em 1882 foi descoberto, por Robert Koch, oMycobacterium tuberculosis, que permitiu o início das pesquisas para tratamento e vacinas, e somente em 1908 foi criada por Albert Calmette e Camille Guérinm, a primeira vacina - chamada BGC -, que só seria utilizada pela primeira vez em 1921. Segundo o professor somente em 1943 a microbiologista Selman Waksman descobre a estreptomicina. Nos anos 70 a maioria dos países desenvolvidos acredita que a tuberculose está controlada. Em 1998 é realizado o primeiro sequenciamento genético do Mycobacterium tuberculosis, em 2006 surge, na Africa do Sul, o primeiro caso de TB extensivamente resistente a medicamentos, e no ano de 2008, 49 países relatam casos de tuberculose extensivamente resistente a medicamentos.
Trazendo um pouco da epidemiologia global da doença, Maurício afirmou que a TB é uma das principais causas de morte por doença infecciosa no mundo, estima-se que em torno de 2 bilhões de pessoas estão infectadas pelo Mycobacterium tuberculosis. Dados globais apontam que a cada ano cerca de 9 milhões de pessoas desenvolvem a doença e aproximadamente 1,5 milhão morrem. Saindo da esfera global o professor expôs dados brasileiros, ele apresentou um gráfico com as tendências das causas de morte no Brasil entre 1930 e 2007. Até os anos 70 as doenças infecciosas eram as principais causas de morte da população brasileira, de 1970 até os anos 2000 as mortes por doenças infecciosas diminuíram, porém, as mortes por doenças cardiovasculares aumentaram. Maurício apontou ainda que a TB já foi responsável por mais de 70% da mortalidade por doenças infecciosas no Brasil durante os anos 80, mas esse número caiu expressivamente e em 2008 a TB alcançava pouco mais de 20% da mortalidade por doenças infecciosas no país.
Maurício comentou também sobre o controle das doenças infecciosas e disse que a tuberculose está na lista das doenças infecciosas que alcançaram controle com sucesso parcial, junto com: HIV/Aids, Hepatites A e B, hanseníase, esquistossomose e malária. Doenças preveníveis por vacinação, diarreia e Doença de Chagas são doenças que alcançaram controle com sucesso, e Dengue e Leishmaniose visceral obtiveram insucesso no controle. “Os sucessos, mesmo que parciais, no controle das doenças infecciosas no Brasil, podem ser atribuídas ao sucesso das políticas públicas, muitas delas consideradas bastante eficientes, apesar de algumas ressalvas, como a implementação tardia. Essas políticas têm como alvo fatores determinantes, como a qualidade da água, o esgotamento sanitário, e o amplo acesso aos recursos de prevenção, como vacinas ou tratamento. Os insucessos têm sido basicamente associados a doenças transmitidas por vetores para os quais as vacinas e os tratamentos específicos não existem, como a dengue, ou que o tratamento é apenas parcialmente eficaz ou tem toxicidade pronunciada, como no caso da leishmaniose visceral”, esclareceu.
Segundo o professor, o Brasil está passando por um rápido e, por vezes, desorganizado processo de urbanização. Nesse contexto, programas de transferência de renda, o SUS e outros nas áreas sociais e ambientais são cruciais para o controle das doenças infecciosas. Em relação à taxa de incidência da tuberculose no Brasil, de 1990 a 2010 os números caíram de 51,7% para 37,7% a cada 100 mil habitantes. Maurício abordou também a questão da velhas e novas tecnologia para tratamento da TB, citando a história da BCG e a possibilidade de uma nova vacina contra a doença, além da questão do diagnóstico. Para ele, uma nova vacina é possível, visto o atual estágio do desenvolvimento científico, porém, problemas como a existência de pontos obscuros na imunidade da TB, a falta de marcadores de proteção, questões éticas e regulatórias, e custos, não tornem claro prever quando esta nova vacina poderá estar utilizável para a população que dela necessita.
Os fatores de risco também foram analisados pelo professor, de acordo com ele, a tuberculose tem sido classicamente associada à pobreza, a aglomeração e a desnutrição, além dos novos fatores de risco trazidos com as mudanças do mundo como as infecções por HIV e HTLV-I; diabetes; hábito de fumar; alcoolismo; populações em estabelecimentos correcionais (prisões); e medicamentos imunosupressivos. Por fim, Maurício entrou na questão denominada por ele como a causa das causas: os determinantes sociais. Para ele os Programas de Transferência Condicional de Renda (PTCR), que fornecem renda para famílias pobres com a condição que cumpram algumas condicionalidades - geralmente relacionadas com a saúde e a educação dos filhos - ajudam a atenuar a questão dos determinantes sociais. Maurício citou como exemplo a sinergia entre o Programa de Saúde da Família (PSF) e o Programa Bolsa Família (PBF), programas federais com ampla cobertura nacional, que juntos ajudam a reduzir estatísticas relacionadas à saúde e educação de milhões de brasileiros.
“O controle da tuberculose é uma tarefa complexa, que entre outros desafios deve articular a garantia de acesso e qualidade das ações típicas do programa de TB a todos aqueles que necessitem; esforços para desenvolvimento de novas tecnologias como vacinas, diagnósticos e tratamentos; além de esforços para entender e intervir sobre os determinantes sociais e sobre fatores de riscos relevantes, como ações voltadas a redução da pobreza e melhoria das condições de vida, a redução do diabetes ou das populações prisionais”, concluiu Maurício Barreto.
A palestra do professor Maurício Barreto está disponível na íntegra no Canal da ENSP no Youtube.