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terça-feira, 2 de setembro de 2014

Palestras discutem conceitos do trabalho na infância

Infância, trabalho e saúde: estas três palavras formaram o eixo das questões levantadas pelo seminário O Direito à Saúde no Trabalho a partir da concepção de infância, realizado no salão internacional da ENSP, no último dia 25 de agosto. A palestra foi ministrada por Valdinei Santos de Aguiar Júnior, aluno do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Escola e orientando do pesquisador Luiz Carlos Fadel de Vasconcellos, do Grupo Direitos Humanos e Saúde, o Dihs. Participaram da mesa os professores Paulo Pena, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), e Carmen Maria Raymundo, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
 
Valdinei iniciou sua fala lembrando que o trabalho na infância extrapola a temática do “trabalho infantil”, termo largamente difundido e que compreende uma realidade deplorada pelo senso comum. Em seguida, apresentou as perguntas que norteiam sua pesquisa: "em que os estudos sobre a infância podem contribuir para os temas da saúde do trabalhador? Por seu turno, como a compreensão da centralidade do trabalho como determinante das condições de saúde contribui para promoção da saúde infantil?", questionou. 
 
O trabalho de Valdinei tem como recorte a sociedade industrial inglesa no século XIX, época em que a concepção moderna de infância começou a ser forjada. Retratada não só em livros acadêmicos, mas em clássicos da literatura, a participação das crianças foi fundamental para a Revolução Industrial. Foi, portanto, a partir dela que o estado passou a intervir para garantir direitos trabalhistas e de saúde. Ainda no final do século XVIII, surge o Chiminey Sweepers act, lei que estabelece oito anos como idade mínima para os trabalhadores que limpavam chaminés. (Há relatos de que crianças de três anos chegaram a ser empregadas nesta atividade). Em seguida, ainda de acordo com o palestrante, ao longo de todo o século XIX, surgiram outras leis que traduziram a necessidade crescente de o estado regular a infância, o trabalho e a saúde. Nesse período, assiste-se ao nascimento da medicina do trabalho e à abolição da escravatura. O trabalho infantil, porém, não foi erradicado mas migrou para áreas em que não havia regulamentação. Tal subterfúgio não se faria necessário do outro lado do atlântico, na mesma época.

Durante sua intervenção, o professor Paulo Pena lembrou que ao mesmo tempo em que vivenciava uma luta intensa por direitos e proteção à infância, a Inglaterra promovia, junto a outras potências europeias, um Brasil escravocrata onde não existia nenhuma forma de regulamentação do trabalho. “A saúde do escravo era uma saúde que dependia da saúde do senhor do escravo. O escravo era um objeto, um patrimônio (...) o estado não podia intervir nessa relação”. Para se ter uma ideia, a saúde do escravo sequer era inscrita no âmbito médico, mas vista como uma responsabilidade veterinária.
 
O século XX viria a se tornar, no mundo inteiro, um período de muitos avanços tanto no que diz respeito às leis trabalhistas quanto às necessidades de proteção da infância. No novo milênio, o Brasil seria citado pela Organização Internacional do Trabalho por sua “legislação avançada e reconhecimento oficial do problema do trabalho infantil". Confrontada com números, porém, a proposta mundial de erradicação do trabalho infantil ainda se mostra ineficiente não só em relação à infância mas também em seu potencial de melhoria e proteção ao trabalho adulto. Segundos dados da OIT, no mundo, 168 milhões de crianças trabalham, sendo que 86 milhões naquelas consideradas as piores formas de trabalho. Em 2010, 81 milhões dos 620 milhões de jovens economicamente ativos dos jovens estavam desempregados.
 
Ao se debruçarem sobre o tema aqui no Brasil, pesquisadores como Valdinei Santos, o professor Paulo Pena e a professora Carmem Maria Raymundo esbarraram ainda na complexidade advinda de nossa diversidade. Carmem falou da importância da vigilância em saúde para formar um mapa dessa realidade. Para ilustrar os múltiplos significados que o trabalho pode ter em locais como comunidades quilombolas ou as aldeias, Carmem lembrou de uma situação vivenciada em campo. Certa vez, ao se deparar com uma criança indígena manuseando um facão, ouviu dos adultos da aldeia a explicação de que culturalmente suas crianças são incentivadas a se aproximar de algo que julgam perigoso para aprender a lidar com essa ameaça. No mesmo sentido, o Paulo Pena citou sua pesquisa entre comunidades marisqueiras na Bahia. Nesses povoados, o aprendizado do trabalho, feito em família, é diluído no cotidiano das crianças. Se de um lado isso garante sua sobrevivência, já que não vivenciam o desemprego, restringe, por outro, as possibilidades de seu acesso aos serviços de saúde. Se o trabalho de crianças e adolescentes pode assumir diversas facetas de acordo com a cultura de cada região, também se encontra sob formas menos visíveis. Valdinei Santos citou como exemplo o trabalho escolar.
 
Ao concluir sua exposição, Valdinei falou da necessidade de uma compreensão da infância como coletividade e citou o sociólogo norueguês Jens Qvortrup, para quem é necessário que se faça justiça à infância e se demonste sua continuidade na construção social.